Amigas de Sorte

Por Maria do Rosário Caetano

A produtora Tatiana Quintella convocou time estrelado de atores (Arlete Salles, Suzana Vieira, Rosi Campos, Otávio Augusto), técnicos dos mais respeitados (Pedro Farkas para a fotografia, o casal Fernanda Young e Alexandre Machado, para gerar o argumento, e Lusa Silvestre para o roteiro). Convocou, também, como parceiros de peso na produção, a Globo Filmes e a distribuidora Downtown.

O resultado de seu empreendimento – o filme “Amigas de Sorte” – chega, nessa segunda-feira, 17 de maio, ao streaming (Now, Sky, Vivo, Looke, i-Tunes e Google Play), antes de estrear nas salas (físicas) de cinema.

Além de nomes famosos das telenovelas, de técnicos de alto gabarito e dos parceiros peso-pesado, Tatiana – uma das criadoras do efêmero, mas importante, Polo de Cinema de Paulínia – desenhou seu projeto com assumido DNA comercial. Ou seja, de olho no diálogo com o grande público.

O gênero escolhido foi a comédia feminina, protagonizada por três coroas embrulhadas em figurinos e adereços de luxo. E empenhadas em curtir a vida em cenários paradisíacos. No caso, o estrelado Hotel Conrad, dotado de cassino, spa, discothèque e inumeráveis confortos. Quem conhece o aprazível balneário de Punta del Este, sabe que o mais famoso de seus hotéis destina-se a endinheirados amantes de jogos de azar, de pesca submarina e de belezas naturais). Uma diária pode custar R$15 mil.

Se fosse uma comédia em franco diálogo com a chanchada dos anos de ouro, os protagonistas brasileiros (no caso as três brasileiras) seriam pobretões que, graças ao acaso, iriam hospedar-se em hotel de alto luxo. E ali cometeriam mil (e engraçadas) gafes. Esse não é o caso de Nelita (Susana Vieira), Nina (Arlete Salles) e Rita (Rosi Campos). Elas são mulheres de classe média e moram no Bixiga paulistano. Com a morte de uma amiga querida e inseparável, cumprem o período de luto e, com prêmio lotérico, resolvem empreender viagem, cujo destino só elas conhecem.

Amigas desde sempre, Nelita, Nina e Rita exercem seus ofícios de ganho certo (a primeira tem uma loja de antiguidades, a segunda, uma cantina italiana, e a terceira é professora aposentada). Elas desejam realizar, sem a companhia de maridos, filhos ou sobrinhos, um passeio de sonho. Como podem entrar em território uruguaio só com a carteira de identidade, elas escolhem Punta del Este e hospedam-se em seu principal e mais caro hotel.

Para a direção de “Amigas de Sorte”, Tatiana Quintella mobilizou o cineasta e roteirista Homero Olivetto, de 48 anos, um misturador de gêneros, que já prepara nova comédia (“Hermanoteu”). Um dos roteiristas de “Bruna Surfistinha”, Homero chamou atenção ao estrear na direção do longa-metragem com “Reza a Lenda” (2016), híbrido de ação e drama social, temperado com doses estilizadas e tardias do nordestern (o western cangaceiro).

O argumento de “Amigas de Sorte” traz em seu DNA a irreverência do casal Alexandre Machado e Fernanda Young. A escritora e roteirista da bem-sucedida série “Os Normais” morreu aos 49 anos, dois anos atrás. O filme das três coroas descoladas é dedicado a ela.

Lusa Silvestre, roteirista do engenhoso “Estômago” (Marcos Jorge, 2007), dessa vez urde script menos inspirado. É verdade que a trama traz alguns bons momentos. Pena que recorra, excessivamente aos clichês de filmes protagonizados por mulheres já entradas nos anos (e cheias de energia para gastar).

Todo mundo sabe que o público “comum” adora cenários chiques ou exóticos, figurinos e joias caríssimas, tramas que não exijam grandes esforços intelectuais. Gosta também de piadas de duplo sentido. O filme atende a todos esses requisitos. E comete incongruências inacreditáveis. As três coroas, já septuagenárias, arriscam-se num passeio praieiro na van de um desconhecido, que cobra 15 dólares por cabeça, para não gastar 20 dólares no passeio credenciado pelo hotel. O dinheiro de que dispõem dá para temporada de muito conforto. Não mais que isso. Onde – somos obrigados a perguntar – encontraram dinheiro para tantos e tão caros vestidos e joias?

O filme, que tem Luana Piovani na pele de uma “delegata” uruguaia, está mais interessado em provocar riso fácil, que na elaboração de sua trama. Ou seja, está distante de comédias saborosas como as de Billy Wilder, Dino Risi, Mario Monicelli ou Woody Allen, para ficar em exemplos canônicos. A parte da trama que envolve a “delegata” tem a profundidade de um pires. E resolve-se apelando para saída metalinguística das mais fáceis.

Em seus poucos, mas bons momentos, o filme brinca com a maconha legalizada durante o segundo Governo de Pepe Mujica, e com o próprio nome do ex-presidente socialista (presidente “larica” ou “murrica”). Suzana Vieira está over, mas convence como fogosa setentona, louca por parceiros jovens (dado, digamos, autobiográfico). Arlete Salles domina bem o tempo da comédia. Mas quem consegue dar alguma humanidade a seu papel é Rosi Campos.

As três coroas têm seu melhor momento na alfândega do aeroporto uruguaio, quando são obrigadas a identificar o conteúdo de dezenas de frascos, recheados de pílulas, que brotam como gremlins de suas frasqueiras. Como diz o senso comum, a terceira idade é a “época do Condor”. Com dor em todos os órgãos, já consumidos pelo passar dos anos.

“Amigas de Sorte” foi concebido como uma comédia feminina e politicamente correta. Comete pequenos deslizes, mas no final tudo se acerta. As três protagonistas reinam soberanas e ocupam todos os espaços. Nesse sentido, o filme passa fácil pelo Teste Bechdel, aquele que avalia se personagens femininas são (ou não) meras escadas para personagens masculinos, se têm nome-identidade, se versam sobre assuntos que dizem respeito à vida delas próprias e não estão em sôfrega busca de homens.

No roteiro de Lusa Silvestre, os personagens masculinos são meros coadjuvantes. Caso, até, do grande Otávio Augusto, outro ator capaz de dominar o tempo exato da comédia. São secundárias as participações de Júlio Rocha, Bruno Fagundes e do uruguaio Néstor Guzzini. Só Klebber Toledo, a quem coube o papel do galã Gabriel, com quem a fogosa personagem de Susana Vieira irá se relacionar, tem algum destaque.

Quem acompanha o cinema hispano-americano, reconhecerá, na hora, o mendigo que irá ajudar as coroas brasileiras a comprar boa quantidade de marijuana. Ele passou pelo Festival de Gramado com o filme “Meu Mundial – Para Vencer Não Basta Jogar” (Carlos Andrés Morelli, 2018), que lhe rendeu o Kikito de melhor ator na mostra latina. Ele esteve, também, em filmes como “Gigante”, “Mr. Kaplan”, “Tanta Água” e no recente “Alelí”.

A fotografia de Pedro Farkas é das mais eficientes. Os pontos turísticos de Punta del Este, iluminados por ele, ficam ainda mais belos. E mais fashion. Esta, aliás, é uma exigência primordial de comédias concebidas para ser “chic”.

 

Amigas de Sorte
Brasil, 80 minutos, 2021
Direção: Homero Olivetto
Roteiro: Lusa Silvestre
Fotografia: Pedro Farkas
Produção: Tatiana Quintella (Popcon)
Elenco: Arlete Salles, Susana Vieira, Rosi Campos, Otávio Augusto, Klebber Toledo, Luana Piovanni, Júlio Rocha, Néstor Guzzini e Bruno Fagundes
Distruibuição: Bruno Wainer (Downtown)
Onde: Now, Sky, Vivo, Looke, i-Tunes e Google Play

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