Mostra de Ouro Preto homenageia Chico Diaz

Por Maria do Rosário Caetano

A CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto realiza sua décima-sexta edição, a segunda em formato virtual, a partir dessa quarta-feira, 23, até segunda-feira, 28 de junho.

O público de todas as regiões do país poderá assistir, gratuitamente, a 118 filmes e significativa quantidade de palestras, oficinas, seminários e masterclasses com convidados nacionais e internacionais, além de shows musicais (destaque para Zélia Duncan e Maurízio “Narradores de Javé” Tizumba) e espetáculo teatral (“A Lua Vem da Ásia”, de Campos de Carvalho), protagonizado por Chico Diaz. O ator carioca, nascido no México, é o homenageado da CineOP 2021.

Quem quiser acompanhar alguns dos momentos mais luminosos da trajetória de Diaz, um dos grandes talentos de nosso cinema, teatro e TV, poderá assistir a seis dos muitos longas-metragens que o tiveram em seus elencos. Um dos primeiros – “A Cor do seu Destino” (Jorge Durán, Brasil-Chile, 1986) – o tem na pele de um militante político latino-americano evocado pelo irmão mais novo (Guilherme Fontes). O filme foi o grande vencedor do Festival de Brasília e vai dizer muito às plateias contemporâneas, devido ao momento dramático que o país atravessa.

Realizado dez anos depois de “A Cor do seu Destino”, o nordestern “Corisco & Dadá (Rosemberg Cariry, Ceará, 1996), nos traz Chico Diaz incorporando o cangaceiro Cristino Gomes da Silva Cleto (1907-1940), do bando de Lampião, ao lado de sua Dadá (Dira Paes).

No ano seguinte, Chico estaria na fronteira do Brasil matogrossense com seus vizinhos hispânicos, brilhando como um dos nomes de elenco vigoroso e coral. Seu personagem, de nome Múcio, é um homem cultivado na violência dos matadores de aluguel. Um filme notável, cheio de testosterona, bem ao gosto de sua origem literária, a obra do escritor Marçal Aquino.

De volta ao cinema nordestino – no pernambucano “Amarelo Manga” (Cláudio Assis, 2003) – Chico Diaz iria incorporar o açougueiro Wellinton, casado com uma evangélica puritana (Dira Paes), mas que mantém uma amante (Magdale Alves). Por causa desse triângulo amoroso, uma nova mulher nascerá, sob alcunha almodovariana, Kika Canibal. O mais fascinante dos filmes de Cláudio Assis. E o mais popular (sua maior bilheteria – 150 mil espectadores).

Em 2008, Chico Diaz iniciou frutífera parceria com Vinícius Reis, em “Praça Saenz Peña”, um filme em tom menor, delicado e sensível. O ator construiu, em conversa muito livre com o compositor tijucano Aldir Blanc, um momento de grande beleza, desses que guardamos, prazerosamente, conosco. Aliás, é sob a direção de Vinícius Reis, que Chico realizou seu mais novo longa-metragem, o aguardado “Homem Onça”, exibido em festival de arte na Ásia com o nome de “Jaguar Man”.

“O Ano da Morte de Ricardo Reis” (João Botelho, 2021), outro longa inédito no circuito comercial (só foi exibido na Mostra SP), levou o ator a Portugal. O filme evoca dois dos mais festejados escritores lusitanos, o poeta Fernando Pessoa e o ficcionista José Saramago. Ricardo Reis foi um dos heterônimos de Pessoa. E Saramago fez dele o protagonista de romance escrito em 1984. E por que João Botelho veio buscar no Brasil, país de falar descansado, o principal ator de seu elenco?

Muito simples. Ao compor o retrato espiritual-existencial de um de seus quatro heterônimos mais conhecidos, Fernando Pessoa deu-lhe um destino – o exílio voluntário no Brasil, país onde viveu por largos anos. Lembremos que Chico Diaz é ator dos mais viajados. Já filmou, também, em África, no delicioso “O Testamento do Sr. Napumoceno” (Francisco Manso, 1998), ao lado de poderoso elenco, no qual não se pode esquecer a cantora caboverdiana Cesária Évora.

Há muitas pérolas entre os 118 filmes programados pela CineOP 2021. Uma delas vem do Chile, está na Mostra Cinema e Educação e dura apenas 56 minutos: “Cem Meninos Esperando um Trem”. Seu autor é o grande documentarista sul-americano Ignácio Aguero, de 69 anos. Quem conhece os filmes “El Viento Sabe que Vuelvo a Casa”, “O Diário de Agustin” e “O que me Motiva” (1 e 2), sabe que Aguero faz jus à grande tradição documentarista de seu país, responsável pela projeção internacional de Patricio Guzmán.

“Cien Niños Esperando un Tren” foi realizado em 1988 e consagrado com o Gran Coral Negro no Festival do Novo Cinema Latino-Americano de Havana. Tornou-se, dali em diante, um cult entre cinéfilos e professores. E por que?

Por aproximar crianças e o aprendizado cinematográfico, sem didatismo e paternalismo, mas com muita alegria. A professora Alicia Vega decide realizar “taller de cine” (uma oficina cinematográfica) com uma centena de meninos oriundos de Lo Hermina, periferia de Santiago, capital chilena. Agarotada constrói, como se participasse de um jogo, o instrumental originário da história do cinema (ganha força a metáfora do trem registrado pelos irmãos Lumière).

Taumatropo, zootropo e outros equipamentos primitivos nascem no imaginário e mãos da garotada, que registra tudo que deseja em “fotogramas de papel”. Com a “película” pronta, os cem meninos a exibem em forma de “cuncuna” (brincadeira chilena, que evolui com forma elástica de uma taturana) à população. Depois, eles irão ao centro da cidade para assistir, pela primeira vez, a uma película impressa no celulóide.

Outros ótimos filmes estão na Mostra Contemporanêa. Vale destacar três deles – “O Amor Dentro da Câmera”, das baianas Jamille Fortunato e Lara Beck Belov, sobre a história de amor e vida do cineasta Orlando Senna ao lado da atriz Conceição Senna, o paulistano “A Máquina do Desejo. 60 Anos do Teatro Oficina”, de Joaquim Castro e Lucas Weglinski, que narra com vigor e paixão a história do grupo teatral do octogenário Zé Celso Martinez Corrêa, e “Golpe de Ouro”, do brasileiro radicado em Nova York, Chaim Litewski. Este filme, do diretor do poderoso “Cidadão Boilesen”, recorre a arquivos para contar a inacreditável história da campanha “Ouro pelo Brasil”. Tudo aconteceu nos primeiros anos do triunfo do Golpe Militar de 1964. Não é exagero definir o filme como “uma comédia histórica”. O cineasta e sua equipe não se inibem em hibridizar seu longa documental com recursos da ficção. No que fazem muito bem.

Registre-se, aqui, que a curadoria do festival, coordenada por Cleber Eduardo e Francis Vogner, acertou em cheio ao programar, também, o curta “Ouro para o Bem do Brasil”, do carioca Gregory Baltz. Ele elabora o mesmo tema. Os dois documentários se complementam de forma muito enriquecedora.

Como bem lembra a diretora geral da CineOP, Raquel Hallack, a Mostra tem na memória (preservação de arquivos) e na educação audiovisual os seus principais focos. Por isso, procura refletir, nesses tempos de pandemia, sobre importantes aspectos de nossa produção audiovisual e sobre o papel da educação. O faz reconstituindo a trajetória da preservação do analógico ao digital, suporte de tempos presentes.

Sob tais pressupostos, a Mostra de Cinema de Ouro Preto traz em seu segmento histórico, títulos representativos da década de 1990, que poderão ser vistos ou revistos e, assim, reconfigurados para os tempos de agora. A seleção é das mais instigantes. A começar por “Carmen Miranda: Banana is my Business” (Helena Solberg) e “Lamarca” (Sérgio Rezende), ambos de 1994, seguidos de “Carlota Joaquina – Princesa do Brazil” (Carla Camurati, 1995), sucesso de público e filme inaugural do ciclo da Retomada (1995-2003), “O Mandarim” (Julio Bressane, 1995), “Baile Perfumado” (Lírio Ferreira e Paulo Caldas, 1996), “Tudo é Brasil” (Rogério Sganzerla, 1998) e “Amélia” (Ana Carolina, 2000).

No mesmo núcleo histórico, o que evidencia o enorme interesse da CineOP em abrir espaço para filmes que têm os afro-brasileiros e os ameríndios como foco, há que se destacar o obrigatório “A Negação do Brasil” (Joel Zito Araújo, 2000), “Yndio do Brasil” (Sylvio Back, 1995) e “Brava Gente Brasileira” (Lúcia Murat, 2000).

E há, não se pode esquecer, grande seleção de filmes de curta e média-metragem. Estes dois formatos estão espalhados pelos diversos segmentos da CineOP.

E já que a pandemia impede o reencontro in loco com as belezas arquitetônicas e culturais de Ouro Preto, uma boa opção é visitar exposição digital de fotos feitas por moradores da cidade e somadas ao rico acervo da Universo Produção, responsável também pelas mostras de Tiradentes (na região do ouro) e BH, a capital mineira. As imagens estão disponibilizadas no site da CineOP.

 

XVI CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto
Data: 23 a 28 de junho, on-line, com acesso gratuito
Com exibição de 118 filmes de longa, média e curta-metragem, “lives” musicais e “lives” reflexivas, oficinas, masterclasses internacionais e debates temáticos
Programação completa: www.cineop.com.br

EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA VIRTUAL “Meu Cartão Postal de Ouro Preto”
Esta mostra traz para o ambiente on-line as belezas da cidade barroca mineira ao reunir fotos que traduzem os olhares de seus habitantes sobre aspectos culturais, sociais, patrimoniais e arquitetônicos. O público poderá ver as imagens em galeria digital no site oficial do festival, www.cineop.com.br

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