Alê Abreu chega aos cinemas com “Perlimps”, seu terceiro longa

Por Maria do Rosário Caetano

Poucos brasileiros chegaram à condição de finalista ao Oscar em categoria de peso. Um deles foi o paulistano Alê Abreu, de 51 anos. Em 2016, ele disputou a estatueta dourada de melhor longa de animação com “O Menino e o Mundo”. Um filme encantador, que venceu 46 prêmios nacionais e internacionais. Começou com a láurea máxima (Troféu Cristal) no Festival de Annecy, meca francesa do cinema animado, e prosseguiu com o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (Troféu Grande Otelo), com o Platino ibero-americano, venceu o Festival de Havana, a Monstra Lisboa e o Annie Awards, o “Oscar” independente, nos EUA.

Foram necessários mais seis ou sete anos para que o realizador voltasse aos cinemas. O terceiro longa-metragem de Alê, “Perlimps”, que nasceu com o poético título de “Viajantes do Bosque Encantado”, estreia nessa quinta-feira, nove de fevereiro.

Vale lembrar que “O Menino e o Mundo” foi vendido para 80 países e, no Brasil, mobilizou 50 mil espectadores. Nada mal para um filme artesanal, feito sem recorrer às tecnologias de última geração do cinema Disney ou dos filmes de James Cameron (“Avatar 1 e 2”).

“Perlimps” é de beleza arrebatadora, mas não traz a solidez do roteiro de “O Menino e o Mundo”. Neste – ao somar técnicas (desenho, colagem, computação gráfica e até inserções documentais com fragmentos de “Iracema – Uma Transa Amazônica”) – Alê Abreu escorou-se em personagem dos mais envolventes. Um menino cabeçudo, composto com traços minimalistas, capaz de encantar crianças e adultos. E romper fronteiras nos cinco continentes.

“O Menino e o Mundo” deu o bicampeonato ao Brasil, no Festival de Annecy. Antes dele, “Uma História de Amor e Fúria”, de Luiz Bolognesi, roteirista e diretor  devoto de Nossa Senhora do Contexto, havia ganho o Prêmio Cristal de melhor filme.

A premiação na meca da animação, por dois anos seguidos (2013 e 2014), colocou gás na bande dessinée (impressa e em movimento) brasileira. E solidificou a aproximação de Bolognesi, roteirista tarimbado (de filmes de Marco Bechis e de Laís Bodanzky), do inquieto Alê Abreu. A ponto da dupla Bolognesi-Laís assinar a produção de “Perlimps” (em parceria com Ernesto Soto Canny).

A trama deste terceiro longa de Abreu é menos complexa que a de “O Menino e o Mundo”.  Os dois personagens que a protagonizam têm características humanas somadas a atributos de bichos (raposa, lobo, urso). São eles os falantes agentes secretos Claé (voz de Lorenzo Tarantelli) e Bruô (voz de Giulia Bentiz, a Mônica dos filmes de Daniel Rezende). O veterano Stênio Garcia, de 90 anos, personifica, com seu vozeirão, o pássaro João de Barro, que nos introduz (de forma didática) em universo mágico e muito colorido.

No Bosque Encantado, os personagens, de natureza fantástica, de início, se apresentam como inimigos (um vem do reino do Sol, outro do reino da Lua). Eles serão compelidos a se unirem para enfrentar seres malignos, dedicados, full time, à guerra e ao extermínio da Natureza. Para cumprir tal missão, Claé e Bruô terão que superar suas diferenças e encontrar os Perlimps, criaturas misteriosas e conhecedoras do caminho da paz e da fraternidade.

O ambiente onde atuarão os dois agentes secretos está contaminado por forças destrutivas (como usinas hidrelétricas) e por máquinas de mineradoras que provocam desastres dos mais terríveis. Mais para o fim, quando as engrenagens-base do capitalismo selvagem se farão ainda mais visíveis, veremos tons mais sombrios tomar conta da tela.

A narrativa que parecia uma singela fábula ecológica, ensaia voos mais ousados. Vemos um território em convulsão, onde viceja o racismo e a exclusão social. Um mundo hiperdesenvolvido que se propunha, então, a separar o grande país do Norte, os EUA, de seu vizinho, o México, por imenso muro (trumpista).

A banda sonora ajuda a criar o clima desejado por Alê Abreu e traz a assinatura de André Horsoi (da trupe Barbatuques). O Grivo, grupo mineiro de imenso talento e credibilidade, também dá sua contribuição sonora a “Perlimps”. Uma canção – “Daqui prá Lá, de Lá prá Cá”, do Barbatuque – constitui-se como uma das peças de resistência do filme.

“Perlimps” estreou no segmento Événements Excepcionelles do Festival de Annecy. Duas semanas atrás, iniciou sua trajetória no circuito comercial francês e pode (ainda) ser vendido a outros mercados. Mas dificilmente chegará a tantos países quanto “O Menino e Mundo”. Seguirá como obra plástica (em movimento) de rara beleza, mas parece repetir a mesma sensação do curta-metragem “Espantalho”, que Alê levou a vários festivais brasileiros na década de 1990. Todos que assistiam ao filme elogiavam sua beleza, realmente magnetizante, mas diziam não ter entendido sua estória.

“O Menino e o Mundo”, falado em idioma ininteligível (nos moldes do ‘fonemol’ criado por Antunes Filho para a montagem teatral “Nova Velha Estória”, 1991), conseguiu dialogar com plateias do mundo inteiro. Tamanhos eram sua força e poder narrativos. Já “Perlimps”, falado em português (e dublado em outros países, pois destina-se, primordialmente, a crianças pequenas), não deve repetir o mesmo feito. Mesmo assim, confirma Alê Abreu como um dos grandes talentos da animação brasileira. Ele tem dom privilegiado para o desenho, noção de ritmo e capacidade de síntese. Só precisa investir mais na estória que quer contar.

 

Perlimps | Viajantes do Bosque Encantado
Brasil, 80 minutos, 2023
Direção: Alê Abreu
Produção: Buriti Filmes em co-produção com a Sony Pictures, Globo Filmes e Gloob
Distribuição: Vitrine Filmes

 

FILMOGRAFIA
Alê Abreu (São Paulo/SP, 6 de março de 1971)

Longas-metragens:

2023 – “Perlimps” (Viajantes do Bosque Encantado)
2014 – “O Menino e Mundo”
2008 – “Garoto Cósmico”

Curtas-metragens:

2011 – “Cuca no Jardim”
2007 – “Passo”
1998 – “Espantalho”
1993 – “Sírius”
1984 – “Memória de Elefante”

Série de TV:

2009 – “Vivi Vira Vento”

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