Rita Moreno, a primeira Anita de “Amor, Sublime Amor”, revê 70 anos de carreira

Por Maria do Rosário Caetano

Como ser respeitada em cinematografia dominada por deusas louras de beleza apolínea?

Como conseguir bons papeis se só se é lembrada para representar exóticas jovens polinésias ou egípcias, com o rosto pintado em cor de barro?

Como ter estrutura pra seguir em frente se os estúdios recomendavam às candidatas a atriz que fossem às festas dos tycoons para enfeitá-las e, sim, serem assediadas?

Como seguir em frente depois de paixão tumultuada por Marlon Brando? Paixão que levou a tentativa de suicídio?

Quem quiser conhecer essas histórias – e muitas outras – deve assistir ao longa documental “Rita Moreno – Apenas uma Garota que Decidiu Ir em Frente”, de Mariem Pérez Riera, disponível no streaming (plataformas Apple TV e Now). No domingo, primeiro de maio, o filme concorrerá aos Prêmios Platino, na categoria melhor documentário ibero-americano, em cerimônia que acontecerá em Madri, na Espanha.

A portorriquenha Rita Moreno tornou-se mundialmente famosa ao ganhar o Oscar de melhor atriz coadjuvante por sua Anita, a jovem atriz e bailarina do filmusical “Amor, Sublime Amor” (“West Side Story”, Robert Wise, 1960), recém-filmado por Steven Spielberg. Aliás, o diretor da bela recriação do filme wiseano aparece no documentário de Mariem Pérez Riera, dançando com Rita Moreno, no set. Afinal, ele a escalou, passados quase 60 anos, para participação especial no remake de “West Side Story”. Coube a Rita interpretar a dona de um bar e ajudar na preparação da nova Anita, a formidável Ariana DeBose, também premiada com o Oscar.

Prêmios não faltaram na carreira da menina nascida em 11 de dezembro de 1931, em família muito humilde, numa fazenda de Porto Rico, estado hispano-americano associado politicamente aos EUA. Aos cinco anos, ela imigrou com a mãe (costureira) para Nova York. Teve educação modesta e enfrentou racismo implacável até tornar-se atriz premiada. Uma daquelas que carregam o EGOT (ou seja, vencedora do Emmy, Grammy, Oscar e Tonny). Sim, porque Rita Moreno canta, dança e interpreta. E o fez no cinema, no teatro, na TV e em discos. Mas em 70 anos de carreira – durante o filme comemora com festa à fantasia, que “todos adoram”, seus 87 anos – comeu o pão que o diabo amassou.

Depois de estudar dança e atuar na Broadway, a adolescente obstinada – que queria ser estrela de cinema desde que assistira ao primeiro filme – começou a ser escalada, como qualquer minoria étnica, para papeis exóticos e secundários.

O fato de ter-se tornado a primeira atriz latina a ganhar um Oscar não serviu para alterar sua situação profissional. Os estúdios continuavam a oferecer a Rita Moreno papéis de moças integrantes de minorias étnicas, sempre estereotipados. Com o Oscar na estante, ela amargou sete anos sem ser escalada para personagem que não exigisse cara pintada de marrom. Estava ainda mais angustiada, pois entendia que merecia, como outras atrizes oscarizadas, oportunidades melhores. Em vão. Dedicou-se, então ao teatro. aos musicais e à TV.

Além do racismo, o sólido documentário de Mariem Pérez Riera explora com propriedade as lutas menos conhecidas que Rita Moreno travou em sua busca do estrelato, incluindo o sexismo tóxico de Hollywood, o abuso sexual, um aborto (seguido de complicações) e a tentativa de suicídio um ano antes de ganhar o Oscar.

A miúda e elétrica Rita é a estrela, sincera e corajosa, do filme. Aquela que não foge de nenhum assunto. Espantosamente magra, esbelta, ágil e bonita, muito bonita, para uma quase nonagenária (durante as filmagens), a veremos falar sem amarras de qualquer assunto proposto pela cineasta.

Mariem Pérez Riera teve acesso íntimo à sua personagem e à filha dela (Fernanda Gordon), conversou com pessoas que foram importantes em sua vida e trabalho. Ou que lutaram (e continuam lutando) pela afirmação das minorias latina e afro-americana na indústria do espetáculo da maior potência audiovisual do mundo (Lin-Manuel Miranda, Whoppi Goldberg, Morgan Freeman, Eva Langoria, Hector Elizondo, Glória Estefan, Justina Machado, entre outros). O filme não resulta num incômodo “cabeças-falantes”, pois a estrela é Rita. E, para complementar, a riqueza das imagens de arquivo é de causar inveja a qualquer cinematografia terceiro-mundista.

Com vídeos exclusivos (cenas familiares com o marido, o médico Leonard Gordon, e a filha pequena) e belos trechos de filmes (de “Amor, Sublime Amor”, do longa “A Noite do Dia Seguinte”, o único em que atuou ao lado de Marlon Brando, sem esquecer os exóticos), o documentário mostra o talento e a luta de Rita Moreno para superar barreiras. Um trabalho de fôlego, revelador e em sintonia com importantes causas de nosso tempo. Em dezembro, Rita vai comemorar, decerto com outra “festa à fantasia”, seus 91 bem-vividos anos.

 

Rita Moreno: Apenas uma Garota que Decidiu Ir em Frente | Rita Moreno: Just a Girl Who Decided to Go For It
EUA, 90 minutos, 2021
Direção: Mariem Pérez Riera
Com participação de Eva Longoria, Lin-Manuel Miranda, Whoppi Goldberg, Morgan Freeman, Hector Elizondo, Glória Estefan
Disponível no streaming (plataformas Apple TV e Now)

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