Onze boas opções no streaming

Por Maria do Rosário Caetano

O mexicano “Já Não Estou Aqui” e o chileno “Pacto de Fuga” constituem boas opções para quem quiser ver filmes latino-americanos inéditos em nossos cinemas, mas disponibilizados nos serviços de streaming. O primeiro, dirigido por Fernando Frías de la Parra, está disponível na Netflix, e o segundo, de David Albala, no Amazon Prime.

“Ya no Estoy Aqui” (muitos serviços de streaming têm preferido trabalhar com nomes originais) é recomendado a quem gosta de filmes ousados, protagonizados por pessoas incomuns e que transgridem a narrativa tradicional do cinema.

Já “Pacto de Fuga”, um filme de gramática mais decifrável, filia-se a uma das mais tradicionais vertentes do cinema de suspense – a dos presidiários que cavam túneis para fugir de longas sentenças de reclusão.

Quem gostou do uruguaio “A Noite de 12 Anos”, sobre período durante o qual o tupamaro José Mujica, mais tarde presidente da República, e dois colegas, Eleutério e Rosencof, também tupamaros, permaneceram encarcerados, pode gostar de “Pacto de Fuga”. Registre-se que Mujica e colegas não cavaram túnel para evadir da prisão. E que o filme de Alvaro Brechner é bem melhor que o de seu colega chileno. O que não quer dizer que este seja desprezível.

“Ya no Estoy Aqui”, além de ter causado grande impacto no México junto a festivais, à crítica e ao público, ainda conseguiu, meses atrás, vaga entre os 15 semifinalistas ao Oscar de melhor longa internacional (não entrando, porém, na lista dos cinco selecionados).

Frías de la Parra, de 42 anos, construiu um drama social, banhado em música e dança. E foi capaz – algo raro no cinema de seu país – de realizar um filme que envolve a violência das pandillas (gangues), mas sem apelar ao brutalismo.

O que parece fascinar o cineasta são os desejos e sonhos de adolescentes da periferia mexicana – nada convencionais, registre-se – pela cúmbia e, em consequência, pelo estilo de vida “kholombiano”.

E que estilo é esse para despertar tamanha paixão e devoção?

É algo típico e cultuado por fração de moradores de Monterrey, que retrabalha a cúmbia colombiana, mesclando – e ralentando – seu ritmo caliente ao estilo sonidero, este, mexicano em essência.

Os praticantes do estilo “kholombiano” são jovens que assumem postura ostensivamente contra a corrente. São devotos de estranhíssimos cortes de cabelo, roupas larguíssimas e adoram dançar. Dançam agrupados, sempre no embalo da mesclada cúmbia-sonidera.

O protagonista, Ulises (Juan Daniel García Treviño), vive em Monterrey, integrado a um grupo, os Terkos, que em nada lembram mauricinhos de classe média ou abastada. Um dia, algo terrível acontecerá em seu bairro e o obrigará a fugir de seu país, de sua cidade, de seus amigos.

O adolescente buscará abrigo nos EUA. Irá viver como ilegal (portanto, sem documentos) em Nova York. Ao chegar ao Queens, à comunidade de Jackson Heights, Ulises se sentirá um desterrado. As pessoas se espantam com seu estranho corte de cabelo e ninguém está especialmente interessado pela cúmbia-sonidera. Só uma jovem, filha de um oriental, dono de uma mercearia, demonstrará algum interesse pelo rapaz.

Fernando Frías constroi seu filme com pegada documental, sem abrir mão do onírico. Ao não precisar em que espaço físico estão os personagens, seus flashbacks parecem sonhos. Só no final montaremos o verdadeiro (e inventivo) quebra-cabeça narrativo que ele engendrou. As elipses espaciais e temporais estimularão nossos sentidos. Um filme que merece ser visto (e revisto).

“Pacto de Fuga” dura mais de duas horas. Tempo largo que passa rápido pela tela devido ao estilo nervoso e à narrativa entre o clássico e o convencional. Estamos na capital chilena, no final da década de 1980. Centenas de presos políticos estão encarcerados pela ditadura implantada por golpe militar que depôs (e levou à morte) o presidente Salvador Allende.

Um atentado, ocorrido em setembro de 1986 e comandado pela Frente Patriótica Manuel Rodriguez, havia tentado eliminar o ditador Augusto Pinochet, que regressava de sua casa de campo, na região de Las Achupallas, a 40 km de Santiago. Mas fracassara.

Na Prisão Central de Santiago, um grupo de presos políticos decide cavar um túnel para fugir do cumprimento de longas sentenças. Embora a ditadura Pinochet já apresentasse sinais de desgaste, as prisões seguiam atulhadas e a pena de morte pesava sobre o destino de muitos dos encarcerados.

Durante 18 meses (um ano e meio!), um grupo de mais de 100 presos cavou imenso túnel, montando “engenharia” de grande precisão, mas sob riscos incalculáveis. Imensas quantidades de terra foram carregadas para a parte alta do teto da enorme edificação penitenciária.

O fato, que se verificou na história real da esquerda chilena, ganha versão fílmica com ótimos atores, boa reconstituição de época, trilha sonora eficiente, mas paga tributo aos clichês dos filmes de suspense. Mesmo assim, constitui programa que não decepcionará quem tem curiosidade pelo período ditatorial vivido por nossos vizinhos hispano-americanos.

Vale registrar, ainda, que o cinema chileno vem ganhando prêmios internacionais (vide os atribuídos a filmes de Pablo Larraín, protagonizados pelo grande Alfredo Castro, e o Oscar de melhor filme estrangeiro conquistado por “Uma Mulher Fantástica”, de Sebastián Lélio). O Chile tornou-se, junto com Argentina, México e Brasil, um dos quatro mais importantes centros de produção cinematográfica da América Latina.

Quem quiser ver, no streaming, filmes europeus, poderá desfrutar de três lançamentos franceses (“Sybil”, de Justine Triet, “Simpatia pelo Diabo”, de Guillaume de Fontenay, e “Selvagem”, de Camille Vidal-Naquet). Poderá ver, também, filmes vindos da Rússia (“Linha Tênue”), da Itália (“Laços”), da Irlanda (“O Segredo do Lago”), de Portugal (“Prazer, Camaradas”) e da Espanha (“Renzo Piano, o Arquiteto da Luz”, um documentário do veterano Carlos Saura). E um filme eurasiano (o ótimo e surpreendente “O Anúncio”, da Turquia).

Desta safra, um dos mais originais e instigantes é “Selvagem”, disponível no serviço de streaming da Reserva Cultural-Imovision. O cineasta (e professor de Literatura) Vidal-Naquet, estreante no longa-metragem, acompanha um grupo de garotos de programa (alguns já maduros), que vivem da venda do sexo homoafetivo e dormem pelos parques de uma Paris que nada tem de cartão postal.

O protagonista Léo (em substantivo desempenho de Félix Maritaud) se prostitui pelas ruas, trata seus clientes com carinho, sejam jovens ou idosos. Gosta de seu ofício e nutre amor especial, quase platônico, por um colega de ofício, Ahd (Éric Bernard). Léo é romântico e se faz acompanhar, até, de incômoda tosse, que o levará a muitos ambulatórios médicos. Sequência notável, única mesmo, o colocará em envolvente conversa com uma médica muito atenciosa.

Já Ahd é um espírito prático. Quer organizar sua vida, arrumar dinheiro, quem sabe mudar de país, sob proteção de um P.D. (“pederaste”) rico e já bem entrado nos anos. Outros colegas de ofício se somarão ao grupo.

Tórridas cenas de sexo (até explícito) ocuparão a tela. Mas nada é gratuito. Nem apelativo. Camille é um diretor que foge dos clichês. Seus personagens são seres complexos, que passam necessidades e enfrentam muitos problemas. O mundo da homoafetividade é visto com naturalidade e poesia. A ânsia de Léo por sua (mesmo que precária) liberdade é fascinante. E o final do filme, de grande beleza.

Nenhum astro francês aparece entre os P.D. de “Selvagem” (só rostos pouco conhecidos). Já “Sibyl” reúne nomes estelares como Virginie Efira e Adèle Exarchopoulos, que se somam a Gaspard Ulliel, Niels Schneider, Sandra Huller e à rechonchuda Laure Calamy, que tornou-se muito conhecida na França pela série “Dix pour Cent”.

A belga Virginie Efira é uma das estrelas da hora em seu país adotivo. O holandês Paul Verhoeven a escolheu para protagonizar “Benedetta”, filme escândalo sobre freira lésbica perseguida pela Inquisição, que dividiu opinões na recém-concluída edição do Festival de Cannes. Papel que a colega Adèle Exarchopoulos exerceu, oito anos atrás, na vitrine cannoise, quando “Azul é a Cor Mais Quente”, do franco-tunisiano Abdellatif Kechiche, causou furor e conquistou a Palma de Ouro. A linda Adèle, então no frescor de seus 18, 19 anos, dividia a tela (e os lençóis) com Léa Seydoux, nove anos mais velha, em tórridas e explícitas cenas de amor lésbico.

“Sibyl” não veio para transgredir, nem causar incômodo. É um drama moderninho, com pitadas de comédia. A personagem-título, interpretada por Virginie Efira, é uma psicoterapeuta empenhada em não recair no vício alcoólico. Ela decide interromper o atendimento a seus pacientes e dedicar-se à escrita de um livro. Só que é procurada por uma jovem atriz, Margot (a linda Adèle Exarchopoulos), que anda meio pirada. E em conflito com a personagem (e a equipe) de filme em processo de realização.

Sibyl tenta não envolver-se com a jovem e tumultuada estrela, mas acaba concluindo que tem nas mãos a personagem e as tramas que a ajudarão na escritura de seu livro. Resolve, então, aproveitar-se da situação.

Niels Schneider, que tem destaque em “Sibyl” (embora ofuscado por Efira e Exarchopoulos) será a estrela absoluta de “Simpatia pelo Diabo”, um filme inspirado na trajetória do correspondente de guerra Paul Marchand. Para protagonizar este drama ambientado nos Balcãs, durante a Guerra da Bósnia, Niels, de 34 anos, marido na vida real de Virginie Efira, deixou de lado sua pinta de galã. Com toca de lã na cabeça, óculos de grau e inseparável charuto na boca, ele transita, nervoso, em meio aos tiroteios e sob a mira de snipers.

Será, aliás, um sniper que atingirá Paul Marchand, deixando sua vida em situação de altíssimo risco. Saibam, porém, e isso não é spoiler, mas sim informação histórica: o intrépido e humanista correspondente de guerra morrerá, ao optar pelo suicídio, aos 47 anos (em 2009, portanto, 14 anos depois do fim do conflito nos Balcãs). Deixará uma história de vida das mais instigantes e suas vivências registradas em livro que deu origem ao filme de Guilhaume de Fontenay.

“Simpatia pelo Diabo” dialoga com o cinema documental e prende a atenção dos espectadores. Principalmente pela natureza de seu protagonista, um jornalista (correspondente de guerra) tomado por paixão e fúria. O filme ganha força complementar nas sequências em que registra o relacionamento entre Marchand e uma jovem (e bela) tradutora nascida nos Balcãs (Ella Rumpf). Recomendado, em especial, aos profissionais que escolheram o jornalismo como ofício (ou sacerdócio).

“Renzo Piano, o Arquiteto da Luz” nasceu como documentário institucional, encomendado a um medalhão, no caso o veterano Carlos Saura, hoje com 89 anos. O poderoso grupo financeiro que comanda o Banco Santander solicitou ao diretor de “Cria Cuervos” e “Ana e os Lobos” que documentasse projeto arquitetônico e urbanístico de revitalização de área portuária na cidade de Santander. Ali seriam erguidas edificações (dois prédios suspensos, parte sobre o Mar da Cantábria), sede do futuro Centro Cultural Santander. Para desenhar o arrojado projeto, foi convocado o célebre arquiteto italiano, Renzo Piano. Saura realiza um filme digno e recomendado, em especial, a arquitetos e urbanistas. Ele pode ser alugado no streaming da Reserva Cultural-Imovision.

O cinema turco tem fascinado os cinéfilos, em especial com realizações de seu maior cineasta contemporâneo: Nuri Bilge Ceylan, 62 anos, autor de maravilha como “Era uma Vez na Anatólia” e “A Árvore dos Frutos Selvagens”.

Mahmut Fazil Coskun, de 47 anos, diretor de “O Anúncio”, não tem a grandeza do ilustre colega. Mas realizou um ótimo filme. Apesar do tema político (e explosivo), que poderia gerar obra pesada e acadêmica, Coskun soube construir narrativa lacunar, de humor sutil e pegada documental (embora trate-se de um filme histórico, cuja trama se passa em 1963).

“O Anúncio” integrou a programação da 43ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, depois de conquistar prêmio especial na mostra Orizonti, no Festival de Veneza. Tudo que se disser sobre sua trama parecerá spoiler. Afinal, o filme se constroi com muitos silêncios e nenhuma obviedade. Quem são aqueles homens carrancudos que se aboletam num taxi? São mafiosos, são homens comuns, são militares? O que pretendem fazer?

Com elenco afiado (Ali Seckiner, Mehmet Yilmaz Ak, Murat Kilic), o filme irá nos enredando. Conheceremos, então e aos poucos, a história desse “anúncio” responsável pela melhor, mais longa e inusitada parte da trama. O por quê da premente necessidade dos protagonistas de enunciá-la em emissora radiofônica de Istambul, de forma que seja ouvida na capital, Ankara. Programa obrigatório disponível no streaming da Reserva-Imovision.

“Laços”, dirigido pelo italiano Daniele Luchetti, de 60 anos, diretor do ótimo “Meu Irmão é Filho Único”, ganha lançamento brasileiro não nos cinemas, mas em diversas plataformas de streaming. Seus principais trunfos são o romance que lhe deu origem, de Domenico Starnone, publicado no Brasil pela Todavia, e seu elenco estelar.

Luigi Lo Cascio e Alba Rohrwacher, Silvio Orlando e Laura Morante dão vida aos protagonistas, Aldo e Vanda, em duas fases, separadas por 30 anos.

Giovanna Mezzogiorno e Adriano Giannini interpretam os filhos do casal, já adultos, frustrados, ressentidos até. E, para completar, a bela Linda Caridi, jovem que vai provocar a separação do radialista Aldo de sua dedicada (mas instável) esposa Vanda, para desalento dos filhos pequenos.

Os laços que dão título ao romance e ao filme são metáforas das intricadas relações familiares. Relações matrimoniais e filiais. Uma matéria-prima que não será, de modo algum, simplificada. Muito pelo contrário.

Os amantes de livros (e cultivadores de objetos que constituem sólidas memórias afetivas) tomarão um susto com o desfecho de “Laços”. Até por ser ele um pouco abrupto. Mesmo assim, o filme constitui experiência enriquecedora.

“Linha Tênue” (“Arrhythmia”) tornou-se conhecido dos cinéfilos brasileiros que acompanharam, ano passado, o Festival de Cinema Contemporâneo da Rússia, em exibições on-line.

Um dos filmes mais acessados da mostra, “Linha Tênue” foi apresentado com título que preservou tradução ao pé da letra: “Arritmia”. O longa de Boris Khlebnikov integra-se ao filão de tramas ambientadas no universo médico, tão explorado pelo cinema e, mais ainda, pelas séries de TV. Mas, por sorte, “Arrhythmia” traz personagens consistentes, trama realista e crível, além de ritmo envolvente.

Oleg (Alexander Yatsenko), um paramédico impetuoso, é casado com a médica Kathya (Irina Gorbacheva). Ele trabalha nas ruas, prestando primeiros-socorros. Ela atua em agitadíssimo pronto-socorro ortopédico.

Kathya ama o marido, mas está cansada das ausências dele, que vive de socorro em socorro, sempre estressado e bebendo cada vez mais. O esgarçamento do casamento vai ganhando contornos.

O simpático e idealista Oleg passa, então, a enfrentar mais uma frente de stress. Um novo chefe chega para comandar os médicos-socorristas e desempenhará sua função com rigor draconiano.

Os estressados paramédicos terão, ainda por cima, que melhorar o item produtividade. A ordem é não perder tempo nos atendimentos emergenciais e encaminhar os pacientes a outros destinos. E mais: não prestar nenhum tipo de socorro fora de delimitada área de ação. Se alguém morrer por falta de atendimento emergencial, paciência.

Avesso a formalidades burocráticas, Oleg só pensa em salvar o máximo de vidas. Mas esta virtude não sensibiliza o novo chefe. Em crise no trabalho e no espaço doméstico, o paramédico tentará encontrar algum jeito de manter seu casamento.

O filme colecionou 28 prêmios (muitos deles para os dois protagonistas) em festivais como Trieste, na Itália, Chicago, nos EUA, Karlovy Vary, na República Tcheca, no Kinotavr Open Russian Film, e integrou a seleção do Festival de Toronto.

“O Segredo do Lago”, de Phil Sheerin, é uma produção irlandesa, portanto oriundo de cinematografia pouco presente em nosso circuito exibidor. Agora, o filme poderá ser assistido pelo streaming (Cinema Virtual) por aqueles que apreciam narrativas banhadas em mistério e temperadas com doses de suspense.

Sheerin acrescenta à sua trama, ambientada em uma fazenda de carneiros, banhada por um lago, ingredientes de drama familiar dos mais perturbadores. Um adolescente tímido, que vive com a mãe, pobre e desorientada, numa pequena propriedade, descobre algo no fundo de um lago. Essa terrível descoberta irá alterar sua vida, a de sua mãe e de vizinhos, pai e filha, ele, um homem possessivo, ela, uma bela jovem de vida livre, que guarda um grande segredo.

O filme nos inquieta com alguns sustos, mas não foi feito com tal objetivo. Phil Sheerin e seu roteirista, David Turpin, apostam, isto sim, numa história que revela lados sombrios da vida em família.

De Portugal chega uma pequena jóia: o documentário “Prazer, Camaradas”, de José Filipe Costa. O filme evoca, com grandes liberdades narrativas, memórias da Revolução dos Cravos.

Depois daquele 25 de abril de 1975, os revolucionários portugueses convocaram simpatizantes internacionais a deixarem seus países de origem para ajudar o país a enfrentar grandes desafios. Um deles: desenvolver cooperativas capazes de ajudar os Capitães de Abril a alavançar o tão almejado progresso. Os solidários forasteiros ficaram conhecidos como “turistas revolucionários”.

Chegaram, então, ao país ibérico, alemães, italianos, suecos, ingleses… Enfim, gente disposta a pegar no batente, mas portadora de procedimentos morais (no caso dos escandinavos) bem mais avançados que os dos lusitanos atados à vida no campo. O país, afinal, vivera por quase quatro décadas sob a ditadura salazarista, voltada à Deus, à Pátria, à família (tradicional) e à propriedade.

Já de saída, o filme nos intriga. Um homem de evidentes 70 anos e uma mulher, idem, se apresentam pelos nomes e declinam suas idades. Ambos anunciam seus vinte e poucos anos. Mas como? Que dispositivo é esse? Quem são esses “mentirosos”? Por que dizem estar na flor da idade, se têm o rosto marcado pelas rugas, pelo passar inexorável do tempo?

Antes de mais nada, evoquemos um documentário francês – “Deux de la Vague” – lançado no Brasil, em 2010, com o título “Godard, Truffaut e a Nouvelle Vague”. Escrito por Antoine de Baecque e dirigido por Emmanuel Laurent, o filme adotou, como sua razão de ser, o culto à juventude. Embora àquela altura a Nova Onda francesa já contasse 50 anos, diretor e roteirista não queriam ouvir senhores septuagenários ou octogenários relembrando o que fora aquele momento de renovação cinematográfica.

No Brasil, numa das salas da Reserva Cultural paulistana, em debate sobre a concepção de seu filme, o cineasta Emmanuel Laurent postulou: “queríamos que nosso documentário evocasse a juventude dos diretores que fizeram a Nouvelle Vague”. E assim foi feito.

Pois José Filipe Costa, em seu fascinante “Prazer, Camaradas”, adotou procedimento oposto. Quis que rostos enrugados evocassem aqueles anos em que, motivados por ideais revolucionários, jovens foram implantar cooperativas em zonas rurais de Portugal. E que contassem o que viveram com o frescor e arrebatamento da juventude. Um recurso fascinante.

O documentário lusitano se constrói, então, com pequenas e saborosas ousadias. Os estrangeiros, que regressaram a seus países (até porque os rumos da Revolução sofreriam solução de continuidade) retornam ao solo de Portugal e reencontram idosas senhoras e idosos senhores, com os quais haviam vivenciado meses de sonhos.

“Prazer, Camaradas”, que é moderno, politizado e inventivo, terá seus melhores momentos nas partes dedicadas ao sexo oral. Não que o filme seja destinado a maiores de 18 anos. Sexo oral, sim, pois as (idosas) mulheres verbalizarão seus desejos eróticos de juventude, o rigor dos pais, que as queriam virgens (até o casamento), o desconhecimento que tinham do órgão sexual masculino e de qualquer tema que se referisse a práticas eróticas.

O documentário, “encenado” por aqueles “turistas revolucionários” e seus anfitriões, nos encantará com inesperadas imagens. Uma delas, de construção surrealista, será protagonizada por dois poderosos falos (de borracha). O cinema político pode ser pleno de paixão e (deliciosas) transgressões.

 

Já Não Estou Aqui | Ya No Estou Aquí (México, 2020). De Fernando Frías de la Parra. Vencedor das principais categorias do Prêmio Ariel, o Oscar mexicano, incluindo melhor filme. Com Juan Daniel García Treviño, Xueming Angelina Chen, Bianca Coral Puente, Luís Leonardo Zapata e Fanny Tovar. Duração: 112 minutos. Disponível na Netflix.

Pacto de Fuga (Chile, 2020). Direção de David Albala. Com Bejamín Acuña, Roberto Farías, Eusebio Arenas, Gonzalo Canelo, Victor Montero, Diego Ruiz, Francisca Gavillan e Amparo Noguera. Duração: 127 minutos. Disponível no Amazon Prime.

Selvagem (França, 2020). Direção de Camille Vital-Naquet. Com Félix Maritaud, Éric Bernard, Philippe Ohrel, Nicola Dibla, Lou Ravelli, Mehdi Boudina e Marie Seux. Duração: 99 minutos. Disponível no serviço de streaming da Reserva Cultural-Imovision.

Sibyl (França, 2019). De Justine Triet. Como Virginie Efira, Adèle Exarchopoulos, Gaspard Ulliel, Niels Schneider, Sandra Huller e Laure Calamy. Duração: 101 minutos. No streaming da Reserva Cultural-Imovision.

Laços (Itália, 2020). De Daniele Luchetti. Baseado em romance de Domenico Starnone. Com Luigi Lo Cascio, Alba Rohrwacher, Linda Caridi, Adriano Giannini, Giovanna Mezzogiorno, Silvio Orlando e Laura Morante. Duração: 100 minutos. No streaming: Now, Claro, Vivo Play, Sky Play, iTunes, Apple TV, Google Play e Youtube Filmes.

Simpatia pelo Diabo (França, Canadá, Bélgica, 2019). Direção de Guilhaume de Fontenay. Com Niels Schneider, Ella Rumpf, Vincent Rottiers. Duração: 100 minutos. No streaming da Reserva Cultural-Imovision.

Linha Tênue | Arrhythmia (Rússia, Finlândia e Alemanha, 2017). De Boris Khlebnikov. Com Alexander Yatsenko, Irina Gorbacheva e Nikolay Shrayber. Duração: 116 minutos. No streaming do Cinema Virtual.

O Segredo do Lago (Irlanda, 2020). Direção de Phil Sheerin. Roteiro de David Turpin. Com Emma Mackey, Anson Boon, Charlie Murphy, Mark McKenna, Michael McElhatton. Duração: 93 minutos. No streaming Cinema Virtual.

O Anúncio (Turquia, 2019). De Mahmut Fazil Coskun. Com Ali Seckiner, Mehmet Yilmaz Ak, Murat Kilic. Drama de humor sutil, sobre grupo de militares que necessita fazer comunicado político em emissora de rádio em Istambul. Duração: 93 minutos. No streaming da Reserva Cultural-Imovision.

Renzo Piano, o Arquiteto da Luz (Espanha, 2020). De Carlos Saura. Documentário sobre o arquiteto italiano Renzo Piano, autor de projeto de revitalização de área portuária e dos prédios que abrigarão o Centro Cultural Santander, na cidade de mesmo nome, na Espanha. Duração: 64 minutos. No streaming da Reserva Cultural-Imovision.

Prazer, Camaradas (Portugal, 2020). Direção e roteiro de José Filipe Costa. Documentário híbrido, que evoca memórias da Revolução dos Cravos. Fotografia de Hugo Azevedo. Montagem de João Braz. Duração: 100 minutos. Disponível nos cinemas e, em breve, em serviços de streaming (a partir de setembro no Look, Now, Oi Play e Vivo Play).

2 thoughts on “Onze boas opções no streaming

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.