CineOP defende lei que coloca o cinema brasileiro nas escolas e aposta na criação de circuito universitário

Foto: Encontro de Arquivos – Leitura e apresentação da Carta de Ouro Preto 2023, documento oficial da Temática Preservação © Leo Fontes/Universo Produção

Por Maria do Rosário Caetano, de Ouro Preto

A décima-oitava edição da CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, dedicada ao audiovisual afro-brasileiro e à “MP no B”(música preta no Brasil), encerrou-se com duas cartas-manifesto que serão encaminhadas ao MinC, MEC e ao Congresso Nacional. Uma defende a criação de substantivo Plano Nacional de Preservação de Arquivos e Acervos Audiovisuais. A outra prioriza a regulamentação da Lei Cristovam Buarque, que prevê a exibição mensal de pelo menos duas horas de programação cinematográfica brasileira nas escolas de todo país. O referido texto legal foi aprovado há quase duas décadas, mas ainda carece de regulamento que o torne exequível.

Raquel Hallak, diretora da CineOP, garantiu que as reivindicações nascidas dos grupos de trabalho e reflexão do festival mineiro serão motivo de intenso trabalho político-cultural, agora que o novo governo (Lula 3) abriu importantes canais de diálogo com a sociedade civil.

“Com o impeachment e os quatro anos do Governo Bolsonaro” – contou Raquel – “ficamos sem canais de interlocução”. Tanto que “o Plano Nacional de Preservação, que elaboramos coletivamente ao longo de várias edições da CineOP, foi ignorado”.

O documento foi revisto e reavaliado pelos participantes da XVIII CineOP e, agora, será encaminhado, passados esses difíceis seis anos, aos organismos de Estado, para sua devida implementação.

As resoluções de Ouro Preto serão anexadas ao sólido documento produzido pelo Fórum de Tiradentes, que, em janeiro passado, reuniu, na histórica cidade mineira, 70 profissionais de todos os segmentos do audiovisual. As reflexões, sugestões e diretrizes para novas políticas destinadas ao cinema, TV e streaming estão reunidas e impressas em livro e foram encaminhadas ao MinC e ao Congresso Nacional. O Fórum é coordenado por Raquel Hallak, Alfredo Manevy e Mário Borgneth.

Para o streaming, hoje um dos mais importantes canais de escoamento da produção audiovisual, o Fórum defende “a urgente regulamentação das plataformas, com estabelecimento de cota para filmes, séries e programas brasileiros”.

A CineOP discutiu, também, a criação de um circuito universitário que se constitua como canal de difusão do audiovisual brasileiro. “O Brasil dispõe” – contabilizou Raquel Hallak – “de 69 universidades públicas e 600 institutos federais. Se cada um deles contar com um cinema para difusão de nossa produção teremos um circuito da maior importância e capilaridade”.

A organizadora da CineOP lembrou que reunião com representantes do MinC, MEC, Ancine, BNDES, Spcine, Andifes (associação de Reitores) e Fórum Nacional de Secretários de Cultura discutiu a implantação do Circuito Universitário de Salas de Cinema a partir de estudo de Álvaro Malaguti. O pesquisador encaminhou questionários a todas as universidades e institutos federais e recebeu retorno de mais de uma centena deles”.

As respostas permitiram mapeamento das instituições interessadas em participar do Circuito, de que equipamentos de projeção dispõem, se contam com salas destinadas à exibição audiovisual e se estas têm mobiliário adequado. Os resultados do encontro na Mostra de Ouro Preto serão agora tema de “escuta e construção de projeto minucioso e de fontes que possam financiá-lo”.

Outro tema entrou na pauta da CineOP: o resgate do Cine Vila Rica, o único disponível no município de Ouro Preto, fechado dois anos antes da pandemia. “Nossa intenção” – garantiu Raquel Hallak – “é ter essa sala histórica, pertencente à UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), de volta em três anos”. E por que tanto tempo? Somados os cinco anos de inatividade aos da reforma efetiva se chegará quase uma década.

“Porque a sala passa por sérios problemas no telhado e no sistema elétrico”, detalha Raquel. “Sendo Ouro Preto una cidade Patrimônio da Humanidade, o zelo por cada construção de seu núcleo histórico tem que ser rigoroso. Não podemos utilizar um espaço que corre risco de incêndio provocado por curto-circuito elétrico. Nem colocar espectadores numa sala cujo teto possa desabar”.

A UFOP, com apoio da Mostra de Cinema de Ouro Preto, preparou, seis anos atrás, projeto completo de resgate do Cine Vila Rica. O então governador Fernando Pimentel (PT-MG) prometeu liberar recursos para a obra, mas não foi reeleito. O vitorioso Romeu Zema (Partido Novo), ao ser empossado, suspendeu o contrato assinado por seu antecessor e disse que instituiria parceria público-privada. A esta parceria caberia efetuar as obras de restauro.

“Nós sabemos” – admite Raquel Hallak – “que o Cine Vila Rica não é auto-sustentável”. Por isso, “desejamos que ele seja mantido como espaço multiuso, mas preservando sua função de sala cinematográfica”. E, dessa forma, “seja uma das principais telas da CineOP”.

Fechado desde 2018, o Vila Rica recebeu, recentemente, aporte de R$16 milhões do Governo de MG. “Se tudo der certo” – torce Raquel – “daqui a três anos, a cidade o terá de volta”.

No ambicioso projeto da Universo Produções, responsável pelas mostras de Tiradentes, Belo Horizonte (Cine BH) e Ouro Preto, consta mais uma meta: ver a antiga capital mineira, a mais famosa do circuito do ouro, capacitada a oferecer um curso de cinema. Um curso a ser implantado pela UFOP, nascida para os estudos da Engenharia Mineral e Metalúrgica, e hoje dedicada a diversas outras áreas do conhecimento.

Se a CineOP prioriza o cinema visto como patrimônio audiovisual a ser preservado, por que o curso da UFOP não poderia ser dedicado à formação de quadros especializados em restauração de materiais audiovisuais? Esta é uma resposta que caberá à tradicional universidade ouro-pretana e ao MEC.

Os sonhos das Irmãs Hallak (Fernanda e Raquel) e de Quintino Vargas (o Trio Universo) são mesmo ambiciosos. E válidos, num tempo histórico dominado pela imagem, produzida por bilhões de usuários de celulares.

Abaixo, destacamos trechos da “Carta da Preservação” e da “Carta da Educação”, produzidas pelos núcleos reflexivos da CineOP:

18ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto
Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais
Carta de Ouro Preto 2023

Os membros da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual – ABPA e os participantes do Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais reunidos na 18ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto celebram a recriação do Ministério da Cultura – MinC, retomando o diálogo com o setor cultural e inaugurando um novo caminho de interlocução para o campo da preservação audiovisual com a instalação da Diretoria de Preservação e Difusão da Secretaria do Audiovisual do MinC. Reafirmamos, neste novo contexto, a importância do reconhecimento do campo da preservação audiovisual e da ABPA como interlocutor na consolidação de políticas públicas para o setor.

Na 18ª CineOP, estabelecemos como meta a atualização do Plano Nacional de Preservação Audiovisual – PNPA. Diante de um novo cenário político era chegado o momento de retomar o documento original, lançando em 2016, durante o Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros na 10ª edição da CineOP. Na época, o trabalho realizado de forma coletiva pela ABPA representou um marco para o setor, pois sintetizou uma série de demandas históricas. A atualização do PNPA foi uma tarefa coletiva coordenada pela ABPA, com contribuições de profissionais do audiovisual que integram os grupos de trabalho do Fórum de Tiradentes e amplamente discutida no Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros nesta edição da CineOP.

No mesmo sentido, destacamos a retomada da interlocução entre Estado e sociedade civil, com a participação de representantes da Secretaria do Audiovisual que debateram conosco os caminhos para a implementação de uma Política Nacional de Preservação Audiovisual.

Celebramos também a criação, durante a CineOP, do Fórum Brasileiro de Museus da Imagem e do Som – MIS em Rede.

Demonstramos preocupação com o fechamento do Cine-Teatro Vila Rica, ausente pelo segundo ano consecutivo da programação da CineOP.

Reforçamos a importância dos temas debatidos durante esta edição da CineOP, com a incorporação de novos agentes ao debate sobre a preservação audiovisual.

Após seis anos de ataques à democracia e violência contra valores fundamentais da sociedade, como a Cultura e a Educação, apresentamos o Plano Nacional de Preservação Audiovisual na sua versão atualizada e aprovada em Assembleia Geral ordinária da ABPA. Trata-se de um documento essencial para subsidiar as políticas públicas voltadas para a área de preservação audiovisual no Brasil e promover o desenvolvimento do setor.

Ouro Preto, 25 de junho de 2023
Associação Brasileira de Preservação Audiovisual – ABPA

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