Dez filmes radiografam a China contemporânea em mostra on-line e gratuita
Por Maria do Rosário Caetano
Nesse exato momento, um filme chinês — “A Batalha do Lago Changjin” — épico nacionalista comandado por Chen Kaige (sim, o diretor de “Adeus minha Concubina”, pelo expert Tsui Hark e por Dante Lan), causa furor na China. Bateu, com margens larguíssimas, as bilheterias do novo James Bond, o último de Daniel Craig, e “A Lenda dos Dez Anéis”, da Marvel.
Mesmo que “A Batalha do Lago Changjin”, recriação de cruel batalha travada entre chineses e tropas norte-americanas (durante a Guerra da Coréia, nos anos 1950) venha a se tornar o maior sucesso da história da grande nação asiática, dificilmente o filme chegará às nossas telas. Nem a trinca de diretores bastante conhecidos conseguirá alterar as diretrizes e pilares do circuito exibidor brasileiro.
Cinema chinês, no Brasil, é sinômino de “filme de arte”. Zhang Yimou, Chen Kaige e Jia Zhang-ke só são conhecidos (e apresentados) em programações de festivais e mostras (como a de São Paulo, que nos revelou a poderosa Quinta Geração). Quando chegam aos cinemas, o fazem em poucas salas e no circuito alternativo.
Agora, com o advento do streaming, as chances de difusão dos filmes do país de Gong Li aumentam, pois deparamo-nos com novo (e poderoso) escoadouro.
A partir dessa segunda-feira, primeiro de novembro, até dia 20, o Instituto Confúcio, da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo), e a Secretaria Estadual de Cultura apresentam festival on-line e gratuito. O acesso se fará pela plataforma Cultura em Casa, mantida pelo governo paulista. A abertura acontece hoje, às 19h. Depois, os filmes serão exibidos, com alcance possível em todo território nacional, por vários dias e horários.
A seleção, feita por Wang Yao, da Academia de Cinema de Pequim, traz filmes realizados nas duas últimas décadas, dos mais diversos gêneros. Nenhum de seus diretores é conhecido entre nós.
O propósito da mostra é claro: “apresentar filmes que abordem questões sociais ligadas ao zeitgeist atual, com objetivo de alimentar o intercâmbio cultural entre os povos chinês e brasileiro, construindo uma cultura de positividade”. Isso mesmo: “uma cultura de positividade”. A China, por mais capitalista que pareçam seus rumos, continua sendo uma república socialista. E membro dos BRICS, grupo geopolítico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
O filme inaugural do festival chinês é o documentário “Tudo ou Nada”, que teve boa circulação por festivais internacionais. Porém, o título mais premiado da seleção é “O Balão”, de Pema Tseden, drama ambientado no Tibet e laureado com 28 prêmios.
A produção que se apresenta cercada de maior curiosidade é “Yuan Longping”. Trata-se de cinebiografia de cientista agrícola (o Yuang Longing do título), considerado um herói nacional da grande República asiática (mais de um bilhão de habitantes). Ele morreu em maio último e foi enterrado com pompa e circunstância. Afinal, era considerado o “pai do arroz híbrido”, além de defensor do equilíbrio da natureza e personalidade empenhada na superação da fome planetária. Vale correr o risco: o filme pode ter resultado em uma hagiografia, mas tudo indica que o “Josué de Castro chinês”, embora totalmente desconhecido entre nós, tenha sido realmente um grande cientista e benfeitor da humanidade.
VI MOSTRA DE CINEMA CHINÊS
Data: 1 a 20 de novembro
Dez longas-metragens realizados nas duas últimas décadas, de diversos gêneros, serão exibidas on-line e gratuitamente, para todo o território brasileiro. Os oito primeiros filmes ficarão, cada um, disponibilizados, depois de sua estreia, por sete dias. Os dois últimos (“O Porto Seguro” e “Yuan Longping”) por 20 dias.
Onde: na plataforma Cinema em Casa (https://culturaemcasa.com.br/videos/cinema-2/cinema)
OS FILMES SELECIONADOS
.“Tudo ou Nada”, de Zhou Hao (2021, Doc, 97’) – Registro da vida de duas pessoas de meia-idade que sofrem de transtorno de estresse pós-traumático e buscam por redenção. Com apenas três anos, Tong Meim perde o pai, que comete suicídio. Mais tarde, ela sofre a perda de seu marido em um acidente de carro. Aos 12 anos, Yao Sunteck é molestado por um estranho enquanto se esconde da chuva. Vem o isolamento. Para ambos, a vida não passa de uma sequência infinita de sofrimento. Indicado ao Golden Goblet de Melhor Documentário no Festival Internacional de Cinema de Xangai, indicado a Melhor Documentário no FIRST International Film Festival, 2021.
. “O Balão”, de Pema Tseden (2019, Drama, 102’) – Por causa de um preservativo, a família de Darje vai enfrentar série de decisões difíceis e constrangedoras. Durante os anos 1990, no planalto tibetano, Darje e Drolkar vivem uma vida serena com os três filhos e o avô, mas uma gravidez inesperada acaba com a harmonia e a tranquilidade da família. No ciclo de vida e morte, o que é mais importante: a alma ou a realidade? O filme recebeu 28 prêmios.
. “A Arca do Sr. Chow”, de Xiao Yang (2015, dramédia, 106’) – Um grupo de adolescentes promissores é selecionado para um programa especial para jovens gênios. Ali, terão de lidar com sua falta de habilidade social perante os colegas “normais”. Prêmio de melhor ator no International Chinese Film Festival, 2015.
. “Aves Suburbanas”, de Qiu Sheng (2019, drama, 118’) – Uma equipe de engenheiros é enviada para investigar a subsidência do solo na periferia da cidade. Depois de dias examinando a área já esvaziada, o engenheiro Hao entra em uma escola primária e encontra um diário que narra a história de um garoto e a separação de um grupo de amigos. Enquanto investiga, ele descobre uma estranha conexão com esse diário. Foi exibido em Locarno e outros festivais internacionais.
. “Quatro Primaveras”, de Lu Qingyi (2017, doc, 105’) – O cotidiano de uma família na remota Dushan, cidade da província de Guizhou, no sudoeste da China. De forma subjetiva, as imagens registram a labuta diária, cantos, caminhadas na natureza, visitas de amigos e parentes, funerais, reuniões com colegas de escola e despedidas. Assim, o filme revela o estado de espírito dos dois personagens principais, os pais do próprio diretor, e suas atitudes perante uma perda irrecuperável. Melhor documentário no FIRST (International Film Festival), Prêmio do Júri para Melhor Documentário no Beijing Student Film Festival, Film of Merit no Shanghai Film Critics Awards.
. “O Enigma da Chegada”, de Song Wen (2019, drama, 112’) – Nos anos 1990, quatro amigos apaixonam-se por uma mesma menina: Dongdong. Depois de roubarem o combustível de um barco, eles sofrem retaliações e, como resultado, Dongdong desaparece misteriosamente. Anos mais tarde, os quatro se reencontram e são forçados a confrontar o passado e a verdade sobre o desaparecimento da garota.
. “Turbilhão”, de Gan Jianyu (2019, drama, 103’) – Desesperado por dinheiro depois de perder no jogo mais uma vez, Liu aceita participar de um esquema que revende um carro não registrado. O golpe, aparentemente simples, se complica quando ele encontra uma menina no porta-malas do veículo.
. “Quero uma Vida com Você”, de Sha Mo (2021, romance, 105’) – Qinyang é um trabalhador esforçado que está tentando juntar dinheiro para se casar com Yiyao, mas a realidade mantém o casal na pobreza e longe do sonho de um casamento feliz. Esgotado, ele desiste da relação para que ela possa encontrar alguém que lhe dê uma vida melhor. No entanto, depois de um telefonema da amada, ele precisa correr para tê-la de volta antes que seja tarde demais.
. “O Porto Seguro”, de Li Xiaofeng (2020, drama, crime e romance, 118’) – Condenado por um homicídio culposo há 15 anos, um fugitivo retorna para casa, onde é assombrado por seu passado. Ele acaba metido em um esquema que envolve a filha de sua vítima e descobre o que aconteceu de fato naquele dia da sua adolescência.
. “Yuan Longping”, de Shi Fenghe (2009, drama, 92’) — Yuan Longping é o nome de um dos maiores cientistas agrícolas do nosso tempo, um herói que será para sempre lembrado na China e em todo o mundo. Dedicou toda a vida à pesquisa do arroz híbrido e contribuiu de forma significativa para as ações globais de preservação da segurança alimentar e redução da pobreza. Seu falecimento em 22 de maio de 2021 foi uma grande perda para a ciência agrícola da China. O filme conta a turbulenta jornada do “pai do arroz híbrido” ao persistir nas suas pesquisas desde o final dos anos 1950. Prêmio de Ator Extraordinário e Filme Extraordinário do Prêmio Huabiao para Cinema.