Ludmila Dayer lança filme autobiográfico na plataforma Aquarius, voltada à saúde do corpo e da alma

Por Maria do Rosário Caetano

Em 1995, a pré-adolescente de 10 anos Ludmila Dayer causou furor na pele de Carlotinha Joaquina no primeiro blockbuster da Retomada do cinema brasileiro – “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil”, de Carla Camurati.

O filme, uma espécie de “chanchada histórico-carnavalesca”, vendeu quase um milhão e meio de ingressos. Um feito naquele momento em que nosso audiovisual tentava retomar diálogo interrompido com o público, afastado pelo furacão Collor.

O sucesso da Carlotinha (a personagem, na idade madura foi interpretada por Marieta Severo) alcançou tamanha repercussão que o cineasta Cláudio Torres a convocou para protagonizar “Diabólica” no longa em episódios “Traição” (1999), assinado pela descolada produtora carioca Conspiração. Mais uma vez a adolescente causava furor com apenas 13 anos. Mesmo assim, com seus olhos travessos e rosto angelical, conseguiu convencer como uma ninfeta realmente tentadora. E diabólica.

A prova de que Ludmila tinha rosto de infante viria a seguir. Em 2003, a primeira ficção dirigida por Helena Solberg – “Vida de Menina”, baseada nos diários da mineira Helena Morley, pseudônimo de Alice Dayrell (1880-1970) – teve Ludmila Dayer no papel de protagonista, agora com 20 anos de idade. Coube a ela interpretar a garota Helena, na Diamantina de Chica da Silva, no pós-abolição da escravatura. O livro de Morley, escrito entre 1893 e 1895 (e só publicado em 1942), mostra uma jovem de 13 anos, inteligente, rebelde e muito irônica, que vê o cotidiano de sua família, o pai envolvido com o garimpo, a mãe dona de casa e o racismo que continuava arraigado no âmago da sociedade brasileira, mesmo finda, pelo menos institucionalmente, a legislação escravagista. Seu trabalho convenceu tanto que o filme foi o grande vencedor do Festival de Gramado, em 2004.

Por que relembrar a história da menina descendente de alemães (seu nome completo é Ludmila Dayer Schuller), agora com 40 anos, dupla nacionalidade (brasileira e estadunidense), radicada em Los Angeles, meca do cinema?

Por uma razão especial: a atriz faz sua estreia – aos olhos brasileiros – como diretora do documentário “Eu” na novíssima Aquarius, plataforma de streaming lançada pelo distribuidor Bruno Wainer (o mesmo da Downtown Filmes). Apesar do nome egóico (“Eu”), ninguém verá o rosto da atriz, que continua louríssima e magra como outrora, durante a narrativa de quase hora e meia. Algo impensável para uma atriz que sempre viveu da imagem.

No filme autobiográfico, ela registra trecho importante de sua vida: aos 36 anos, tornou-se vítima da síndrome de pânico e recebeu diagnóstico de portadora de Epstein Barr Crônico (EBV, na sigla em inglês), um dos fatores desencadeantes da esclerose múltipla.

Novo desafio se apresentou à atriz: “aprendi que o EBV também era um potencializador da síndrome do pânico”. Para “corrigir um problema, tive que corrigir outro, mas os dois estavam entrelaçados. Fui obrigada a fazer uma reciclagem geral da minha vida, no nível espiritual, psicológico e físico”.

Ludmila, que nos EUA tornou-se produtora e diretora audiovisual, recorreu aos mais diversos tipos de tratamentos. Partiu em busca de sua reabilitação. No filme, nos encontramos com xamã (a carismática Max Tóvar), neurologista (Dr. Diogo Lara), psiquiatra (a articulada Eleanor Luzes, que expõe em sua biblioteca o “Livro Vermelho”, de Carl G. Jung), astrólogo (Waldemar Falcão) e médica (Sandra Regina). O quinteto falará – e muito – sobre novas formas de cura. Nada que evoque remédios ou qualquer outro procedimento da medicina tradicional. E se multiplicam expressões como “autoconhecimento”, “mapa gestacional”, “Biologia da Crença” (nome de um livro), “poder do coração” e assemelhados. O diagnóstico precoce da EBV e as terapias vivenciadas dão à atriz a tranquilidade de, atualmente, “viver sem sintomas”.

Ludmila, que além de roteirista e diretora, faz a voz da narradora do documentário (em primeira pessoa), imprime sua assinatura nos créditos de fotografia, edição (com Thales Corrêa) e produção (tendo a cantora Anitta como produtora-associada). Ela conta que aprendeu, “além de operar câmera (com uma moderna steadicam), a cuidar do som e, até, a pilotar drone”. A diabólica “Carlotinha” não foge do trabalho.

Fernanda Souza e Ludmila Dayer filmando com stedicam

Para interpretar seu mergulho no mundo da mente e da busca de saúde, Ludmila convocou a amiga dos tempos de “Malhação 2000” (TV Globo), Fernanda Souza. Escolheu a zona rural do município de Varginha-MG, como cenário principal do filme. Por pastos verdejantes, onde vivem vacas e bois que ruminam sem descanso, uma mulher de costas, com roupas largas e cores pouco chamativas, caminha sem cessar. É Fernanda Souza que representa a amiga do peito.

A atriz, agora documentarista, garante ter tido “contato com coisas muito profundas, ferramentas muito avançadas”. Ela, que sempre fora “uma pessoa muito fechada, muito reservada”, conseguiu, com ajuda em especial da xamã Max Tóvar – cujo espaço de ação se situa em Varginha – lidar com seus problemas, “algo difícil”, pois ela “criava barreiras” dentro de si mesma.

“Foi lá que eu relaxei e realmente tive coragem de olhar as coisas de frente”, testemunha. Para concluir: “foi tão transformador e me senti com tanta sorte de ter tido acesso àquilo tudo que quis devolver às pessoas o conhecimento adquirido”.

E por que uma atriz como Ludmila Dayer, ao realizar documentário autobiográfico, não interpretou a si mesma?

A razão aparente está na opção de desempenhar, também, a função de diretora de fotografia. No final, nas cenas que acompanham os créditos, vemos a documentarista municiada com poderosa steadicam, devidamente acoplada a seu corpo esguio, para evitar trepidações e tremores.

Esta é a explicação prática. Ludmila tem outra mais abstrata: “dirigir e produzir ‘Eu’ significou a cura para minha alma”. Já que “meu maior desafio era construir uma história que falasse com todos. O filme não é sobre mim, mas sim sobre todos nós. É um abraço amigo, uma voz de esperança para aqueles que, em algum momento da vida, se sentiram sós e sem direção”.

“Eu” é, não há como negar, um filme de autoajuda. Ele contribuiu para a reabilitação de Ludmila Dayer e poderá servir como bálsamo para os que sofrem de problemas semelhantes aos vividos pela atriz. Sendo um filme ligado à natureza, à busca de “saúde do corpo e da alma”, ao bem-estar e à espiritualidade, ele foi posto na plataforma certa (a Aquarius). Esse serviço de streaming cuidará, também, de ofertar filmes sobre sustentabilidade (e surf, paixão de Bruno Wainer, esporte muito ligado à chamada geração-saúde, da vitamina de mamão com cenoura).

Bruno, filho do jornalista Samuel Wainer (1910-1980) e de Danuza Leão (1933-2022), tem longa carreira no cinema. Começou sua trajetória como ‘faz-tudo’ em sets de amigos da mãe, atriz de Glauber Rocha em “Terra em Transe” (1967). Depois, percebendo que herdara o dom do pai (criador do jornal “Última Hora”) para os negócios, passou a dedicar-se à distribuição de filmes. Na Lumière, fruto de parceria com Marc Beauchamp, distribuiu sucessos da Miramax (do hoje amaldiçoado Harvey Weinstein) e o blockbuster brasileiro “Cidade de Deus” (3,2 milhões de ingressos).

Criou, por fim, a Downtown, dedicada só a filmes brasileiros. Em parceria com a Paris Filmes, gerida por Márcio Fraccaroli, conquistou 80% do market-share da produção nacional e viu a Trilogia Paulo Gustavo (“Minha Mãe é uma Peça” 1, 2 e 3) transformar-se num dos maiores êxitos da história do cinema brasileiro. Algo que só acontecera com Amácio Mazzaropi, o Jeca Tatu, Os Trapalhões e Xuxa Meneghell.

Com a pandemia, Wainer viu seu negócio paralisado. Ninguém podia sair de casa, os cinemas foram fechados, não se produziam novos filmes e, o pior de tudo, o ator Paulo Gustavo, a “mãe que era uma peça”, morreu no auge de suas potencialidades criativas, vítima da Covid, com apenas 42 anos.

Hoje, as novas comédias, filão que Bruno ajudou a produzir e a distribuir, já não conseguem reativar o diálogo com o público. A maioria vai direto para o streaming. As que chegam aos cinemas não repetem os desempenhos de outrora (2, 3 ou 4 milhões de ingressos). No caso de “Minha Mãe é uma Peça”, os dados são acachapantes. O primeiro chegou a quase 5 milhões de ingressos. O segundo teve bilheteria de super-herói Marvel, 9.250.000 tíquetes. O terceiro arrebentou a boca do balão: mais de 11 milhões de espectadores.

E o que faz o distribuidor nesse momento de profundas modificações no mercado exibidor? Monta, com parceiros (incluindo Ludmila Dayer) uma plataforma (Aquarius, nome de famoso musical da era hippie) “dedicada exclusivamente a filmes, séries, documentários, palestras e entrevistas sobre saúde, bem-estar, yoga, meditação, espiritualidade, literatura, sustentabilidade, meio ambiente, cultura, arte, ciência, tecnologia, psicologia e sociedade”. E surf!, pois Bruno tem em sua carteira de produções, sucessos filmados sobre e sob ondas muito azuis.

O executivo carioca, que distribuiu e coproduziu 177 filmes brasileiros e vendeu 166 milhões de ingressos (perto de 30 milhões só com a Trilogia Paulo Gustavo), inicia seu projeto de streaming com 100 títulos e projeta cinco novos lançamentos (nacionais e internacionais) a cada mês. Seu filho Gabriel Wainer assume o cargo de CEO no novo empreendimento e trabalhará “com minuciosa curadoria assinada pelo jornalista, pesquisador e dramaturgo Luiz Felipe Reis”. A mensalidade da plataforma custa R$39,90.

 

Eu
Brasil, 72 min., 2023
Direção e roteiro: Ludmila Dayer
Atriz convidada: Fernanda Souza
Música: Filipe Leitão
Fotografia: Ludmila Dayer
Edição: Ludmila Dayer e Thales Corrêa
Produção: Ludmila Dayer
Produção executiva: Ludmila Dayer e Fernanda Souza
Produtores associados: Anitta e Thiago Pavarin
Produtora: Lupi Productions

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