Primeiros filmes de Joel Zito Araújo são tema de mostra e debates na TVT
Por Maria do Rosário Caetano
O que fez o cineasta Joel Zito Araújo, hoje com sete longas-metragens na bagagem, durante os primeiros anos de sua carreira? Como o diretor dos premiados “A Negação do Brasil”, “As Filhas do Vento” e “Meu Amigo Fela” tornou-se o mais produtivo dos realizadores afro-brasileiros? Como ele conseguiu dedicar-se, em tempo integral, à reflexão e à realização de documentários e ficções protagonizados por personagens negros, sejam brasileiros ou africanos, caso do compositor e cantor nigeriano Fela Kuti?
Chegou, pois, a hora de se conhecer os anos de formação do realizador mineiro, nascido em Nanuque há 66 anos, que estudou nos EUA e, ao regressar a seu país natal, dividiu-se entre o cinema, o magistério e o ativismo black.
A TVT (TV dos Trabalhadores) vai mostrar, dessa quinta-feira, 22 de julho, até primeiro de agosto, nove médias-metragens que serviram de escola e meio de expressão ao então jovem cineasta: “Nossos Bravos”, “Memórias de Classe”, “Almerinda: Uma Mulher de Trinta”, “Alma Negra da Cidade”, “São Paulo Abraça Mandela”, “Homens de Rua”, “Eu, Mulher Negra”, “Retrato em Preto e Branco” e “A Exceção e Regra”, todos realizados entre 1987 e 1997”.
Além da exibição dos documentários, a mostra reunirá cineastas, críticos e estudiosos do racismo estrutural no Brasil. O primeiro momento reflexivo do projeto, apoiado pela Lei Aldir Blanc, reunirá a psicóloga Cida Bento, colunista da Folha de S. Paulo e o crítico Juliano Gomes (sábado, 19h30). Os dois vão refletir sobre a presença afro-brasileira no cinema de Joel Zito.
Na semana seguinte, haverá três novos debates. No dia derradeiro (primeiro de agosto), o próprio cineasta ministrará masterclass sobre seus primeiros filmes e os rumos tomados por sua carreira, dos médias-metragens até “O Pai da Rita”, seu longa mais recente, filmado no Bexiga paulistano e em fase de finalização.
Para debater o tema “Memórias e Atualidade das Lutas Trabalhistas”, reunir-se-ão, sob mediação de Juliano Gomes (que estará em todos os debates), os estudiosos dos movimentos operários Vladimir Seixas, Paulo Galo e Ewerton Belico (dia 26, 19h30). Em pauta dois dos trabalhos “sindicais” de Joel Zito: “Nossos Bravos” (1987, 31 minutos) e “Memórias de Classe” (1989, 40 minutos).
Na quarta-feira, 28 de julho, às 19h30, Dácia Ibiapina, Débora Olímpio e Fábio Rodrigues vão debater o tema “Vanguarda das Lutas – Mulheres Negras na Conquista de Direitos”. Na sexta-feira, 30, às 19h30, Edileuza Souza, Bernardo Oliveira e João Carlos Nogueira discutem “Movimentos Negros – Faces Ocultas de uma Luta Coletiva” (mediação de Juliano Gomes).
Dois nomes se destacam no início da trajetória audiovisual de Joel Zito Araújo, o diretor de fotografia e documentarista Peter Overbeck (Alemanha, 1927- Israel, 2015) e o cineasta e produtor Renato Tapajós.
Overback, que assina a direção de “Nosso Bravos” com Joel Zito, era em meados da década de 1980, uma lenda da fotografia cinematográfica brasileira. Ele, afinal, assinara as imagens de “O Bandido da Luz Vermelha” e “A Mulher de Todos”, ambos de Rogério Sganzerla, “Meu Nome é Tonho”, de Ozualdo Candeias, e “Palácios dos Anjos”, de Walter Hugo Khouri.
Depois, dedicar-se-ia por inteiro ao cinema ligado à luta dos trabalhadores do campo e da cidade. Fotografou filmes como “Terra para Rose” (Tetê Moraes, 1987) e dirigiu documentários como “Os Anos Passaram” e “A Classe que Sobra”. Quando Peter Overbeck, de origem judaica, morreu em um Kibutz, em Israel, o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) lhe dirigiu sentida e justa homenagem.
Pois Joel Zito Araújo teve a sorte de estrear no audiovisual ao lado de Peter Overbeck. O trabalho que realizaram juntos é um docudrama de corte didático, com dois grandes atores (Lélia Abramo e Dionísio Azevedo) interpretando sindicalistas já idosos, que relembram suas lutas no movimento operário paulistano, nas primeiras décadas do século, para plateia atenta, na qual destacam-se Cláudio Ferrário (o Brivaldo, da TV Viva do Recife), Gésio Amadeu, Dulce Muniz, Javert Monteiro, Carla Margareth e Devanir Rodrigues. O filme foi produzido pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) e apoiado pelo Arquivo Edgar Leuenroth, da Unicamp.
Nos trabalhos seguintes, Joel Zito estabeleceria, na Tapiri Filmes, sólida parceria com Renato Tapajós, diretor de muitos dos documentários do ciclo metalúrgico paulista.
Em seu segundo documentário (o primeiro solo) – “Memórias de Classe” – Joel Zito e a Tapiri contariam com o apoio da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais). Documentário de recorte clássico, o filme conta a história do luta dos trabalhadores no Brasil ao longo do século XX. Dessa vez, sem atores e somando testemunho reais de uma líder feminista e quatro sindicalistas. Uma das personagens da narrativa, a ativista do voto feminino Almerinda Farias Gama, seria o tema central do terceiro documentário de Joel Zito, “Almerinda, uma Mulher de Trinta” (1991, 25 minutos”).
Os dois filmes seguintes revelariam o tema que viria a tornar-se recorrente na trajetória de Joel Zito: a luta contra o racismo estrutural brasileiro. “Alma Negra da Cidade” (1991, 30 minutos) soma vivências de dois cantores, uma empresária, um poeta, uma doméstica, uma mãe de santo e uma modelo, todos afro-brasileiros residentes em São Paulo, para compor dinâmico retrato da persistência da discriminação racial em nossa sociedade. Nem por isso a comunidade negra deixou de lutar por seus direitos e sonhos.
“São Paulo Abraça Mandela” constitui momento especial na trajetória do jovem cineasta afro-brasileiro. Em 1991, durante a gestão de Luiza Erundina à frente da Prefeitura de São Paulo, Nelson Mandela (1918-2013), acompanhado da esposa Winnie, visitou a maior metrópole brasileira. Depois de passar 27 anos nos cárceres do regime segregacionista (Apartheid), o ativista sul-africano foi libertado em 1989.
Dois anos depois, “Madiba” desembarcava em São Paulo. Ganharia o Prêmio Nobel da Paz, em 1993, e no ano seguinte seria eleito presidente da África do Sul (seu mandato foi até 1999), tornando-se um dos maiores símbolos da luta contra o racismo.
Joel Zito não tem acesso privilegiado ao futuro presidente da África do Sul. Mesmo assim, seu filme consegue registrar imensa felicidade, que é dele e dos movimentos negros organizados, ao receber o mais famoso dos políticos africanos.
Um título curioso na mostra dos primeiros documentários de Joel Zito é “Eu, Mulher Negra” (1994, 31 minutos). Trata-se de projeto didático, realizado em parceria com o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). A demógrafa Elza Berquó coordenou pesquisa sobre saúde reprodutiva da mulher negra. Embora trate-se de um documentário de caráter médico-científico, Joel Zito consegue – pela qualidade dos depoimentos e pela presença luminosa (e emocionada) da atriz Ruth de Souza – prender nossa atenção.
Completam a mostra os documentários “Homens de Rua” (1991, 32 minutos), sobre a dura vivência de homens e mulheres desempregados, que perambulam por avenidas e praças da maior metrópole da América do Sul, “Retrato em Branco e Preto (1992, 15 minutos), registro da voz, em forma de carta, de homem negro que denuncia a persistência do racismo na sociedade e na mídia brasileira, e “A Exceção e a Regra” (1997, 39 minutos), sobre Vicente do Espírito Santo, afro-brasileiro que conseguiu furar o cerco de nossa Justiça e vencer causa contra ato racista ocorrido em ambiente laboral (no TST – Tribunal Superior do Trabalho).
A TV dos Trabalhadores, depois de ciclo dedicado a filmes realizados no ABC paulista, promove mostra de seis documentários da cineasta acreano-brasiliense Maria Maia. Cinco deles são dedicados a personalidades de grande relevo na vida brasileira. Um, registra a luta das mulheres na conquista de seus direitos.
O primeiro filme a ser exibido tem o escritor, ator, diretor de teatro e ativista da causa negra, Abdias Nascimento, em foco (“Abdias, Raça e Luta”, sábado, 24 de julho, 21h30). Ainda nesse mês de julho (dia 31), será a vez de “O Cinema Segundo Vladimir Carvalho”, autor de dezenas de curtas (como “A Pedra da Riqueza”) e de longas documentais (“O País de São Saruê”, “Rock Brasília” e “O Engenho de Zé Lins”).
Nos quatro sábados do mês de agosto, serão mostrados, sempre às 21h30, os filmes “Darcy, um Brasileiro” (dia 7), sobre o antropólogo, escritor e político Darcy Ribeiro, “Mulheres em Movimento” (dia 14), “Chico Mendes Vive” (dia 21), sobre o seringalista-ambientalista amazônico, e “JK, um Cometa no Céu do Brasil” (dia 18), sobre o presidente bossa-nova, que junto com Oscar Niemeyer e Lúcio Costa transferiu a capital brasileira do Rio de Janeiro para a Novacap (Brasília).
FILMOGRAFIA
Joel Zito Araújo (Nanuque – MG, 1954)
1999 – “O Efêmero Estado União de Jeová” (doc)
2000 – “A Negação do Brasil – O Negro na Telenovela Brasileira” (doc)
2004 – “As Filhas do Vento” (ficção)
2009 – “Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado” (doc)
2013 – “Raça” (doc. em parceria com Megan Mylan)
2019 – “Meu Amigo Fela” (doc)
2022 – “O Pai de Rita” (ficção)
Maria Maia, diretora acreana, radicada em Brasília
2020 – “Sônia e Lygia”
2018 – “3 Refeições”
2014 – “Diretas Já, o Grito das Ruas”
2014 – “Prestes, o Cavaleiro da Esperança”
2013 – “Tai Chi Chuan”
2013 – “Os Sertões e Os Sermões”
2012 – “Darcy, um Brasileiro”
2012 – “ Abdias, Raça e Luta”
2010 – “O Cinema Segundo Vladimir Carvalho”
2009 – “Zé Lins, Engenho e Arte”
2008 – “Chico Mendes Vive”
2006 – “Mulheres em Movimento”
2006 – “Lévi-Strauss, Saudades do Brasil”
2004 – “Portinari, Poeta da Cor”
2004 – “Sousândrade, o Guesa Errante”
2002 – “JK, um Cometa no Céu do Brasil
2002 – “Drummond, Poeta do Vasto Mundo”
2002 – “Athos Bulcão, Ritmo, Forma e Cor”
1999 – “Machado de Assis, Alma Curiosa de Perfeição”
1996 – “Deuses no Juruá”