Brasil emplaca indicações em três das principais categorias dos Prêmios Platino

Por Maria do Rosário Caetano

A atriz Regina Casé, por seu notável desempenho em “Três Verões”, de Sandra Kogut, vai disputar o prêmio Platino de melhor protagonista com a espanhola Candela Peña (“La Boda de Rosa”), a guatemalteca María Mercedes Coroy (“La Llorona”) e a argentina Valeria Lois (“Las Siamesas”). Suas chances de triunfo são significativas.

Outro nome brasileiro, também no feminino, o da cineasta estreante Bárbara Paz, está bem colocado na disputa pelo Platino de melhor documentário. Com o belo ensaio cinematográfico “Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou”, Bárbara revê a trajetória de seu companheiro, o cineasta argentino-brasileiro Hector Babenco (1946-2016). O filme causou sensação em Veneza e foi recebido com entusiasmo pela crítica.

Porém, outra mulher, a chilena Maite Alberdi, aparece como a pedra no caminho de Bárbara. Seu documentário “O Agente Duplo” (“El Agente Topo”) é a sensação latino-americana da temporada. Chegou, até, à condição de finalista ao Oscar. Há, ainda, dois concorrentes espanhois. Um, “Cartas Mojadas”, tem na direção outro nome feminino, o de Paula Palacios, e na produção a festejada Isabel Coixet. O outro, o longuíssimo “El Año del Descubrimiento”, de Luis López Carrasco (mais de três horas), venceu o Goya de melhor longa documental e melhor montagem (nessa categoria, derrotando obras ficcionais).

A animação é a outra categoria em que o Brasil marca presença. E na qual vem brilhando desde que, oito anos atrás, foi instituído o Prêmio Platino aos melhores do cinema ibero-americano. Em muitas edições o Brasil foi finalista e sagrou-se campeão uma vez com “O Menino e o Mundo” (Alê Abreu, 2015). O gaúcho Otto Guerra (“Até que a Sbórnia nos Separe” e “Cidade dos Piratas”) e o campineiro Wilson Lazaretti (“História Antes de uma História”) viram seus filmes entre os finalistas.

Este ano, o Brasil se faz representar por “O Pergaminho Vermelho”, de Nelson Botter Jr. O filme sustenta-se em narrativa convencional, na base da “jornada do heroi” (no caso, uma heroína, a pequena Nina). A garotinha irá se deparar com entidade misteriosa, que a levará a Tellurian, um mundo habitado por seres mágicos. Com ajuda de um pequeno grupo de heróis, ela terá que enfrentar vários desafios para derrotar o Lorde das Trevas, salvar o mundo e regressar ao seu lar terreno.

Como se vê, o longa animado de Botter Jr situa-se a quilômetros dos filmes transgressores de Otto Guerra, povoados por anti-herois nascidos dos desenhos de Adão Iturrusgarai (os cowboys gays), Angeli (Woody & Stocky, chegados em sexo, orégano e rock and roll) e Laerte (os piratas do Tietê e a própria e subversiva Laerte). Mesmo assim, “O Pergaminho Vermelho” chama atenção por seu desenho caprichado e pelo ritmo da narrativa. Enfrentará dois mexicanos (“El Camino de Xico”, de Eric Cabello, e “Un Disfraz para Nicolás”, de Eduardo Rivero). E um espanhol “La Gallina Turuleca”, de Eduardo Gondell e Víctor Monigote, vencedor do Goya.

“O Pergaminho Vermelho”, de Nelson Botter Jr.

Houve um ano em que o Brasil ficou de fora em todas as categorias dos Prêmios Platino. O que – registre-se – foi uma grande injustiça, pois havia “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert, premiado nos festivais Sundance e Berlim. Portanto, testado (e reconhecido) em festivais internacionais.

A Egeda e a Fipca, organismos que reúnem produtores ibero-americanos, cuidam da arrecadação de direitos autorais e comandam a festa platina, perceberam a falha e criaram categoria especial: Prêmio Platino para Melhor Filme em Educação e Valores. Ou seja, filmes interessados em promover os Direitos Humanos e a inclusão social. O vencedor foi justamente o vigoroso longa de Anna Muylaert. A estatueta foi entregue à atriz Karine Teles pela guatemalteca Rigoberta Menchu, Prêmio Nobel da Paz.

Este ano, o Brasil não está na categoria principal (melhor longa de ficção). Poderia estar, pois “Três Verões” merecia ocupar a vaga de “El Olvido que Seremos”, de Fernando Trueba. Este filme, uma coprodução colombiano-espanhola, foi escrito por David Trueba e dirigido por seu irmão, vencedor do Oscar estrangeiro com o belo “Sedução” (“Belle Époque”, 1993). Ambos espanhois. O longa dos irmãos Trueba já ganhou o Goya de melhor filme ibero-americano e, junto com o guatemalteco “La Llorona”, de Jairo “Ixcanul” Bustamanente, tornou-se o recordista de indicações ao Platino (cada um com onze).

“El Olvido que Seremos” não é mau filme. Tem qualidades, em especial seu protagonista, o espanhol (e almodovariano) Javier Cámara, que representa o médico sanitarista, professor universitário e político progressista Héctor Abad Gómez (1921-1987), assassinado por esquadrão da morte atuante em Medelín, a outrora conflagrada cidade colombiana. Mas o filme é por demais previsível e convencional. Está longe dos melhores momentos de Trueba. Ficaria muito bem (apenas) na categoria “Educação em Valores”.

Os três filmes que disputarão o principal Platino com “El Olvido que Seremos” são muito bons. Em especial o mexicano “Nuevo Orden”, de Michel Franco, e “La Llorona”, de Jairo Bustamante. O primeiro é um drama de ritmo alucinante, violento, como muitos filmes do México contemporâneo, premiado com o Leão de Prata, no Festival de Veneza de 2020.

Jairo Bustamante realiza, com “La Llorona”, poderosa soma de cinema político com cinema de horror. E o faz a partir de lenda recorrente no mundo hispânico e em sua Guatemala natal. Na trama, a história da mãe que chora a perda do filho. E os assassinatos de indígenas de origem Maya, empreendidos, no início da década de 1980, por uma das muitas ditaduras militares que atormentaram o país centro-americano.

“Las Niñas”, de Pilar Palomero, foi o grande vencedor dos Prêmios Goya, o Oscar espanhol. É um dos filmes com significativo número de indicações para a oitava cerimônia do Platino, que esse ano acontecerá em Madri. No Brasil, a cerimônia poderá ser assistida pelo Canal Brasil.

Há algum filme mais feminino que “Las Niñas” no Platino 2021? Não. Além da diretora, são mulheres a fotógrafa (a boliviana Daniela Cajías), a montadora (Sofia Escudè) e a diretora de arte (Mónica Bernuy). Pilar, que assina também o roteiro, evoca memórias dos tempos em que, adolescente, estudava num colégio de freiras. Outro ambiente essencialmente feminino, o que garante hegemonia total das mulheres à frente do elenco.

Curioso notar que 2020 foi o ano em que dois ótimos filmes mexicanos – “Nuevo Orden” e “Já Não Estou Aqui” – estiveram disputando prêmios. No Ariel, o Oscar mexicano, o diretor Fernando Frías de la Parra levou a melhor. Seu adrenalinado e contra-cultural “Ya no Estoy Aquí” ganhou os principais troféus. O filme de Michel Franco, laureado em Veneza, ficou a ver navios.

Agora, dá-se o oposto. “Nuevo Orden”, que abriu a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, ano passado, concorre a dois troféus Platino, ambos de ponta – melhor filme e melhor diretor. Para “Já Não Estou Aqui” sobraram duas categorias técnicas – melhor montagem (Yibrán Asuad e Frías de la Parra) e som (assinado por quatro profissionais – Umpierrez, Laguna, Agueh e Couttolen – essenciais num filme que tem a música e o estilo ‘kholombiano’ – mix de cúmbia com sonidera – como força motriz).

Será que este ano, finalmente, Javier Cámara, do belíssimo “Fale com Ela” (Almodóvar, 2002) vai conquistar o Platino de melhor ator? E justo na capital de seu país materno, Madri? Registre-se que, com simpatia ímpar, o ator de 54 anos, tem prestigiado as festas platinas, que são itinerantes e acontecem em cidades da Península Ibérica ou da América Latina.

Pode ser que tenha chegado a vez do talentoso ator. Mas ele terá um concorrente de peso pela proa – o chileno Alfredo Castro, excelente no papel de uma transexual metida com guerrilheiro anti-Pinochet, em tempos sombrios. A prova de que Castro é um astro notável está na tabela de finalistas. Ele concorre, também, a coadjuvante por seu desempenho em “O Príncipe”.

O colegiado que escolhe os finalistas ao Platino cometeu, na categoria melhor opera prima (filme de diretor estreante) – e não há aqui nenhuma patriotada – uma grande injustiça com o brasileiro “Pacarrete”, de Alan Deberton. O ótimo filme protagonizado por Marcélia Cartaxo, detentor de dezenas de prêmios e com boa circulação em festivais internacionais, foi ignorado em todas as categorias.

Os selecionados são o paraguaio “Matar a un Muerto”, de Hugo Giménez, que fez boa figura em Gramado, “Matar a Pinochet”, do chileno Juan Ignacio Sabatini (sobre atentado, frustrado, à vida do ditador Augusto Pinochet, empreendido por grupo guerrilheiro), “Canción Sin Nombre”, de Melina León, exibido com destaque e prêmios no Cine Ceará, e o onipresente “La Niñas”, da espanhola Pilar Palomero.

Na categoria melhor música original, um nome internacional: o do polonês Zbigniew Preisner, 66 anos, colaborador privilegiado de muitos filmes de Krzysztof Kieslowski. O compositor assina a trilha de “El Olvido que Seremos”. Para ganhar, terá que derrotar Pascual Reyes (com trabalho notável em “La Llorona”), Pauchi Sasaki (pelo peruano “Canción sin Nombre”) e Aranzazu Calleja e Maite Arroiutajauregi (pelo espanhol “Akelarre”).

8º Prêmios Platino do Cinema Ibero-Americano
Data: 3 de outubro
Local: Madri, na Espanha – Com transmissão da cerimônia de premiação pelo Canal Brasil
Promoção: Egeda (Entidad de Géstion de Derechos de los Productores Audiovisuales), Fipca (Federación Iberomamericana de Productores Cinematográficos y Audiovisuales) e o apoio das Academias e Institutos de Cine Ibero-americanos

 

OS FINALISTAS:

Melhor filme

. “Nuevo Orden”, de Michel Franco (México)
. “La Llorona”, de Jairo Bustamante (Guatemala)
. “Las Niñas”, de Pilar Palomero (Espanha)
. “El Olvido que Seremos”, de Fernando Trueba (Colômbia)

Melhor documentário

. “Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou”, de Bárbara Paz (Brasil)
. “O Agente Duplo”, de Maite Alberdi (Chile)
. “Cartas Mojadas”, de Paula Palacios (Espanha)
. “El Año del Descubrimiento”, de Luis López Carrasco (Espanha)

Melhor animação

. “O Pergaminho Vermelho”, de Nelson Botter Jr (Brasil)
. “La Gallina Turuleca”, de Eduardo Gondell e Víctor Monigote (Espanha)
. “El Camino de Xico”, de Eric Cabello (México)
. “Un Disfraz para Nicolás”, de Eduardo Rivero (México)

Melhor opera prima (filme de estreante)

. “Canción Sin Nombre”, de Melina León (Peru)
. “Matar a un Muerto”, de Hugo Giménez (Paraguai)
. “Matar a Pinochet”, de Juan Ignacio Sabatini (Chile)
. “La Niñas”, de Pilar Palomero (Espanha)

Melhor direção

. Michel Franco (Nuevo Orden)
. Icíar Bollaín (La Boda de Rosa)
. Jayro Bustamante (La Llorona)
. Fernando Trueba (El Olvido que Seremos)

Melhor atriz

. Regina Casé (Três Verões) – Brasil
. Candela Peña (La Boda de Rosa) – Espanha
. María Mercedes Coroy (La Llorona)- Guatemala
. Valeria Lois (Las Siamesas) – Argentina

Melhor ator

. Alfredo Castro (Tengo Miedo Torero) – Chile
Javier Cámara (El Olvido que Seremos) – Colômbia
. Diego Peretti (El Robo del Siglo) – Argentina
. Miguel Ángel Solá (Crímenes de Familia) – Argentina

Melhor atriz coadjuvante

. Kami Zea (El Olvido que Seremos)
. Nathalie Poza (La Boda de Rosa)
. Sabrina de la Hoz (La Llorona)
. Yanina Ávila (Crímenes de Familia)

Melhor ator coadjuvante

. Alfredo Castro (El Príncipe)
. Diego Boneta (Nova Ordem)
. Jorge Román (Matar a un Muerto)
. Julio Díaz (La llorona)

Platino ao melhor filme (Educação em Valores)

. “O Agente Secreto” (Chile)
. “Adu” (Espanha)
. “Nuestras Madres” (Guatemala)
. “El Olvido que Seremos” (Colômbia)

Melhor roteiro

. Pilar Palomero (Las Niñas)
. Jairo Bustamante e Lisandro Sanchez (La Llorona)
. David Trueba (El Olvido que Seremos)
. Sebastián Schindel e Pablo del Teso (Crímenes de Família)

Melhor fotografia

. Nicolás Wong (La Llorona)
. Javier Aguirre Erauso (Akelare)
. Daniela Cajías (Las Niñas)
. Sergio Castaño (El Olvido que Seremos)

Melhor montagem

. Yibrán Asuad e Fernando Frías de la Parra (Ya no Estoy Aquí)
. Sofía Escudé (La Niñas)
. Marta Velasco (El Olvido que Seremos)
. Gustavo Matheu e Jairo Bustamante (La Llorona)

Melhor música

. Zbigniew Preisner (El Olvido que Seremos)
. Pauchi Sasaki (Canción sin Nombre)
. Pascual Reyes (La Llorona)
. Aranzazu Calleja e Maite Arroiutajauregi (Akelarre)

Melhor direção de arte

. Mónica Bernuy (La Niñas)
. Sebastián Muñoz (La Llorona)
. Mikel Serrano (Akelarre)
. Diego López (El Olvido que Seremos)

Melhor som

. Umpierrez, Laguna, Agueh e Couttolen (Ya no Estoy Aquí)
. Eduardo Cáceres (La Llorona)
. Garai, Rodriguez, Hamelin e Loredo (Akelarre)
. Eduardo Castro e Otavio Rojas (El Olvido que Seremos)

 

TELEVISÃO

Melhor minissérie

. Alguien Tiene que Morir (México)
. Antidisturbios (Espanha)
. El Robo del Siglo (Colômbia)
. Patria (Espanha)

Melhor atriz em minissérie 

. Cecilia Suárez (La Casa de las Flores)
. Elena Irureta (Patria) – Espanha
. Inma Cuesta (El Desorden que Dejas)
. Marcela Benjumea (El Robo del Siglo)

Melhor ator em minissérie

. Álvaro Morte (La Casa de Papel)
. Andrés Parra (El Robo del Siglo)
. Eduard Fernández (30 Monedas)
. Alejandro Speitzer (Alguien Tiene que Morir)

Melhor criador de minissérie ou telessérie

. Alex de la Iglesia (30 Monedas) – Espanha
. Aitor Gabilondo (Patria) – Espanha
. Alex Pina (La Casa de Papel) – Espanha
. Rodrigo Sorogoyen e Isabel Peña (Antidisturbios) – Espanha

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