“Summer of Soul” e “Fortaleza Hotel” chegam aos cinemas

Por Maria do Rosário Caetano

As duas próximas semanas prometem impressionante variedade de estreias nos cinemas. Além do documentário “Summer of Soul (…Ou Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada”), de QuestLove, com chances de chegar à lista de finalistas ao Oscar na categoria principal (melhor filme), estão programadas as estreias de duas produções brasileiras – o cearense “Fortaleza Hotel”, de Armando Praça, e “Passagem Secreta”, do paranaense Rodrigo Grota, para esta semana, e da comédia “Tô Ryca 2”, com a ótima comediante Samantha Schmutz, em 3 de fevereiro.

A eles somar-se-ão o vigésimo-terceiro longa do espanhol Pedro Almodóvar, “Madres Paralelas”, com Penélope Cruz no maior desempenho de sua carreira (Coppa Volpi no Festival de Veneza e prêmio de melhor atriz de duas das mais importantes associações de críticos dos EUA) e duas grandes produções internacionais – “Beco do Pesadelo”, do oscarizado Guillermo del Toro (estreia nessa quinta), e “Spencer”, de Pablo Larrain, esse sobre a Princesa Lady Di. Del Toro, que mudou-se para os EUA há mais de uma década, é mexicano. E Larrain, que fez “Spencer” com recursos britânico-germânicos, é chileno.

O cardápio está tão globalizado (e, em certa medida, variado), que há até filme – o sensível “A Felicidade das Pequenas Coisas” – oriundo do pequeno Butão, país da Ásia Meridional, de apenas 850 mil habitantes.

Do Japão, o circuito recebe a animação “Belle”, de Mamoru Hosoda. Da Ucrânia, outra animação, “As Aventuras de Gulliver”, de Ilya Makisimov. Da Rússia, chega épico de guerra, gênero em que o grande país eurasiano tem reconhecida expertise (real e cinematográfica) – “O Fantasma Vermelho”, de Andrey Bogatyrev. Atração do Cinema Virtual, mesmo projeto que exibirá o suspense “Resgate de Alto Risco”, fruto de parceria entre França, Peru e Síria, dirigido por Emmanuel Hamon.

Duas das estreias dessa quinta-feira, 27, têm a ver com a temporada do Oscar. “Summer of Soul (…Ou Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada”) esperou 50 anos para sair do ostracismo. Mas saiu em grande estilo e para causar o maior frisson. O outro é o butanês “A Felicidade das Pequenas Coisas”, um dos 15 pré-finalistas ao Oscar de melhor produção internacional (os cinco finalistas serão conhecidos no próximo 8 de fevereiro).

“A Felicidade das Pequenas Coisas”, de Pawo Choyning Dorji

“Summer of Soul” tem lugar praticamente garantido entre os finalistas a melhor longa documental e tudo indica que será um dos dez candidatos ao Oscar principal, ao lado de ficções como “Ataque dos Cães”, de Jane Campion, “Belfast”, de Kenneth Branagh, e “Amor, Sublime Amor”, de Steven Spielberg. Os EUA se penitenciam por terem ignorado, por cinco décadas, o “Woodstoock black”. Ou seja, a festa de artistas da grandeza de Nina Simone, B.B. King, Steve Wonder e Nahalia Jackson, que, durante seis semanas, no verão de 1969, transformaram o Mount Morris Park em território de celebração musical. Na retaguarda do evento estavam os Panteras Negras, que cuidaram da segurança. Não houve violência, famílias coloridas (crianças dançando com os pais), muito balanço e suingue. E um pouco de fumacê, que ninguém era de ferro.

Nenhuma emissora de TV, nenhum produtor de cinema, ninguém quis transformar a rica documentação da festa em filme. Aí chegou QuestLove e resgatou as imagens de 1969. O resultado é um filme de rara força, realizado por um verdadeiro devoto de Nossa Senhora do Contexto. Saberemos o que acontecia no mundo naquele final de década de 1960, a chegada do homem à Lua, a importância dos Black Panther, as lutas pelos direitos civis, a dor da perda de Martin Luther King e Malcolm X, entre outras lideranças negras. E há imagens raríssimas dos grandes artistas que cantaram para milhares de afro-americanos (há brancos, em minoria, na plateia). Imperdível.

O nome original da atração butanesa – “A Felicidade das Pequenas Coisas” – é uma tradução totalmente livre (e poética) para “Lunana: A Yak in the Classroom”, de Pawo Choyning Dorji. A Pandora Filmes, de André Sturm, fez bem em não optar por tradução literal, que exigiria muita explicação. Lunana é o nome da aldeia (de 56 habitantes), situada a cinco mil metros de altitude, para onde é enviado um jovem professor, cujo sonho é ser cantor e fazer carreira em Sidney, na Austrália. Yak (ou iaque) é um bovino muito peludo (assemelhado ao búfalo e ao bisão), da região do Himalaia, que terá que ser abrigado dentro da sala de aula do insatisfeito (e desmotivado) professor.

Pois bem, o filme, produzido pelo pequeno Butão, em parceria com a cada vez mais poderosa China, vem encantando plateias pelo mundo a fora. A ponto de entrar na shortlist do Oscar. Não deve chegar aos cinco finalistas, pois a concorrência é pesada (“Drive my Car”, “A Mão de Deus”, “Um Herói”, “Compartment No. 6”, “A Noite do Fogo” etc). Mas fez bonito derrubando concorrentes de países europeus e outras grandes nações asiáticas.

Há quem ache o filme de Dorji previsível, fofo demais e fincado em antitética dicotomia entre o mundo urbano e rural. O primeiro seria perverso e consumista, degenerado e insensato. O segundo, idílico e habitado por seres capazes de conviver com o essencial, generosos e coletivistas. Exagero. O filme mostra que nos confins do Himalaia há muitos problemas: miséria, um pai que vive embriagado e caído ao chão, carência de papel na escola para que as crianças possam escrever etc., etc.

As paisagens montanhosas do Tibet (o filme fugiu do terrível inverno), com suas subidas íngremes, realmente parecem paradisíacas, se comparadas com cidades abarrotadas de gente, carros, poluição e barulho. Mas em momento algum o roteiro esconde o lado hostil da natureza.

Pawo Choyning Dorji não realizou nenhuma obra-prima. Fez, isto sim, um filme que revela a vida de uma pequena comunidade de aldeões nos cafundós da Ásia Meridional, cujo maior sonho é dispor de um professor capaz de ensinar às crianças, de forma que elas possam desfrutar de futuro melhor que o deles. Ou seja, possam ser mais que criadores de iaques e colhedores do esterco, matéria-prima para o fogo utilizado na preparação do chá e no cozimento dos alimentos.

“Fortaleza Hotel”, de Armando Praça

O longa brasileiro “Fortaleza Hotel”, do cearense Armando Praça, tem tudo a ver com a Ásia. No caso, com a Coreia do Sul. Da terra do oscarizado “Parasita” veio sua coprotagonista, Shin (Lee Young-Lan), uma mulher de meia-idade, cujo marido, engenheiro, chegou ao Ceará para trabalhar em siderúrgica mantida por capitais brasileiros e coreanos.

A morte inesperada do marido a trará até a capital cearense, onde se hospedará no Fortaleza Hotel (no quarto que era ocupado pelo engenheiro), e conhecerá a camareira Pilar (a atriz pernambuca Clébia Sousa). Pilar, muito jovem, tem uma filha adolescente (foi mãe aos 13 anos) e tenta dominar um inglês instrumental para ingressar, como “turista”, na Irlanda, onde vive uma amiga. Seu intento é trabalhar como “clandestina”, e para tanto necessita de treino capaz de ajudá-la a enfrentar a burocracia anti-imigratória europeia.

Do encontro dessas duas mulheres, Armando Praça (vencedor do Cine Ceará 2019 com o potente “Greta”, protagonizado por Marco Nanini), constrói narrativa envolvente. Como o Governo do Ceará estabeleceu sólidos negócios com a Coreia do Sul, muitos engenheiros e técnicos orientais vieram, realmente, estabelecer-se entre o Porto de Pecém e Fortaleza.

A potência asiática, portanto, não entra na trama de “Fortaleza Hotel” por oportunismo. As duas protagonistas — a experiente coreana Lee Young-Lan e a jovem Clébia Sousa, em seu primeiro grande papel – brilham, assim como o elenco coadjuvante. Subtrama ligada à violência urbana ganha relevo e integra-se à trama de forma orgânica dando ao filme uma de suas sequências mais bem filmadas. E uma pulsação contemporânea. Um filme que, construído de forma lacunar, situa-se entre o onírico e o real, o devaneio e a dureza da vida.

 

Summer of Soul (…Ou Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisonada”)
EUA, 118 minutos, 2021
Documentário com participação de Nina Simone, B.B. King, Steve Wonder, Nahalia Jackson, entre outros
Direção: QuestLove
Estreia: 27 de janeiro

Fortaleza Hotel
Ceará/Brasil e Coreia do Sul, 77 minutos, 2021
Direção: Armando Praça
Elenco: Clébia Sousa, Lee Young-Lan, Larissa Góes, Demick Lopes, Ana Marlene, Yuri Yamamoto
Estreia: 27 de janeiro

A Felicidade das Pequenas Coisas | Lunana: A Yak in the Classroom
Butão e China, 95 minutos, 2021
Direção: Pawo Choyning Dorji
Elenco: Sherhab Dorji, Kelden Lhamo Gurung, Dorji Orm. Fotografia de Jigme Tenzing (que inspirou-se na câmera dos filmes de Yasujiro Ozu)
Estreia: 27 de janeiro

Passagem Secreta
Paraná, Brasil, 95 minutos, 2021
Direção: Rodrigo Grota
Elenco: Fernando Alves Pinto, Arrigo Barnabé, Luiza Quinteiro, Sofia Coirnwell, João Guilherme Otta, Santiago Daniel, Sandra Parra, Rodrigo Guedes, Andréa Finck
Estreia: 27 de janeiro

Spencer
Inglaterra, Alemanha, EUA, Chile, 111 minutos, 2021
Direção: Pablo Larrain
Elenco: Kristem Stewart, Jack Farthing, Timothy Spall, Sally Hawkins, Any Mason, Stella Gonet, Sean Harris. O último Natal da princesa Lady Di (Diana Spencer) com a família real britânica
Estreia: 27 de janeiro

Beco do Pesadelo
EUA, 140 minutos, 2022
Direção: Guillermo del Toro
Elenco: Bradley Cooper, Cate Blanchett, Rooney Mara, Toni Collette, Willem Dafoe, Ron Perlman. Remake do longa-metragem “Nightmare Alley”, (no Brasil, “O Beco das Almas Perdidas”, de Edmund Goulding, 1947)
Estreia: 27 de janeiro

Belle | O Dragão e a Princesa Sardenta
Japão, 121 minutos, 2021
Direção: Mamoru Hosoda
Animação inspirada no conto fantástico “A Bela e a Fera”, mas modernizada para o mundo digital e da mais alta tecnologia
Estreia: 27 de janeiro

O Fantasma Vermelho
Rússia, 98 minutos, 2020
Direção: Andrey Bogatyrev
Épico de guerra e ação, com ingredientes fantásticos
No Cinema Virtual
Estreia: 27 de janeiro

Resgate de Alto Riscom | Escape From Raqqa
França, Peru, Síria, 102 minutos, 2019
Direção: Emmanuel Hamon
Suspense com Swan Arlaud, Finnegan Oldfield, Jisca Kalvanda e Charles Berling
No Cinema Virtual
Estreia: 27 de janeiro

Tô Ryca 2
Brasil, 110 minutos, 2022
Direção: Pedro Antônio
Comédia com Samantha Schmutz, Katiuscia Canoro, Marcelo Mello Jr, Anderson Di Rizzi, Fabiana Karla, Marcelo Adnet, Marcus Majella, João Camargo, Charles Paraventi, Fiorella Mattheis, Leo Castro e Mauro Mendonça
Estreia: 3 de fevereiro

Madres Paralelas
Espanha, 120 minutos, 2022
Direção: Pedro Almodóvar
Elenco: Penélope Cruz, Milena Smit, Israel Elejalde, Aitana Sánchez-Gijón, Daniela Santiago e Julieta Serrano
Estreia: 3 de fevereiro, nos cinemas, e dia 18, na Netflix

As Aventuras de Gulliver
Ucrânia, 100 minutos, 2021
Direção: Ilya Makisimov
Animação para toda a família, inspirada na obra de Jonathan Swift, com roteiro de Michael Ryan e edição de Alexandr Synko
Estreia: 3 de fevereiro

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