É Tudo Verdade consagra “Os Arrependidos” e “Presidente”, sobre eleição no Zimbábue
Por Maria do Rosário Caetano
O cinema social e político, em fina sintonia com os grandes problemas de nosso tempo, foi o grande vencedor da vigésima-sexta edição do Festival de Documentários É Tudo Verdade.
O grande vencedor da competição brasileira foi “Os Arrependidos”, de Ricardo Calil e Armando Antenore, sobre jovens presos políticos que protagonizaram, na TV e durante o anos Médici, traumáticas retratações públicas.
“Presidente”, da dinamarquesa Camilla Nielsson, conquistou o prêmio de melhor documentário internacional. A cineasta nórdica traça complexa radiografia do processo eleitoral no país sul-africano, após deposição (pelos militares) de Roberto Mugabe, ditador que se eternizava no poder. Só que os fardados tomaram gosto pelo mando e resolveram usar de artimanhas e violência desabrida até serem “eleitos democraticamente”. A jovem oposição, liderada por Nelson Chamisa, advogado de 40 anos, foi escanteada pelo apoio explícito das forças armadas e conivência judiciária.
Como melhor curta-metragem brasileiro, o júri escolheu o belíssimo “Yaõkwa: Imagem e Memória”, que traz a assinatura de Vincent Carelli, alma do projeto Vídeo nas Aldeias, e de sua filha, a atriz Rita Carelli. A dupla revisita imagens guardadas nos acervos do coletivo pernambucano e as projeta nas aldeias onde foram registradas. O que se vê é puro encantamento: dos indígenas, que reencontram antepassados, cantos e costumes, e do público. Uma pequena obra-prima, reconhecida, também, pela comissão julgadora do Canal Brasil.
O júri brasileiro (Sandra Kogut, Daniel Solá e Eduardo Morettin), que esse ano fez a coisa certa (ao contrário do ano passado, quando dois grandes filmes – “Segredos de Putumayo”, de Aurélio Michiles, e “Fico te Devendo uma Carta sobre o Brasil”, de Carol Benjamin – foram preteridos), ainda teve olhos para valorizar “Ser Feliz no Vão”, de Lucas H. Rossi, poema visual de rara força política, sobre discriminação e violência histórica contra corpos negros.
O júri internacional (Julia Bacha, Pierre-Alexis Chevit e Ehsan Khoshbakh) também brilhou. “Presidente” não é apenas um filme de denúncia política. Sua elaborada carpintaria e o longo acompanhamento do processo eleitoral no Zimbábue mostram que Camilla Nielsson não era uma observadora qualquer. Ela conseguiu mostrar, sem nenhum panfletarismo, a “astúcia dos lobos”, na precisa (e sintética) definição do crítico Paulo Lima.
O Prêmio Especial do Júri para o argentino “Vicenta”, de Dario Doria, reconhece o fértil diálogo que o cinema documental vem mantendo com o cinema de animação. O realizador argentino tinha tema espinhoso para narrar: a luta de uma mãe pelo direito de realizar, na rede médica, o aborto de filha com problemas cogitivos-mentais. A história foi contada com bonecos de massinha, resultando em obra respeitosa e potente. Como bem lembrou o júri, “Vicenta” revelou sintonia fina com a luta das mulheres argentinas, vitoriosas no momento em que conseguiram, do Parlamento, a aprovação do direito ao aborto.
Confira os vencedores:
. “Os Arrependidos” (São Paulo), de Ricardo Calil e Armando Antenore – melhor longa brasileiro
. “Presidente” (Dinamarca), de Camilla Nielsson – melhor longa internacional
. “Yaõkwa: Imagem e Memória”, de Rita e Vincent Carelli (Pernambuco) – melhor curta-metragem brasileiro. Prêmio Canal Brasil. Prêmio Mystica
. “A Montanha Lembra” (Argentina/México), de Delfina Carlota Vásquez – melhor curta internacional
. “A Máquina do Desejo – Os 60 Anos do Teatro Oficina” (SP), de Joaquim Castro e Lucas Weglinski – Prêmio Especial do Júri. Prêmio EDT de melhor montagem (para Castro & Weglinski)
. “Vicenta”, de Darío Doria (Argentina) – Prêmio Especial do Júri (melhor longa)
. “Ser Feliz no Vão” (RJ), de Lucas H. Rossi – Prêmio Especial do Júri, Prêmio EDT (melhor montagem/curta: Lucas H. Rossi)