Globo de Ouro premia Spielberg, comédia de humor negro irlandesa e “Argentina 1985”

Por Maria do Rosário Caetano

“Os Fabelmans” (foto acima), drama memorialístico de Steven Spielberg; “Os Banshees de Inisherin”, comédia de humor negro do britânico Martin McDonagh; “Argentina 1985”, acerto de contas jurídico de Santiago Mitre com tempos ditatoriais, e a animação “Pinocchio”, do mexicano Guillermo del Toro, foram os vencedores da octogésima festa do Globo de Ouro, promoção anual da Associação dos Correspondentes Estrangeiros em Hollywood.

Estas são algumas das mais cobiçadas categorias do prêmio da Imprensa, que antecede o Oscar e sonha pautar a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Só brancos foram agraciados. Dois anglo-saxões (Spielberg e McDonagh) e dois latinos (Mitre e Del Toro). Verdade que, para os padrões Wasp, latinos são “moreninhos”, não brancos. Para Hollywood, Antonio Banderas, filho de espanhóis e com sangue árabe (pois nascido em Málaga, na Andaluzia), quando disputa algum prêmio, cumpre cota de minorias. Isso, na capital planetária do cinema.

Voltando ao Globo de Ouro: depois de críticas pesadas e desafiadoras, a Associação dos Correspondentes Estrangeiros resolveu mostrar serviço. Prestar atenção nos afro-americanos, asiáticos e latinos. Principalmente atores. Seja de cinema ou de TV. Caso de Angela Bassett (melhor coadjuvante, por “Pantera Negra, Wakanda para Sempre”), os asiáticos Michelle Yeoh, melhor atriz de comédia-musical, e Ke Huy Quan, melhor coadjuvante, ambos por “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”.

No terreno da TV, coube a Zendaya o Globo de Ouro de melhor atriz de série dramática (“Euphoria”), a Quinta Brunson, melhor atriz, e Tyler James Williams, ator coadjuvante, ambos por “Abbott Elementary”, série black, aliás, escolhida como a melhor do gênero comédia ou musical.

E mais: atribuiu-se o Prêmio Cecil B. DeMille ao ator e produtor Eddie Murphy. E um troféu destacou os compositores indianos M.M.Keeravaani, Rahul Sipligunj e Kaala Bhairava, pela melhor canção (“Naatu, Naatu”) de “R.R.R. Revolta, Rebelião, Revolução”. Houve o reconhecimento ao mexicano (radicado nos EUA) Guillermo del Toro e a seu encantador-e-perturbador “Pinocchio” e ao longa argentino de Santiago Mitre (“Argentina 1985”), que derrotou pesos-pesados como “Nada de Novo no Front” (Alemanha), “Decisão de Partir” (Coréia do Sul), “R.R.R.” (Índia) e “Close” (Bélgica).

Os Correspondentes Estrangeiros começam a abrir, ainda que modestamente e tardiamente (são 80 edições!), os olhos para o mundo que cerca Hollywood. Nascidos fora dos EUA, eles continuam apegadíssimos à Meca do Cinema. Nunca premiaram – como já fez o também auto-centrado Oscar – filmes estrangeiros (o puro-sangue “Parasita”, de Bong Joon-ho, e o francês “O Artista”, de Michel Hazanavicius). Nunca pensaram em trocar as obsoletas categorias “dramas” e “comédias e-ou musicais” por uma lista de dez filmes procedentes de variadas geografias, dando ao Globo de Ouro o cosmopolitismo dos festivais de Cannes, Veneza e Berlim.

O cinema é uma linguagem cada vez mais híbrida. Narrativas se inseminam, fronteiras se tornam tênues. Assim sendo ressurge pergunta que não quer calar – quando a Associação dos Correspondentes Estrangeiros em Hollywood descobrirá o documentário, reconhecida força renovadora do cinema planetário?

É tão arraigada a ideia do cinema clássico produzido na Hollywood da era de ouro (com seus dramas, comédias e musicais) na mentalidade estruturante do Globo de Ouro, que seus responsáveis, oito décadas depois, não ousam (conseguem) mudar.

Além de abrir-se às minorias invisibilizadas historicamente, os Correspondentes Estrangeiros precisam levar um choque de inovação e repensar sua concepção do audiovisual. Contam-se nos dedos os filmes vindos da Europa, Ásia e América Latina em sua lista de premiados neste ano de 2023.

Os principais Globo de Ouro – melhor drama para “Os Fabelmans”, de Spielberg, também eleito o melhor diretor, e melhor comédia ou musical para “Inisherin”, de McDonagh – eram esperados.

O menino de ouro de Hollywood (nascido em Cincinnatti, Ohio, em 1946), tantas vezes indicado e laureado pelo Oscar e pelo Globo de Ouro, assume, pela primeira vez, narrativa autobiográfica. “Os Falbemans”, que ele escreveu com o dramaturgo Tony Kushner, traz, explicitamente, uma parte de sua vida. A infância e a adolescência, períodos em que se formou nele a devoção pelo cinema e por mestres como John Ford.

Trigésimo-terceiro longa do prolífico Spielberg (que soma 183 produções suas ou alheias em seu currículo), “Os Fabelmans” estreia nessa quinta-feira, 12 de janeiro, nos cinemas brasileiros. E dia 24 próximo, quando serão anunciados os finalistas ao Oscar número 95, deve ocupar importantes posições em diversas categorias. Inclusive a de melhor filme.

O prêmio para o britânico “Os Banshees de Inisherin” era fava contada. Ele somou três Globo de Ouro (melhor comédia, ator protagonista e roteiro). O londrino Martin McDonagh, de 52 anos, chamou atenção do público com “Na Mira do Chefe” (“In Bruges”, 2008), história de dois assassinos de aluguel escondidos na belíssima, pacata e medieval cidade belga de Bruges. Os protagonistas eram o veterano Brendan Gleeson e o novato Colin Farell.

Os Banshees de Inisherin

Dez anos depois, McDonagh causou sensação com o potente “Três Anúncios para um Crime”, ambientado nas entranhas geográficas dos EUA e protagonizado por uma mãe coragem (Frances McDormand), disposta a tudo para que o assassinato de sua filha fosse esclarecido e punido. Em 2018, conquistou o Globo de Ouro de obra dramática e três Oscar (melhor filme, atriz protagonista e ator coadjuvante).

“Ishnerin” é uma comédia de humor negro, gênero muito apreciado por McDonagh, dramaturgo já laureado com o Prêmio Lawrence Olivier. Sua trama se desenvolve numa ilha remota, durante a Guerra Civil Irlandesa (1919-1921). Seus protagonistas são dois amigos do peito (os mesmos Brendan Gleeson, na pele do veterano Colm Doherty, e Colin Farell, como Pádraic Súilleabháin, já maduro, pois o galã de “In Bruges” tem hoje 46 anos). Um dia, sem mais nem menos, a amizade dos dois ilhéus se rompe.

O diretor e roteirista de “Os Banshees de Inisherin” constrói uma parábola sobre a tragédia de um país, que viu amigos (até irmãos) separados em guerra fratricida (que recrudesceria em novos conflitos de 1968 a 1998). A ponto da pequena Irlanda ser dividida em país de população hegemonicamente protestante, chamado Irlanda do Norte, ainda hoje integrante do Reino Unido, com 15% do território gaélico. E outro, bem maior, a República da Irlanda (ao sul, com significativa população católica e 85% do território).

Com sutileza, humor finíssimo e desempenhos formidáveis dos irlandeses Gleeson e Farrell (conhecedores do inglês e do gaélico), a trama vai se construindo.               Curiosamente, com maioria absoluta de personagens assexuados (só um jovem, secundário na trama, tem libido no novo filme de McDonagh). Um diretor latino (francês e italiano, em especial, pensemos em Bertolucci!) jamais criaria um protagonista na idade de Pádraic Súilleabháin (quarentão), que não dá a mínima para sua sexualidade.

Confira os premiados:

CINEMA

. “Os Fabelmans”, de Steven Spielberg – melhor drama e melhor diretor
. “Os Banshees de Inisherin”, de Martin McDonagh – melhor filme comédia ou musical, melhor ator (Colin Farrell) e melhor roteiro (Martin McDonagh)
. “Tár”, de Todd Field – melhor atriz de drama (Cate Blanchett)
. “Elvis”, de Baz Luhrmann – melhor ator de drama (Austin Butler)
. “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, de Daniel Kwan e Daniel Schnert – melhor protagonista (Michelle Yeoh) e melhor coajuvante (Ke Huy Quan) em comédia ou musical
. “Pinocchio”, de Guillermo del Toro – melhor animação
. “Argentina 1985”, de Santiago Mitre (Argentina) – melhor filme em língua estrangeira
. “Pantera Negra – Wakanda para Sempre”, de Ryan Coogler – melhor coadjuvante (Angela Bassett)
. “RRR: Revolta, Rebelião, Revolução”, de S.S. Rajamouli (Índia) – melhor canção: “Naatu Naatu”, de M.M. Keeravaani, Rahul Sipligunj e Kaala Bhairava.
. “Babilônia”, de Damien Chazelle – melhor trilha sonora (Justin Hurwitz)
. Prêmio Cecil B. DeMille para o ator e produtor Eddie Murph

TELEVISÃO

. “Abbott Elementary” – melhor série comédia ou musical, melhor atriz (Quinta Brunson) e melhor ator coadjuvante (Tyler James Williams)
. “The White Lotus” – melhor minissérie ou filme para TV, melhor atriz coadjuvante (Jennifer Coolidge)
. “A Casa do Dragão” – melhor série dramática
. “Euphoria”: melhor atriz dramática (Zendaya)
. “Yellowstone” – melhor ator de drama (Kevin Costner)
. “O Urso” – melhor ator de comédia ou musical (Jeremy Allen White)
. “The Dropout” – melhor atriz de minissérie ou filme para TV (Amanda Seyfried)
. “Ozark” – melhor atriz coadjuvante (Julia Garner)
. “Black Bird” – melhor ator coadjuvante de minissérie ou filme para TV (Paul Walter Hauser)
. Prêmio Carol Burnett a Realizadores de TV: para Ryan Murphy

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