Paulo Thiago, cineasta e produtor mineiro, morre aos 75 anos
Por Maria do Rosário Caetano
Na juventude, o mineiro Paulo Thiago, que morreu na madrugada desse sábado, 5 de junho, aos 75 anos – sentiu sua vocação artística. Pensou em ser escritor, compositor ou cineasta. Acabou, em alguma medida, exercendo os três ofícios, mas o cinema foi o que lhe deu régua e compasso. Dirigiu 16 longas-metragens, ficcionais e documentais, cinco curtas e produziu filmes de amigos como David Neves (“Fulaninha”), Oswaldo Caldeira (“Muda Brasil” e “O Bom Burguês”), Tizuka Yamasaki (“Aparecida, o Milagre”), Paulo Sérgio Almeida (“Beijo na Boca”) e o rodriguaino “Engraçadinha”, de Haroldo Marinho Barbosa.
Filho de família de posses do interior de Minas (nasceu em Aimorés, em 1945), frequentou boas escolas, leu muito e fez seus estudos superiores na PUC-Rio. Radicou-se, ainda menino, na capital fluminense. Em suas buscas artísticas, foi aluno de Roberto Menescal, violonista e compositor e, por causa dele, aproximou-se da turma da Bossa Nova. Participou, ainda, do encontro da música universitária com os sambistas do morro, ao assinar, com Zé Keti e Sidney Miller, a música “Queixa”, terceira classificada no Festival da Canção (TV Record, 1965).
Para mostrar seu amor pela música e pelo teatro dos anos 1960, realizou dois longas documentais de boa qualidade: “Coisa Mais Linda: Histórias e Casos da Bossa Nova” (2005) e “Memórias do Grupo Opinião” (2019), dando ao show protagonizado por Nara Leão (substituída por Bethânia), Zé Keti e João do Vale, o destaque merecido.
Curioso notar que Paulo Thiago, durante seus estudos universitários, graduou-se em cursos aparantentente antagônios – Economia e Sociologia Política. Sua trajetória no cinema mostra que ele soube aproveitar e somar as duas áreas de conhecimento. E que tais escolhas condicionaram sua trajetória profissional. Se ele quis fazer retratos do Brasil (dos senhores de terra, do jogo do bicho etc.), ele quis, também, ser um produtor respeitado. Além de produzir os próprios filmes (em parceria com a companheira, Gláucia Camargos), Paulo Thiago produziu filmes de outros diretores. E até presidiu o Sindicato da Indústria Cinematográfica e Audiovisual do Rio de Janeiro (Sicav) e da Associação Brasileira de Produtores Cinematográficos.
A estreia de Paulo Thiago na direção se deu com o alegórico “Senhores da Terra” (1970), que ele filmou em sua cidade natal, Aimorés. O filme ganhou o Prêmio Fipresci (Crítica Internacional), mas não alcançou maior repercussão no Brasil. E foi aí que Paulo Thiago mergulhou, para construir seus roteiros, em outra de suas paixões – a literatura. Quase todos os seus filmes são adaptações de romances, contos, poemas ou peças teatrais. O primeiro escritor que ele adaptou foi seu conterrâneo João Guimarães Rosa: o conto “O Duelo”, de “Sagarana”. Depois, o paraibano José Américo de Almeida, em “Soledade”, recriação de “A Bagaceira”.
Muitos outros textos literários nutririam seus filmes: “Jorge, um Brasileiro”, romance estradeiro de seu conterrâneo Oswaldo França Jr, “Vagas para Moças de Fino Trato”, a partir de peça do também mineiro Alcione Araújo, e – claro – o mineiro dos mineiros, Carlos Drummond de Andrade, homenageado com recriação ficcional do poema “O Vestido” e tema do longa documental “O Poeta de Sete Faces”.
Antes de Drummond, Paulo Thiago realizou esperada adaptação de “O Triste Fim de Policarpo Quaresma”, o mais famoso dos romances de Lima Barreto. Para protagonizar a saga do nacionalista extremado que queria impor o tupi como língua oficial do país, Thiago convidou Paulo José. O grande ator ficou emocionado por poder interpretar dois grandes herois (ou anti-herois) da literatura brasileira: Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade, 1969), aquele que não tinha caráter, criação de Mário de Andrade, e Policarpo Quaresma, aquele que vivia cercado de certezas e se empenhava em dar um jeito (a seu modo) no Brasil. O filme que prestou tributo a Lima Barreto ficou aquém do que os fãs do escritor carioca esperavam, mas Paulo José deu vida, com seu imenso talento, a um personagem fascinante.
Para muitos, Paulo Thiago foi apenas um artesão, que não deixou nenhum grande filme. Seu sonho de realizar produções de qualidade e, ao mesmo tempo, capazes de dialogar com o grande público, não deu certo. Só um de seus longas-metragens manteve bom diálogo com o público: “Jorge, um Brasileiro”. O filme, protagonizado por Carlos Alberto Ricelli, vendeu quase um milhão de ingressos. “Águia na Cabeça”, com Jece Valadão na pele de um bicheiro, também atingiu parcela a se notar do do público. Os outros ficaram à deriva. E um deles constituiu-se num dos maiores – senão o maior – fracassos da história do cinema brasileiro: o destrambelhado “Batalha de Guararapes”. Concebido com retaguarda de Gustavo Dahl, o então estrategista da Sucom (Superintendência de Comercialização da Embrafilme), o épico bélico de Thiago foi lançado com centenas de cópias. Fracassou de forma tão fragorosa, que – comentava-se – não deu para pagar nem os cartazes (imagine as cópias em película 35 milímetros!). Descobrir quantos brasileiros pagaram para ver “Batalha de Guararapes” constituti um dos maiores desafios (mistérios da história do cinema brasileiro).
Paulo Thiago, que na maturidade dedicou-se, também, à literatura (não como adaptador cinematográfico, mas como escritor), lançou um livro – “Cassino de Sevilha”. Sua estreia tardia no mundo das letras vinha, segundo ele, de conselho de Antonio Callado. O autor de “Quarup” entendia que literatura era arte a ser praticada depois dos 40. Thiago esperou os 50 anos.
Duas histórias, além do fracasso do magalomaníaco “Batalha de Guararapes”, acompanhavam a trajetória de Paulo Thiago. Uma tinha a ver com as filmagens de “Soledade”, protagonizado por Rejane Medeiros, na Paraíba. Dizia-se que, por capricho, ele mandara cortar imensa árvore, motivo de muita estima no lugarejo. A outra situava-se no campo da maldade: se Thiago filmasse tão bem quanto articulava ideias, todos seus filmes seriam obras-primas. Uma variante de frase atribuída à turma do Pasquim: “cineasta brasileiro dá ótimas entrevistas, mas faz péssimos filmes”.
Conversar com Paulo Thaigo era realmente um prazer. Educado e muito culto, ele discorria sobre temas ligados à criação cinematográfica e à vida brasileira com sólida argumentação. Certa vez, em conversa que mantivemos, num festival, ele reclamou que os jornalistas brasileiros só se ocupavam de uns poucos cineastas, rodando em círculo e deixando de conhecer a obra de todos que lutavam pela implantação de uma indústria cinematográfica no Brasil. Contra-argumentei que os jornalistas davam espaço aos cineastas com obras reconhecidas em festivais nacionais e internacionais, que dirigiam filmes de empenho artístico-autoral etc.
Educadamente ele suspirou e disse: “Tudo começou com o livro ‘Brasil em Tempo de Cinema’, do Jean-Claude Bernardet (1967). Quem não entrou naquele livro, uma verdadeira bíblia, teve dificuldade de destacar-se com seus filmes”. Estávamos no final da década de 1980. Em curto prazo, o cinema brasileiro veria suas instituições de fomento à produção desbaratadas pelo Governo Collor. Paulo Thiago iria bater às portas do Polo de Cinema Capixaba, em Vitória, onde faria, com baixo orçamento, “Vagas para Moças de Fino Trato”. Com a primavera dos anos FHC e Lula, ele realizaria, ainda, muitos filmes. Mas nenhum deles conquistaria o público que ele tanto buscava. A crítica, apesar do Prêmio Fispresci de “O Senhores da Terra”, nunca o teve como um cineasta da grandeza dos que povoaram “Brasil em Tempo de Cinema”, nem de talentos que brotariam, depois, no Rio Grande do Sul, Pernambuco, Ceará e em suas Minas Gerais.
O cineasta e produtor mineiro-carioca morreu de parada cardíaca, em consequência de doença hematológica. Ele estava internado no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, desde o dia 7 de maio. Deixa, além da esposa Glaucia Camargos, os filhos Pedro Antonio, também cineasta (diretor de “Os Salafrários”, “Um Tio Quase Perfeito” e “Tô Rica 2”) e Paulo Francisco, músico.
FILMOGRAFIA
Paulo Thiago (Aimorés/MG, 8 de outubro de 1945)
2019 – “Memórias do Grupo Opinião” (doc)
2018 – “A Última Chance” (ficção)
2016 – “Doidas e Santas” (ficção)
2013 – “ Fábio Leão – Entre o Crime e o Ringue” (doc)
2008 – “Orquestra dos Meninos” (ficção)
2005 – “Coisa Mais Linda: Histórias e Casos da Bossa Nova” (doc)
2003 – “O Vestido” (Ficção)
2002 – “Poeta de Sete Faces” (doc)
1998 – “Policarpo Quaresma: Herói do Brasil” (ficção)
1993 – “Vagas para Moças de Fino Trato” (ficção)
1989 – “Jorge, um Brasileiro” (ficção)
1984 – “Águia na Cabeça” (ficção)
1978 – “A Batalha dos Guararapes” (ficção)
1976 – “Soledade” (ficção)
1974 – “Sagarana, o Duelo” (ficção)
1970 – “Os Senhores da Terra” (ficção)
Curtas-metragens:
1975 – “Museu do Ouro de Sabará”
1968 – “A Criação Literária de Guimarães Rosa” 1967 – “Memória e Ódio”
1965 – “O Homem na Praça”
1964 – “Baixada Fluminense”
Como produtor:
2010 – “Aparecida: O Milagre”, de Tizuka Yamasaki
1986 – “Fulaninha”, de David Neves
1985 – “Muda Brasil”, de Oswaldo Caldeira
1983 – “O Bom Burguês”, de Oswaldo Caldeira
1982 – “Beijo na Boca”, de Paulo Sérgio Almeida
1981 – “Engraçadinha”, de Haroldo Marinho Barbosa