Cinema brasileiro ocupa apenas 1,9% no market share, pior taxa desde a Era Collor

Por Maria do Rosário Caetano, de João Pessoa

O cineasta, gestor cultural e professor universitário Alfredo Manevy (foto) anunciou, com sua serenidade costumeira, a “trágica herança” da Era Bolsonaro para o cinema brasileiro: “nosso market share (taxa de ocupação do mercado exibidor) foi a mais baixa de nossa história, desde que Getúlio Vargas criou a cota de tela para a produção nacional”. “Míseros 1,9%”. E repetiu: “um vírgula nove por cento!”

Se não bastasse dado tão aterrador, Manevy — que debatia seu primeiro longa-metragem, “Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor”, com o público do Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro — prosseguiu: “pela primeira vez em mais de cem anos de história cinematográfica, vimos o mecanismo da ‘cota de tela’ desrespeitado com apoio total do Governo Bolsonaro”. E isto aconteceu “porque um de nossos colegiados, o Conselho Nacional de Cinema, criado para defender a produção brasileira, foi entregue aos representantes dos interesses internacionais”.

Para melhor situar a gravidade do momento vivido neste crepúsculo do Governo Bolsonaro, Alfredo Manevy lançou mão de eloquente comparação: “aconteceu no CNC algo que encontraria similar se o Governo dos EUA convocasse representantes do agronegócio brasileiro a integrar órgão voltado à definição de políticas para a agricultura norte-americana”.

O cineasta, que é doutor em Cinema pela USP e professor da Universidade Federal de Santa Catarina, fez questão de lembrar que, durante o breve Governo Collor, a produção brasileira ocupou menos de 1% (um por cento) de seu mercado interno, porque “não havia filmes para exibir” (com média de 80 longas-metragens/ano, a produção reduziu-se a cinco ou seis títulos).

Com a Embrafilme e o Concine desmantelados no primeiro dia da gestão Collor (15 de março de 1990), o desemprego grassou entre os profissionais de cinema e os festivais passaram a caçar filmes a laço. Gramado foi obrigado a abandonar competição 100% brasileira e a assumir recorte latino, depois ibero-americano.

“No momento presente” — ponderou Manevy — “temos mais de uma centena de filmes realizados, muitos deles premiados em festivais nacionais e internacionais. E não temos telas disponíveis para exibi-los”. A principal causa da insignificante taxa de ocupação (market share de 1,9%) seria “o pacto do governo neoliberal de Bolsonaro com representantes do capital internacional”. Os mesmos que impediram a criação de impostos e cotas para poderosas redes de streaming, desobrigadas de exibir produção audiovisual brasileira (tal cota existe para emissoras de TV por assinatura).

Na Era Geisel (1974-1979), o cinema brasileiro chegou a ocupar um terço de seu mercado interno. Sucessos como “Dona Flor e seus Dois Maridos”, “A Dama do Lotação”, o ciclo dos filmes dos Trapalhões e das pornochanchadas garantiram até 35% de market share. Algo só verificável em países como a Índia (maior produtor de cinema do mundo em termos quantitativos), China (que detém 90% de seu mercado interno), França (zelosa de seu cinema ao longo de décadas) e Coreia do Sul (potência cinematográfica nos tempos atuais).

Depois do desmonte promovido pelo Governo Collor (1990-1992), o cinema brasileiro começou, com muitas dificuldades, a reconquistar seu público. As taxas de ocupação subiram para cinco, dez, quinze até, em 2003, atingir 21% (ano de “Carandiru”, “Lisbela e o Prisioneiro”, “Os Normais”, etc.).

Depois, “2 Filhos de Francisco”, “Se Eu Fosse Você 1 e 2”, “De Pernas pro Ar 1, 2 e 3”, dois filmes espíritas (“Nosso Lar” e “Chico Xavier”), “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles, e principalmente “Tropa de Elite 2” continuaram mobilizando milhares de espectadores (este último vendeu mais de 11 milhões de ingressos).

Nos últimos anos, surgiu o fenômeno Paulo Gustavo. Encarnado na carismática Dona Hermínia, mãe possessiva, o ator arrasou nas bilheterias. Seus três “Minha Mãe é Uma Peça” começaram com quatro milhões de espectadores e chegaram a atingir 9,5 milhões de brasileiros. Mas Paulo Gustavo morreu, vítima de Covid, aos 42 anos e no auge de suas potencialidades criativas. O cinema brasileiro viu-se privado de sua “galinha dos ovos de ouro”.

Alfredo Manevy tem razão em citar a “herança maldita” do Governo Bolsonaro como principal causa da brutal diminuição da taxa de ocupação do próprio mercado cinematográfico. Mas a epidemia da Covid 19, somada às imensas transformações trazidas pelas novas tecnologias (o streaming, com sua avassaladora oferta de filmes no espaço doméstico) e a perda de Paulo Gustavo têm, obrigatoriamente, de ser levados em conta.

Por mais que o futuro Governo Lula apoie políticas públicas de fomento à produção, distribuição e exibição de filmes brasileiros, a reconquista do público será tarefa das mais árduas e complexas. Afinal — vale lembrar —, em 2020, graças ao imenso sucesso de “Minha Mãe é Uma Peça 3” (com seus 9,5 milhões de ingressos), a produção nacional chegou à significativa taxa de 23,3% de ocupação de seu mercado interno.

MARKE SHARE DO CINEMA BRASILEIRO

2022……..1,9%
2021………pandemia com cinemas fechados
2020……..23,3% (“Minha Mãe é Uma Peça 3”)
2019………13,6%
2010………19%
2009………14,28
2008………10,16%
2003………21,4%
1993……….quase nula (3 lançamentos)
1992……….quase nula (2 lançamentos)
Anos 70…..chegou a 35%

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