“A Garota Radiante” chega aos cinemas pronto para transformar-se em cult movie

Por Maria do Rosário Caetano

Um filme radiante. Sua protagonista, a jovem Irene, aspirante a atriz, é uma espécie de Antoine Doinel, o protagonista de “Beijos Proibidos” (“Baisers Volés”, Truffaut, 1968). Só que vestida de saia e inserida em outro tempo histórico – a França ocupada pelos nazistas.

Se Doinel foi imortalizado por Jean-Pierre Léaud, Irene ganha vida no corpo e gestos da encantadora Rebecca Mardes. Ela é a estrela absoluta de “A Garota Radiante” (“Une Fille qui Va Bien”), longa-metragem de estreia da atriz francesa Sandrine Kiberlain na direção.

“A Garota Radiante” chega aos cinemas brasileiros nessa quinta-feira, 30 de março, e deve ser fruído por todos que desejarem passar 98 minutos em estado de graça dentro de uma sala escura. Mas sem esquecer os males do mundo, pois o filme não é tolo, nem escapista. Sua diretora – e roteirista Sandrine Kiberlain fez questão de destacar esta função no cartaz! – usa da leveza para falar de seu ofício (a arte da representação) e da origem de seus avós (judaica). Ambientou seu filme no ano de 1942, quando um herói da Primeira Guerra, o Marechal Pétain, aliou-se a Hitler e fez da França uma extensão do sonho imperial nazista. Portanto, uma nação que perseguia os judeus.

A encantadora Irene é daquelas personagens que tomam conta de nossas retinas e nos oferecem momentos realmente radiantes, como indica o feliz título escolhido pelo distribuidor brasileiro. Aliás, melhor que o original (literalmente “Uma Moça que Vai Bem”). Quem há de resistir a uma breve sequência em que Irene chega atrasada para a ceia, enche o prato e cai na gargalhada com o irmão, como se estivesse num filme (um musical) de Jacques Demy?

“A Garota Radiante” é autobiográfico. Não no sentido convencional. Sandrine Kiberlain, de 55 anos – protagonista com o ex-marido Vincent Lindon, de 63, do cativante “Mademoiselle Chambon” (Stéphane Brizé, 2010) – nasceu em 1968. Portanto, décadas depois da ocupação da França pelos nazistas. Mas Irene é seu alterego. É uma jovem aspirante a atriz, que vai fazer exames para ingressar na escola de teatro, vive no seio de uma família judia e experimenta os primeiros amores. Seu coração se divide entre Gilbert (Jean Chevalier), meio careta, e o arrebatador Jacques (Cyril Metzger).

Dois filmes de François Truffaut parecem banhar as imagens amorosas de “A Garota Radiante”. Não literalmente, claro, mas em sentido evocativo (ou alusivo), pois impregnam nossa memória. 1. “Beijos Proibidos” e inesquecível sequência na qual Antoine Doinel se exercita ao espelho recitando o nome de “Christianne Tabard, Christiane Tabard”. Parece que Irene evoca, em estado de graça, o nome do amado: “Jacques… Tabard, Jacques… Tabard”. 2. “A Mulher do Lado”, pelo êxtase amoroso, naquele momento em que a personagem de Fanny Ardand desmaia nos braços proibidos de Gérard Depardieu.

A cineasta e roteirista Sandrine Kiberlain, atriz em filmes como “Amar, Beber e Cantar”, “Betty Fisher e Outras Histórias” e “Quando Margot Encontra Margot”, realizou um filme tão pessoal e livre, que ignorou convenções como figurinos, trilha sonora de época e, principalmente cenários históricos. Ninguém verá bandeiras nazistas tremulando ao lado da ultrajada drapeau bleu-blanc-rouge francesa. Nem suásticas nazi.

O que o filme capta é o perigo da intolerância. É a imposição de ideias autoritárias que chegam sorrateiramente e obrigam famílias – como a de Irene, seu irmão, o músico Igor (Anthony Bajon), seu pai (André Macron) e sua simpatissíssima e confidente avó (Francoise Widhoff) – a usarem triângulos em suas vestimentas. Tal símbolo os discriminará como “judeus”, lhes impondo restrições-privações (não usar telefone, não ouvir rádio etc). Sendo uma “raça inferior”, estariam, naquele trágico momento histórico, sujeitos a serem exterminados em campos de concentração, como milhões o foram.

O primeiro longa da atriz-diretora teve sua première na Semana da Crítica, no Festival de Cannes, dois anos atrás. Por causa da pandemia, “A Garota Radiante” demorou a chegar aos nossos cinemas. Antes tarde do que nunca. Chega em ótima hora. Que se transforme, pois, em um cult movie e lote nosso combalido circuito de arte. Tem tudo para isso. Inclusive uma atriz luminosa, que veio para ficar.

Sandrine Kiberlain garantiu aos jornais europeus que escolheu a jovem Rebecca Marder para protagonizar seu filme por vê-la como “uma mistura de Ingrid Bergman e Nastassja Kinski”, uma jovem capaz de amalgamar “humor e seriedade”. Tudo que a cineasta estreante necessitava. Sorte dos espectadores.

A Garota Radiante | Une Fille qui Va Bien
França, 2021, 98 minutos
Direção e roteiro: Sandrine Kiberlain
Elenco: Rebecca Marder, André Marcon, Anthony Bajon, Françoise Widhoff, India Hair, Jean Chevalier, Cyril Metzger
Fotografia: Guillaume Schiffman
Desenho de Produção: Katia Wyszkop
Trilha Sonora: Patrick Desremaux, Marc Marder
Montagem: François Gédigier
Distribuição: Pandora Filmes
Em cartaz nos cinemas de São Paulo, Rio de Janeiro, Aracaju, BH, Brasília, Curitiba, Niterói, Porto Alegre, Salvador e Santos.

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