O Rio de Janeiro de Ho Chi Minh

Por Maria do Rosário Caetano

“O Rio de Janeiro de Ho Chi Minh”, um híbrido de documentário e ficção dirigido pela carioca Claudia Mattos, chega aos cinemas nesta quinta-feira, 14 de julho, para evocar a misteriosa passagem “daquele que ilumina” pelo Brasil, no início do século XX. Sim, o líder revolucionário vietnamita passou pelo Rio de Janeiro, então capital federal, em 1912, em circunstâncias terríveis. Cozinheiro na tripulação de um navio, ficou doente e foi deixado em terra firme para curar-se (ou morrer). Caso se recuperasse, deveria encontrar um navio que o levasse de volta à França, metrópole colonial que dominava a Indochina, nome genérico da região onde nascera (hoje dividida em três países independentes, o Vietnã, o Laos e o Camboja).

Ho Chi Minh (1890-1969) tinha pouco mais de 21 anos, quando viveu sua breve aventura brasileira e chamava-se Nguyen Sinh Cung. No Rio, depois de curado, teria trabalhado como garçom para ganhar uns trocados e sobreviver até conseguir viabilizar seu regresso. Teria feito amizade com um líder sindical pernambucano, de nome José Leandro da Silva, também cozinheiro de grandes embarcações, que teria atuado na Revolta da Chibata, dois anos antes, liderada por João Candido, o Almirante Negro.

Quem quiser saber mais sobre o assunto deve ler reportagem no site “Jacobin”, na internet. O texto jacobínico baseia-se em fontes da Universidade de Hanói. Esta instituição confirma a breve temporada carioca de Ho Chi Minh (“aquele que ilumina”, pseudônimo que adotou ao abraçar a luta anticolonial contra franceses, japoneses e norte-americanos, marca de toda a sua vida). O estadista vietnamita referiu-se a tal temporada em seus escritos e também em seus “Poemas do Cárcere”.

Como transformar passagem tão misteriosa e pouco documentada em um filme, ainda mais em um longa-metragem?

Claudia Mattos tomou o caminho mais livre possível. Primeiro, já no título, deixou claro que seu tema era o Rio de Janeiro de Ho Chi Minh. Ou seja, ia mostrar a cidade brasileira da segunda década do século XX, aquela que ambientou a Revolta a Chibata, viu florescer a Pequena África lá pelos lados da Gamboa e teve no terreiro de Tia Ciata matriz do samba nascido na Bahia e naturalizado carioca.

Para tanto, a cineasta — na origem, pesquisadora, PhD em Comunicação e Cultura pela UFRJ — criou personagens ficcionais. Transformou o embarcadiço-cozinheiro José Leandro da Silva em Faca Cega, um líder sindical dos mais descolados, negro cheio de ginga e muitas atitudes, avô de Pilar (interpretado pelo cineasta Luiz Antônio Pilar). É do embate entre o igualmente descolado e intrépido Pilar e a diretora que o filme vai se materializando. Com eles atuam dois técnicos (Vilson Almeida, no som, e Daniel Leite, na fotografia, muito bonita e colorida). O quarteto constrói a parte metalinguística do filme. “O Rio de Janeiro de Ho Chi Minh” é narrado por Luiz Antônio Pilar, que tem atuado na TV e no cinema, como diretor e diretor-assistente (fez muitos trabalhos com Walter Avancini). Lea Garcia também participa da trama. Ela e uma dezena pessoas, maioria formada de estudiosos da história do Rio dos princípios do século XX e, em especial, de sua forte vertente afro-brasileira (Haroldo Costa, entre outros). Na parte ficcional, Claudia recorre a uma prostituta francesa de cabelos vermelhos, de nome Charlotte (Lígia Veiga) e à negra Maria Fortunata (Jaqueline Coreia).

Alguns momentos atingem ótimo resultado. Principalmente nas parte em que são utilizados filmes documentais ou trechos das ficções de Charles Chaplin. Estas combinam muito bem com o tom bem-humorado que o filme busca. Em outros, a busca pelo humor a qualquer custo soa excessiva e nada acrescenta. E, o que é mais grave, não tem graça nenhuma e distancia-se do tema em questão (o Rio de Janeiro que Ho Chi Minh visitou).

Nada contra a hipertrofia dada ao avô de Pilar, o descolado Faca Cega, nem a seu neto, pois sabemos que “aquele que ilumina” é utilizado apenas como pretexto do filme para revisitarmos um Rio que se formava-fertilizava culturalmente na Pequena Ática e em torno das noitadas de samba na casa de Tia Ciata. Mas, mesmo que o brasileiro seja exagerado e goste de puxar a sardinha para sua lata, soa por demais pueril dizer que foi Faca Cega quem politizou o futuro Ho Chi Minh, o heróico (embora miúdo) guerreiro que ajudaria a libertar seu país do jugo colonial.

Um texto mais irônico e menos tonto resultaria bem mais divertido. E menos apelativo. Para falar do Rio de Janeiro do tempo de Ho Chi Min, não é necessário evocar todas as glórias da cidade maravilhosa contemporânea. Caso do futebol. Em 1912, o esporte bretão engatinhava no Brasil. Só se tornaria paixão nacional décadas depois. E paixão febril, nos anos 50, 60 e 70. A metáfora utilizada por Ho Chi Minh, que recorreu a expressão futebolística em negociação política, deve ter se dado nas décadas finais de sua vida. Que aliás, terminou antes do triunfo dos vietcongs comandos pelo General Vo Nguyen Giap (1911-2013). A Guerra do Vietnã só findaria com a rendição estadunidense alguns anos depois da morte “Daquele que Ilumina”.

 

O Rio de Janeiro de Ho Chi Minh
Brasil, 93 minutos, 2022
Direção: Claudia Mattos
Elenco: Luiz Antonio Pilar, Lea Garcia, Lígia Veiga, Jaqueline Correia, Tawa Chi Chan
Entrevistados: Humberto Jansen (Humberto Jansen) Flávio Mattos (Ammar Rafeh) Ana Chagas (Isabelle Maristani) Alessandra Tavares (Alessandra Tavares) Samuel Cruz (Miguel dos Santos) Josias Duarte (Jacques Hassan) Haroldo Costa (Haroldo Costa) Gracy Moreira (Gracy Moreira) Lea Garcia (Lea Garcia) Júlia Lindberg (Júlia Lindberg) Ary Passos (Ary Passos) José Luiz Ribeiro (José Luiz Ribeiro) Vuong Thanh Nguyen (Vuong Thanh Nguyen) Dilene Nascimento (Dilene Nascimento)
Fotografia: Daniel Leite
Making of: Luiz Antonio Pilar
Produção: Moviola Filmes
Distribuição: Pipa Pictures

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