Elvis, a “Pélvis” que alucinou o imaginário planetário, volta em filme arrebatador

Por Maria do Rosário Caetano

O espalhafatoso Baz Luhrmann, diretor de “Romeu + Julieta” e “Moulin Rouge”, tinha tudo para transformar Elvis Presley, o astro norte-americano, que com o balanço de sua pélvis incendiou a libido de milhões de mulheres (e homens), em personagem tão espalhafatoso quanto ele. Mas não foi isso que aconteceu em “Elvis”, cinebiografia que chega aos cinemas de todo país nesta quinta-feira, 14 de julho.

O badaladíssimo lançamento comercial da Warner coloca na praça, de uma só vez, dois fortes candidatos ao Oscar de melhor ator: o veterano Tom Hanks, na pele do enrolado, mas hiper-competente empresário Tom Parker, e o jovem Austin Butler, lindo e convincente ao dar vida aos requebros, trejeitos e beleza magnetizante do cantor de Memphis, no sulista Tenessee, que conquistou o mundo. Os dois arrasam com seus aliciantes desempenhos.

Ao invés de apostar no excesso, Baz Luhrmann — acredite quem quiser — apostou em Nossa Senhora do Contexto. E mostrou fina sintonia com os tempos que correm. Contextualizou o tempo histórico que viu brotar o talento e a sensualidade/sexualidade de Elvis Presley, os movimentos de emancipação dos negros, a Nova Hollywood e o poder destruidor (e viciante) da indústria do espetáculo. Quem esperava um freak show com o Elvis dos últimos anos, gordo e vestido com roupas cada vez mais extravagantes, pode até se decepcionar.

Ao longo de 2h36 de pura fruição e prazer, os fãs do ídolo de tantas gerações irão assistir a uma cinebiografia de corte clássico, mas potente e instigante. Cheia de vida. E capaz de trazer dados novos até para quem viu todos os filmes feitos (para TV e cinema) sobre o protagonista de dezenas de longas-metragens, como “O Seresteiro de Acapulco”, “Feitiço Havaiano” e “Balada Sangrenta” (“King Creole”).

Tão importante quanto Elvis, no filme de Baz Luhrmann, é o Coronel Tom Parker, um homem oriundo do mundo dos espetáculos, um ilusionista que empresariava astros da country music e que viu no adolescente Elvis, com sua beleza, topete e “movimentos de pélvis” força capaz de levar plateias adolescentes ao delírio e à histeria. Descobriu na hora que tinha uma mina de ouro nas mãos. Soube, como ninguém, administrar aquele tesouro. Fez do pai do artista, o Sr. Vernon (Richard Roxburgh), o gerente da empresa e colocou a máquina para funcionar. Quando a Nova Hollywood percebeu que Elvis estava ficando careta e resolveu devolver a ele a imagem rebelde de outrora, todos pensaram que o velho e gordo Coronel Tom estava, finalmente, ultrapassado. Já era! Será? “Elvis” discute as regras do mundo do espetáculo com maestria.

Outra vertente do mundo contemporâneo que o roteiro do filme explora com fina sincronicidade e argúcia é a que valoriza a importância da música negra na história dos EUA e na trajetória do próprio Elvis. O pai daquele garoto nascido em Tupelo, que adotaria Memphis (e lá construiria sua mirabolante Graceland) tivera problemas com cheques sem fundo e fora preso. Por isso, a família foi morar em bairro pobre. O menino cresceu junto a crianças negras, frequentou igrejas “colored” e ouviu coros gospel com seus cantos cheios de suingue, assistiu a cultos e transes religiosos afros. Mais tarde seria amigo de B.B. King (1925-2015), o rei do blues, nascidos ambos no Mississipi (King, em Berclair, nove anos antes de Elvis). O Blues Boy (B.B.) é interpretado no filme por Kelvin Arrson Jr., de “Os Sete de Chicago” e “A Batida Perfeita”.

A presença black destaca-se, ainda, no filme, com arrasadora performance do modelo Alton Mason, que recria Little Richard na dançante-eletrizante “Tutti Frutti”, e com Shonka Dukureh, que dá vida à poderosa Big Mama (Willie Mae Thornton), do hit acachapante “Hound Dog”.

Luhrmann fez de “Elvis” um forte candidato ao Oscar, um filme que soma vários gêneros — o musical, o drama, o documento de época, a tragédia histórica (as mortes de Martin Luther King, do senador Bob Kennedy) e o love story. Sim, a história de amor entre Elvis e a linda Priscilla, o grande amor do homem mais cobiçado e desejado do mundo. Por que não foram felizes para sempre, se se amavam tanto?

É originalíssimo o caminho tomado pelo filme ao abordar as razões da separação dos dois esposos-amantes. Quem separou Elvis de Priscilla não foi outra mulher, nem outro homem. Foi a fama, a indústria do sucesso infinito. Se mesmo esgotado, extenuado, uma injeção ajudava Elvis Presley a movimentar a noite da artificial Las Vegas, em Nevada, e seu espetáculo podia ser consumido, via satélite, por um bilhão de espectadores de cinco continentes, por que ele iria parar? Quanto mais sucesso fazia, mais sucesso queria fazer. Não há droga mais pesada que a fama. A mesma fama que viria cobrar seu preço no dia 16 de agosto de 1977. A morte o levou muito cedo. Ele tinha apenas 42 anos.

 

Elvis
EUA, 156 minutos, 2022
Direção: Baz Luhrmann
Roteiro: Baz Luhrmann, Sam Bromell, Craig Pearce e Jeremy Doner
Elenco: Tom Hanks, Austin Butler, Helen Thomson, Richard Roxburgh, Olivia DeJonge, Luke Bracey, Natasha Bassett, David Wenham, Kelvin Harrison Jr., Xavier Samuel, Kodi Smit-McPhee, Dacre Montgomery
Fotografia: Mandy Walker
Distribuição: Warner Bros. Pictures

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