Meu Nome é Bagdá

Por Maria do Rosário Caetano

Antes que a maranhense Rayssa Leal, a Fadinha de 13 anos, conquistasse sua medalha de prata nas Olimpíadas de Tóquio, a jovem cineasta paulistana Caru Alves de Souza havia realizado filme sobre adolescente apaixonada pela prática do skate.

O longa-metragem, que se faz acompanhar de ótimo título – “Meu Nome é Bagdá” –, estreia nessa quinta-feira, 16 de setembro, em modesto circuito brasileiro. Em compensação, na França, será exibido em 100 salas distribuídas por 40 cidades (Paris e interior).

E por que a França interessou-se tanto pelo filme de Caru? Por seu frescor, simplicidade e temática, claro, e pelo reconhecimento recebido no Festival de Berlim, que o premiou, em 2020, como o melhor longa da mostra Generation 14 plus (segmento dedicado a filmes para adolescentes).

“Meu Nome é Bagdá” não é apenas um filme sobre a paixão de jovens periféricos pela prática do skate. Ao escrevê-lo e realizá-lo, Caru ocupou-se, também, do empoderamento feminino, apesar de resistente machismo, e de temas como assédio e preconceito contra homossexuais. O êxito em Berlim multiplicou-se por outros festivais nacionais e estrangeiros. Hoje, o segundo longa-metragem de Caru Alves de Souza, de 42 anos, soma 14 premiações internacionais e contabiliza participações em 60 mostras e festivais espalhados por cinco continentes.

Bagdá, personagem central e catalizadora de toda a ação do filme, é interpretada pela skatista Grace Orsato, que faz sua estreia no cinema. Com ela contracenam a atriz Gilda Nomacce, a cantriz Karina Buhr e a performer Paulette Pink. E mais: Marie Maymone, Helena Luz, Emílio Serrano, William Costa, João Paulo Bienemann e Nick Batista, alguns deles originários de comunidades da grande periferia paulistana.

Caru Alves de Souza, filha da cineasta Tata Amaral (“Um Céu de Estrelas”), não contou com ajuda direta da mãe nesse projeto. Mas cercou-se de time majoritariamente feminino, que jogou em posições-chave, tanto no campo artístico, quanto técnico. O roteiro – livremente inspirado no livro “Bagdá, o Skatista”, de Toni Brandão – foi escrito pela diretora, em parceria com Josefina Trotta. A direção de fotografia, reduto tão masculino, é de Camila Cornelsen e a direção de arte, de Marinês Mencio. A direção de produção é de Stella Rainer e a produção de Rafaella Costa, da Manjericão Filmes. A esse grupo, tão feminino, agregaram-se o craque Willem Dias, na montagem, e Pedro Noizyman, na supervisão de som e mixagem.

“Meu Nome é Bagdá” contou com apoios do Tribeca Film Institute’s Latin America Fund, do Programa Ibermedia (desenvolvimento de roteiro), do Projeto Paradiso e do Converse Br. O que demonstra que Caru, como Tata Amaral, tem capacidade, com seus projetos, de mobilizar importantes parceiros internacionais.

O primeiro longa de Caru (“De Menor”, 2013) é melhor e mais orgânico que “Bagdá”. Mesmo assim, vale conferir o mergulho da jovem diretora no universo dos skatistas da periferia paulistana. Com concisão, sensibilidade, linguagem despojada, direta e tributária do documentário, Caru constrói narrativa cativante.

Bagdá encontra em Grace Orsato uma intérprete convincente, de nome e visual andróginos. Ela mora numa casa habitada só por mulheres. Sua mãe, que ganha a vida num salão de beleza (e é interpretada por uma luminosa Karina Buhr), sua irmã mais velha, linda e feminina, e uma irmã pequena, esperta e carismática, que sonha em viajar para Marte.

Bagdá pratica skate com garotos da idade dela. Não chama atenção pois veste-se como um moleque, tem os cabelos curtos como os de Rita Pavone. Aliás, nas melhores sequências do filme, a skatista e amigas vão imitar a italiana Rita Pavone (e seu maior sucesso, “Datemi un Martello”), uma cangaceira e a mexicana Frida Khalo. Tudo em clima lúdico e contagiante. Em outra sequência de grande força, a personagem de Gilda Nommace, que cuida de um bar, enfrenta dois machões com verve notável. Ao invés de resignar-se com a grosseria deles, ela lembrará em alto e bom som que “homem tem cabeça que não pensa, duas bolas que não rolam, um passarinho que não voa…”

Alguns (felizmente poucos) momentos do filme pecam por diálogos muito explicativos. Mas a pegada documental de “Meu Nome é Bagdá” enriquece a narrativa. Além de alimentar a ficção, há que se lembrar que a protagonista gosta de registrar, numa pequena câmera, as manobras radicais dos colegas skatistas, além de cenas em família e um amigo homossexual, que faz tratamento contra um câncer. Ele teme morrer no mais doloroso anonimato. Ao imprimir a imagem digital do amigo, Bagdá garante que ele não será esquecido.

O roteiro do filme dispensa reviravoltas, a periferia não é vista como território da violência, nem do tráfico, não há desespero por falta de emprego ou dinheiro. A intenção da diretora parece clara. Ela quis realizar um filme bem próximo ao corpo e cotidiano de sua protagonista. O resultado seria mais denso se o roteiro aprofundasse alguns dos temas que o permeiam (por exemplo o mundo do trabalho ou a falta dele) e, em especial, os desejos de Bagdá. Afinal, sendo ela uma jovem de 17 anos, encontra-se, como seus pares, com os hormônios a mil.

Meu Nome é Bagdá
Brasil, 90 minutos, 2021
Direção: Caru Alves de Sousa
Fotografia: Camila Cornelsen
Montagem: Willem Dias
Elenco: Grace Orsato, Gilda Nomacce, Karina Buhr, Paulette Pink, Marie Maymone, Helena Luz, Emílio Serrano, William Costa, João Paulo Bienemann e Nick Batista
Distribuição: Pagu Pictures (Brasil) e Wayna Pitch (exterior)

 

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