Bárbara Cariry soma tradição e modernidade no road movie “Pequenos Guerreiros”

Foto: © Priscila Smiths

Por Maria do Rosário Caetano

A jovem produtora Bárbara Cariry, presente nos créditos de filmes como “Os Pobres Diabos”, “Mãe e Filha” e “Sertânia”, este de Geraldo Sarno, lança nos cinemas, nessa quinta-feira, primeiro de dezembro, seu longa-metragem de estreia, o infanto-juvenil “Pequenos Guerreiros”.

Integrante da mais ativa família cinematográfica do Ceará – os Cariry, ao lado do pai, Rosemberg, do irmão Petrus, e da mãe Teta Maia –, Bárbara vive para o cinema desde a infância. Até interpretou a cangaceira Dadá quando menina, em “Corisco & Dadá”.

Para seu longa de estreia, ela escreveu o roteiro em parceria com Rosemberg Cariry, nascido, como o nome artístico indica, na região outrira povoada pelos índios Cariri. E convocou o irmão para as funções de diretor de fotografia (na qual ele é craque) e para montar o filme (com ela). Petrus Cariry, do tocante “O Grão”, ainda deu palpites no design de som, assinado com muita vitalidade por Érico Paiva.

A fotografia deste road movie ensolarado é exuberante. E a narrativa consegue dosar tradição e modernidade em boas e equilibradas medidas. O filme só peca por certo didatismo. Bárbara, nascida na capital cearense, sempre frequentou, quando criança e adolescente, as festas populares do Cariri cearense. Ela confessa adorar reisados, cantorias e festejos santificados. Ninguém pense, por isso, que vai assistir a um filme infanto-juvenil na linha “pau e corda”, daqueles antigões, que em plena era cibernética teimam em defender um Brasil rural, atado a tradições folclóricas (como se isso fosse possível em tempos de Instagram e Tik-tok).

A trama de “Pequenos Guerreiros” é simples e envolvente. A começar pela inversão que promove – seus protagonistas saem do litoral rumo ao sertão. Ou seja, fazem o percurso inverso ao dos glauberianos Manuel e Rosa, em “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Num jipe velho, a garotada parte, feliz, rumo à mística Barbalha, uma das capitais religiosas do Ceará.

A trupe passará por Quixadá, “terra do ETs”, por Santana do Cariri e seu vale dos dinossauros, e por Juazeiro, no Crato, com sua imensa estátua do Padre Cícero. E chegará aos penitentes de Barbalha. Mas não fará proselitismo religioso.

O que interessa à diretora, neste que é o vigésimo longa-metragem do clã cearense (13 dirigidos por Rosemberg, seis por Petrus e este por Bárbara) é mostrar três crianças conhecendo o Brasil profundo (e místico) durante divertido passeio com os pais.

Livre de passadismo nostálgico, com orçamento modesto, Bárbara Cariry começa sua narrativa na casa do pescador Cosme (Bruno Goya) e de sua mulher Maria (Georgina de Castro). Os dois relembram “sonhos sonhados” muito semelhantes. Tais sonhos – concluem — trazem (sinalizam) uma obrigação: pagar promessa, em devoção a Santo Antônio, na Festa do Pau da Bandeira, em Barbalha. Por isso, avisam ao filho pequeno, Benedito (Juan de Calado), que partirão rumo ao sertão. Levam juntos os sobrinhos Bruna (Lara Ferreira) e o encapetado Matheuzinho (Daniel Almeida), louco por ETs e super-heróis.

A viagem será feita com poucos recursos financeiros (afinal o pai é um pescador artesanal) e num veículo caindo ao pedaços. Para conseguir autorização da professora dos meninos, ou seja, a dispensa de alguns dias de aula, Dona Maria se compromete: eles cumprirão tarefa escolar produzindo detalhado relato da viagem a ser apresentado, quando retornarem, aos colegas de classe.

Pelos caminhos diversificados — afinal trata-se de um road movie —, o velho jipe sofrerá avarias, prolongando a viagem e divertindo os meninos. Eles estão, afinal, conhecendo novas paisagens e pessoas. Terão a oportunidade de dialogar com o ET de Quixadá, de ver os dinossauros de Santana do Cariri (levarão, até, um bom susto num museu às escuras), conhecerão artistas populares, grupos mascarados, figuras ancestrais. Conhecerão, também, um cinema em fase de degradação avançada (seria esta a única marca nostálgica do filme?). Em Barbalha, a câmara de Petrus Cariry registrará poderosas imagens de imensa multidão de fieis carregando (e erguendo) gigantesco e pesado pau da Bandeira, que se transformará em mastro para a imagem do Santo.

A família Cariry tem grande familiaridade com a fé religiosa dos sertanejos, porque, além de frequentar centenas de festejos sacros, realizou documentários sobre a Irmandade dos Penitentes da Cruz, confraria atuante no Sítio de Cabaceiras, parte do complexo Barbalha-Crato-Juazeiro do Norte.

A se destacar, em “Pequenos Guerreiros”, presença afro-brasileira em papéis de destaque. Já não se fazem mais, no Brasil, país com imensa população de origem africana, filmes só com protagonistas brancos. Nossa diversidade étnica vai ocupando as telas. Embora isso aconteça tardia e lentamente, o procedimento veio para ficar. Lembremos que nosso representante a uma vaga no Oscar internacional, “Marte Um”, do mineiro Gabriel Martins, tem elenco 100% black.

“Pequenos Guerreiros” iniciou sua trajetória pública no Cine Ceará 2021, quando foi visto por centenas de crianças em idade escolar e muito aplaudido ao final. Depois percorreu diversos festivais brasileiros e alguns internacionais (Children’s Film Festival Seattle foi um deles). Agora, encerra seu ciclo festivaleiro na competição Sob o Céu Nordestino, no Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro, em João Pessoa-PB (primeiro a sete de dezembro).

A montagem de “Pequenos Guerreiros” é ágil e enxuta (condensada em 74 minutos), a trilha sonora vigorosa (de João Victor Barroso), a engenharia de som das mais vibrantes (de Érico Paiva). Estamos diante de um título infanto-juvenil, que chega para agregar-se à nossa parca produção de qualidade (neste segmento). Contam-se nos dedos os longas-metragens não-derivados de programas de TV ou de personagens da história em quadrinhos. Mesmo que neste veio destaquem-se os ótimos “Meninos Maluquinhos” (os de Ratton e o de Meirelles-Fabrícia) e “Castelo Rá-Tim-Bum” (Cao Hamburger). Mas a praia (ou o sertão) de “Pequenos Guerreiros” tem a mais a ver com “A Dança dos Bonecos” e “Pequenas Histórias”, ambos de Ratton, “O Cavalinho Azul” (Eduardo Escorel), “Curumin” (Plácido Campos Jr), “O Menino e o Espelho” (Guilherme Fiuza Zenha) e “Pluft, o Fantasminha” (Rosane Svartman). Sem esquecer animações como o finalista ao Oscar “O Menino e o Mundo” (Alê Abreu) e “Tarsilinha” (Célia Catunda e Kiko Mistrorigo).

 

Pequenos Guerreiros
Brasil, 2022, 74 minutos
Direção: Bárbara Cariry
Elenco: Georgina de Castro, Bruno Goya, Juan Calado, Lara Ferreira e Daniel Almeida
Fotografia: Petrus Cariry
Direção de arte: Sérgio Silveira
Trilha sonora: João Victor Barroso
Mixagem e desenho de som: Érico Paiva

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