Cinelimite exibe “Rainha Diaba” e “filmes órfãos” em mostra-seminário na Cinemateca Brasileira

Por Maria do Rosário Caetano

Filmes como o thriller-pop-gay “A Rainha Diaba” (foto acima), de Antônio Carlos da Fontoura, documentários de Helena Solberg, Eunice Gutman, Katia Mesel e Elisa Cabral, produções de Renato Tapajós, Roberto Gervitz e Claudio Kahns, realizações em Super-8 de Amin Stepple, curtas homoafetivos paraibanos, animações raras, entre outras obras digitalizadas em 4K e 2K, serão exibidos pela Cinemateca Brasileira a partir dessa sexta-feira, 19 de maio.

Os 40 filmes programados fazem parte do Projeto Cinelimite, criado ano passado para “promover o cinema clássico brasileiro e oferecer serviços de digitalização a filmes e cineastas brasileiros historicamente negligenciados”.

Os brasileiros Matheus Pestana e Gustavo Menezes e o norte-americano William Plotnick, todos dedicados ao arquivismo e restauro cinematográfico, criaram a IDFB (Iniciativa de Digitalização de Filmes Brasileiros), dentro do projeto Cinelimite. Trata-se de organismo sem fins lucrativos, vocacionado a dar hora e vez a “filmes órfãos”, aqueles “feitos por membros das comunidades LGBTQ+ e PPI (Pretos, Pardos e Indígenas), por cineastas mulheres, abrangendo também realizações caseiras e filmes não-comerciais”. Um projeto, como se vê, generoso e aberto a todas as vertentes da criação cinematográfica.

O Cinelimite-IDFB abraçou, de setembro do ano passado até fevereiro desse ano, missão desafiadora e de imensa valia: “digitalizar obras do patrimônio cinematográfico brasileiro de regiões com acesso limitado a esse tipo de serviço”. Para cumprir sua meta, a equipe usou scanner portátil de 2K para resgate de filmes de 8 milímetros e Super-8, no que chamou de “Digitalização Viajante”. Foram cobertos seis estados brasileiros do Nordeste e do Sudeste, em colaboração com a Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA). A iniciativa alcançou “sucesso surpreendente”, resultando na “digitalização de mais de 350 filmes brasileiros em apenas três meses”.

De posse das obras restaurados, Matheus Pestana e a equipe Cinelimite montaram sete programas, que serão apresentados, com entrada franca, na Cinemateca Brasileira, dessa sexta-feira, 19, até 28 de maio, sempre acompanhados de debates e/ou palestras com os próprios realizadores ou pesquisadores convidados.

A mostra traz 39 curtas e médias-metragens, além de convidado especialíssimo, o cult movie “A Rainha Diaba”. Este filme, quase cinquentão, foi ao Berlim Classics, em fevereiro último, exibir suas cores vibrantes (fotografia de José Medeiros, cenografia e figurinos de Ângelo de Aquino), seu elenco notável (encabeçado por Milton Gonçalves, Odete Lara e Stepan Nercessian), sua trilha sonora de ponta (Guilherme Vaz) e a mise-en-scène de Fontoura, em sua segunda incursão no longa-metragem (ele estreara sete anos antes com “Copacabana me Engana”).

Entre os filmes escolhidos pelo Cinelimite, há documentários sobre a classe operária (do Ciclo ABC, comandado por Claudio Kahns), obras raras do cinema queer brasileiro (filmes paraibanos, como “Perequeté”, de Bertrand Lira), animações amazonenses e cariocas e filmes caseiros.

Cena de “Perequeté”, de Bertrand Lira

O que é um filme caseiro ou doméstico? É aquele que faz o registro de atividades familiares, férias, viagens, passeios ou eventos especiais, destinados, sobretudo, à esfera privada, para serem vistos entre a família e os amigos. São, portanto, materiais compostos por imagens cotidianas, mas que podem (e devem) ser considerados importante registro cultural digno de preservação, pesquisa e difusão. Por isso, o Cinelimite está empenhado em restaurá-los em 2K. Quem assistiu, por exemplo, ao documentário norte-americano “Na Captura dos Friedmans” sabe de cor e salteado a importância de se preservar imagens domésticas.

Dois pernambucanos têm espaço nobre na primeira edição da Mostra Cinelimite na Cinemateca Brasileira: Katia Mesel e Amin Stepple.

Da cineasta Katia Mesel, que, antes de chegar ao longa-metragem com “O Rochedo e a Estrela”, dirigiu filmes em Super-8 e muitos curtas em 16 ou 35 milímetros, serão mostrados “Banguê”, “São João em Santa Cruz”, “Oh de Casa!” e o média “Sulanca” (com 40 minutos de duração).

Amin Stepple (1950-2019), paraibano-pernambucano de origem árabe, foi, além de cineasta, homem de muitos ofícios (jornalista, escritor, publicitário, roteirista e ideólogo do Árido Movie). Sim, o saudoso pernambucano adotivo (nascido em Campina Grande) está na origem de “Baile Perfumado”, o filme de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, que marcou a revitalização do cinema de Pernambuco, ocorrida na década de 1990. Foi ele, com suas ideias vibrante-visionárias, quem estabeleceu os princípios dessa rica variante do ‘Nordestern’. Ou filme de cangaço ambientado no que o crítico Luiz Zanin Oricchio definiu como “sertão líquido”.

A pesquisadora Luciana Corrêa de Araújo, professora da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), introduzirá o público no irreverente universo de Stepple, criador de “Robin Hollywood”, “O Lento, Seguro, Gradual e Relativo Striptease do Zé Fusquinha”, “Creuzinha Não é Mais Tua”, “P.S. Um Beijo”, e “Templo Nublado”. Títulos irreverentes como ele.

O cinema queer paraibano, realizado em Super-8, será mostrado e debatido em dois programas. Um dos realizadores mais ativos do período, o cineasta e professor da Universidade Federal da Paraíba, Bertrand Lira, conta que apresentará, também, na Mostra Cinelimite, vídeo contemporâneo, registra documental da efervescência do cinema homoafetivo na Paraíba dos anos 1980.

Serão mostrados no programa “A Onda de Filmes Queer em Super-8 na Paraíba” os curtas “Baltazar da Lomba”, do Grupo Nós Também, “Tá na Rua” e “Era Vermelho Seu Batom”, ambos de Henrique Magalhães, “Closes”, de Pedro Nunes, e “Miserere Nobis”, de Lauro Nascimento. Haverá debates com João Silvério Trevisan, João de Lima Gomes, Henrique Magalhães, Fábio Leal e Pedro Nunes.

O cinema feminino e os documentários realizados nos ABC Paulista (estes do final dos anos 1970 e começo dos 80, em meio às greves metalúrgicas) também serão mostrados com produções da época e debatidos com seus artífices e estudiosos.

 

Mostra de Filmes Restaurados em 4k e 2k
Data: 19 a 28 de maio
Local: Cinemateca Brasileira (Largo Senador Raul Cardoso, 207, Vila Mariana, São Paulo)
Cada exibição contará com seu espaço reflexivo (apresentações de cineastas e pesquisadores e debates)
Programação gratuita (ingressos distribuídos uma hora antes de cada sessão)
Com apoio da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual, Arquivo Nacional, Centro Técnico Audiovisual, Verberenas, Núcleo de Documentação e Laboratório de Pesquisa Histórica do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará, Universidade Federal da Paraíba e Universidade Federal do Piauí.

PROGRAMAÇÃO

Programa “Mestras do Cinema do Cinema Documental Brasileiro”

Sexta-feira, 19 de maio, Sala Oscarito

19h00 – Helena Solberg – Introdução de Carol Reyes, do Arquivo Nacional – Debate Esther Hamburger e Hanna Esperança.

. A Entrevista (1966), 20 min
. Meio Dia (1969), 12 min
. From the Ashes: Nicaragua Today (1982), 60 min

Sábado, 20 de maio, na sala Oscarito

14h00 –  Elisa Cabral  – Introdução com a pesquisadora Malu de Castro

. O Ciclo do Caranguejo (1982), 14 min
. Visões de Mangue (1982), 15 min
. Televisões (1986), 22 min
. Classes Sociais (1982), 16 min

17h00 – Katia Mesel – Introdução com Kátia Mesel. Debate com os arquivistas Glênis Cardoso & William Plotnick

. Banguê (1978), 18 min
. Sulanca (1986), 40 min
. São João em Santa Cruz (1987), 8 min
. Oh de Casa! (1986), 10 min

20h15 – Eunice Gutman – Introdução com Eunice Gutman

. Só no Carnaval (1982), 12 min
. Duas Vezes Mulher (1985), 11 min
. Mulheres: Uma Outra História (1988), 36 min

Domingo, 21 de maio, Sala Oscarito

17h00 – Programa “Redescobertas no Cinema Documental Brasileiro” – Convidados: Cláudio Kahns, Renato Tapajós, Julio Matos e Roberto Gervitz. Debate com os arquivistas Gustavo Menezes & William Plotnick.

. Vila da Barca (1964), de Renato Tapajós, 10 min.
. A História dos Ganha-Pouco (1977), de Roberto Gervitz, Sergio Magini e Sérgio Toledo Segall, 32min
. Santo e Jesus, Metalúrgicos (1985), de Cláudio Kahns, 57min

20h15 – Programa “Retrospectiva Amin Stepple” – Introdução com Luciana Corrêa de Araújo

. Templo Nublado (1975), 7 minutos
. Robin Hollywood (1976), 10 minutos
. O Lento, Seguro, Gradual e Relativo Striptease do Zé Fusquinha (1978), 3 minutos
. Creuzinha não é Mais Tua (1979), 19 minutos
. P.S. Um Beijo (1976), 7 minutos

Sexta-feira, 26 de maio, Sala Oscarito

20h00 – “A Rainha Diaba”, de Antônio Carlos da Fontoura (100 minutos), em 4K – Debate com o diretor Antonio Carlos Fontoura e a arquivista Débora Butruce . Moderador: Matheus Pestana

Sábado, 27 de maio, Sala Oscarito

Programa “A Onda de Filmes Queer em Super-8 na Paraíba”

17h00 – Sessão 1 – Introdução: Malu de Castro

Debate com os diretores Henrique Magalhães e Fábio Leal

. Baltazar da Lomba (1982), dirigido pelo Grupo Nós Também, 20 min
. Tá na Rua (1981), de Henrique Magalhães, 16 min
. Era Vermelho Seu Batom (1983), de Henrique Magalhães, 10 min

20h15 – Sessão 2 – Introdução: Pedro Nunes e João de Lima Gomes + vídeo de Bertrand Lira

Debate com João Silverio Trevisan e Pedro Nunes
Moderação: Malu de Castro

. Perequeté (1981), de Bertrand Lira, 20 min
. Closes (1982), de Pedro Nunes, 30 min
. Miserere Nobis (1982), de Lauro Nascimento, 20 min

Domingo, 28 de maio, Sala Oscarito

17h00- Programa “Novas Descobertas em Animação do Projeto Digitalização Viajante” – Debate com o cartunista João Montanaro e a pesquisadora Natália de Castro Soares

. Amazônia (s.d.), de Maria Tereza Paes Leme Freitas, 8 mi
. Rio de Janeiro Antigo (s.d.), de Maria Tereza Paes Leme Freitas, 11 min
. Nó – Nu (s.d.), de Cláudio Raimundo Farias, 4 min
. Vã-pirações (1982), de Arnaldo Albuquerque, 3 min
. Carcará, Pega, Mata e Come (1979), de Arnaldo Albuquerque, 3 min
. Mergulho (s.d.), de Lídia Albuquerque e Arnaldo Albuquerque, 2 min

20h15 – Programa “Filmes Domésticos e Filmes Amadores do Projeto Digitalização Viajante” – Com 90 minutos de duração, serão mostrados diferentes filmes domésticos originários de Brasília, Teresina, Recife, João Pessoa, Rio de Janeiro e São Paulo.

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