Marcelo Adnet mergulha “Nas Ondas da Fé” sem estigmatizar evangélicos

Por Maria do Rosário Caetano

A comédia “Nas Ondas da Fé”, dirigida por Felipe Joffily e protagonizada por Marcelo Adnet, chega aos cinemas nessa quinta-feira, 12 de janeiro, depois de longa espera. Realizado em 2018, o filme, que tem uma emissora de rádio gospel como principal cenário e o virador Hickson e sua bela esposa (Letícia Lima) no comando da ação, aguardou o fim da pandemia à espera de dias melhores.

Tais dias ainda não chegaram para o cinema brasileiro, mas sua distribuidora, a Imagem, promete mesmo assim colocar de 500 a 600 cópias da comédia adnetiana nos cinemas.

O filme tem cacife para chegar ao milhão de espectadores? Só o tempo dirá.

“Nas Ondas da Fé”, título de grande eficiência por somar rádio e religião e dizer a que veio, substitui o vago “Pulo do Gato”, primeira denominação dada ao roteiro escrito pelo próprio Adnet, em parceria com Lusa Silvestre (de “Estômago”, “Mundo Cão”, “A Glória e a Graça”).

A soma de ideias e humores dos dois roteiristas resultou em narrativa enxuta e com bons momentos. Hickson, um suburbano comum, casou-se com o amor de infância, Jéssika, cabeleireira gospel. Ele vive de bicos. Conserta computadores de velhinhas sem nenhuma familiaridade com a internet e usa seu carro para transmitir “mensagens sonoras” (aniversários, pedidos de casamento e o que mais for solicitado). Nem sempre suas telemensagens dão certo. Algumas até lhe rendem a urgente necessidade de fuga, para evitar safanões.

Hickson tem um sonho: ser locutor de rádio, pois sabe explorar seus recursos vocais. Um dia, a esposa o apresenta ao Pastor Adriano (Thelmo Fernandes), que não é dos mais bem-sucedidos em seu ofício religioso, mas mostra-se dos mais descolados no item relações públicas. Tem ótimas conexões, principalmente na emissora Nas Ondas da Fé. E, lá, outro Pastor (Otávio Müller) empregará Hickson, só que em função modestíssima (pouco mais que um office-boy).

Uma falha técnica na aparelhagem da emissora levará o “consertador de computadores” a ser convocado a encontrar pronta solução. Ao microfone, Hickson faz um “teste” não previsto. Deita falação e convoca os ouvintes-fiéis a enviarem notas de R$2,00, aquelas bem velhinhas e sebentas à emissora.

Resultado: as velhas notas começam a chegar em quantidades cada vez mais estimulantes. O marido de Jéssica, a cabeleireira, cai nas graças dos pastores da Igreja Internacional dos 12 Apóstolos. Ele acabará promovido a pastor de almas e pregador radiofônico.

O que veremos daí em diante, ao longo de sintéticos 88 minutos, soma boas ideias e outras nem-tanto. Claro que o filme é bem melhor que 80% das comédias comerciais brasileiras. Adnet é talentoso e deseja ir além do mero entretenimento. Quer que o espectador reflita sobre tema candente como a manipulação da fé, empreendida por religiosos, aqueles sem escrúpulos e em busca de proveito individual da crença alheia.

O filme também se preocupa com a espetacularização da fé, ou seja, com pregações escoradas em retórica sedutora, verdadeiras “pegadinhas” religiosas. Mas Adnet, Lusa e o diretor Joffily fogem da estigmatização dos evangélicos. A intenção de não ferir o público gospel acaba por tirar a força do filme, principalmente na segunda parte. Impede o aprofundamento e complexidade do tema.

Adnet, que estreou no cinema, 15 anos atrás, como intérprete do instigante Tavico de “Podescrer!”, filme juvenil de Arthur Fontes, ainda não encontrou um papel e um filme à altura de suas potencialidades. Em compensação, conheceu o sucesso comercial como integrante dos elencos de “Muita Calma nessa Hora”, no qual representou Augusto Henrique (1,5 milhão de espectadores) e principalmente na pele de Marco Polo Azevedo, em “Os Penetras”. O filme de Andrucha Waddington vendeu 2,6 milhões de ingressos em 2012 e, três anos depois, ganhou uma sequência (“Os Penetras 2 – Quem Dá Mais?”). Só que a sequência não repetiu o sucesso comercial do original.

“Nas Ondas da Fé” é o filme mais empenhado de Marcelo Adnet. Mobilizou-o na escritura do roteiro, no protagonismo e até na produção. Aponta um bom caminho. Que venham projetos futuros, capazes de valorizar sua verve humorística e desejo de realizar comédia inteligente como “Marvada Carne”, “O Auto da Compadecida”, “Saneamento Básico”, “Opaió” e, por que não?, “Os Saltimbancos Trapalhões” e “Minha Mãe é uma Peça 2”.

 

Nas Ondas da Fé
Brasil, 88 minutos, 2018-2023
Direção: Felipe Joffily
Roteiro: Marcelo Adnet e Lusa Silvestre
Elenco: Marcelo Adnet, Letícia Lima, Thelmo Fernandes, Tonico Pereira, Otávio Müller, Marcos Veras, Roberta Rodrigues, Márcio Vito, Stepan Nercessian, Orã Figueiredo, Bloco Afrojazz, Nando Cunha, Débora Lann, Ernane Moraes, Eduardo Sterblitch, Gregório Duvivier.
Produção Executiva: Augusto Casé
Distribuição: Imagem Filmes

 

FILMOGRAFIA
Felipe Joffily (Rio de Janeiro/RJ – 27 de abril de 1974)

2004 – “Odiquê”
2010 – “Muita Calma Nessa Hora”
2012 – “E Aí…Comeu?”
2014 – “Os Cara de Pau em O Misterioso Roubo do Anel”
2014 – “Muita Calma Nessa Hora 2”
2023 – “Minha Família Perfeita”
2018-2003 – “Nas Ondas da Fé”
2023 – “Fervo” (ex-Assombro”)

Marcelo Adnet (Rio de Janeiro/RJ, 14 de setembro de 1981)
Ator, roteirista, imitador, compositor de samba-enredo

2007 – “Podecrer!”, de Arthur Fontes
2007 – “Xuxa em Sonho de Menina”, de Rudi Lageman
2008 – “Polaroides Urbanas”, de Miguel Falabella
2009 – “Apenas o Fim”, de Matheus Souza
2009 – “A Mulher Invisível”, de Cláudio Torres
2010 – “Muita Calma nessa Hora”, de Felipe Joffily
2011 – “Onde Está a Felicidade?”, de Carlos Alberto Riccelli
2012 – “Diário da Tati”, de Mauro Faria
2022 – “As Aventuras de Agamenon, o Repórter”, de Victor Lopes
2012 – “Os Penetras”, de Andrucha Waddington
2012 – “Heleno”, de José Henrique Fonseca
2014 – “Muita Calma Nessa Hora 2”, de Felipe Joffily
2016 – “Tô Ryca”, de Pedro Antônio
2017 – “Os Penetras 2 – Quem Dá Mais?”, de Andrucha Waddington
2022 – “Nas Ondas da Fé”, de Felipe Joffily

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