“Oppenheimer” triunfa no Bafta; “Zona de Interesse” e “Pobres Criaturas” também se destacam
Por Maria do Rosário Caetano
“Oppenheimer” (foto), de Christopher Nolan, foi o grande vencedor do Bafta, o “Oscar britânico”. O drama biográfico que acompanha a trajetória do cientista e líder do Projeto Manhattan, responsável pela criação da bomba atômica, triunfou em sete das 13 categorias que disputou, incluindo melhor filme, direção e ator, o irlandês Cillian Murphy. Vale lembrar que Nolan, de 53 anos, diretor do poderoso drama de guerra “Dunkirk”, é britânico, nascido em Londres. São muito profundas as ligações da Grã-Bretanha com o cinema de sua ex-colônia, os EUA.
Dois outros filmes, ambos produções britânicas, também receberam prêmios significativos – “Zona de Interesse”, de Jonathan Frazer (eleito como o melhor filme inglês e o melhor filme em língua não-inglesa), e o exótico e sedutor “Pobres Criaturas”, de Yorgos Lanthimos, realizador grego radicado em Londres.
Os prêmios de “Zona de Interesse”, recriação livre de romance de Martin Amis (sobre família nazista que vive como se protagonizasse comercial de margarina ao lado do campo de concentração de Auchwitz) parecem contraditórios. Afinal, como o melhor filme britânico pode triunfar na categoria destinada a filmes internacionais?
A resposta é simples: os ingleses estão se especializando em realizar filmes no idioma da vizinha Alemanha, para, assim, poder concorrer ao Globo de Ouro, ao Bafta, ao Oscar etc. Têm colhido muitos frutos. Ano passado, venceram com “Nada de Novo no Front”, de Edward Berger. Este ano, “Zona de Interesse” aparece como favorito ao Oscar internacional, secundado por “Perfeitos Dias”, o filme japonês de Wim Wenders”, e “A Sociedade da Neve”, do espanhol José Antonio Bayona.
“Pobres Criaturas” reafirmou o peso do desempenho de Emma Stone, ampliando suas chances de derrotar Lily Gladstone (“Assassinos da Lua das Flores”), na festa do Oscar. Registre-se, inclusive, que a atriz do épico scorsesiano nem foi nominada ao Bafta.
Mesmo assim, vale registrar: Gladstone, que faz história como a segunda descendente de povos originários a ser indicada pela Academia de Hollywood (a primeira foi a mixteca Yalitza Aparício, de “Roma”, de Alfonso Cuáron) ainda é a grande rival de Emma Stone, intérprete da mulher com cérebro de bebê, que promove seu aprendizado sexual na Grã Bretanha do século XIX. Fora o Bafta de melhor protagonista feminina, o longa de Lanthimos destacou-se apenas em categorias técnicas.
Além de “Assassinos da Lua das Flores”, dois outros filmes norte-americanos foram esnobados pelo prêmio do BFI (British Film Institute): “Maestro”, a espetaculosa cinebiografia de Leonard Bernstein, protagonizada e dirigida por Bradley Cooper, e o artefato cor-de-rosa “Barbie”, de Greta Gerwig, maior bilheteria comercial de 2023.
Já três outros filmes, de orçamentos (e pretensões) bem mais modestos, tiveram sua hora e vez na cerimônia britânica. “Os Rejeitados” levou dois troféus – melhor roteiro adaptado, por sua trama encantadora, inspirada no filme “Merlusse”, de Marcel Pagnol, e melhor elenco coletivo. Com esta categoria, os votantes do prêmio inglês encontraram subterfúgio para premiar o notável desempenho de Paul Giamatti, do jovem Dominic Sessa e de Da’vine Joy Randolph (ela foi eleita a melhor coadjuvante, feito que deve repetir no Oscar). O trio brilha no envolvente filme de Alexander Payne.
O francês “Anatomia de uma Queda”, de Justine Triet, Palma de Ouro em Cannes 2023, que recebera sete indicações ao Bafta, triunfou na mesma categoria em que deve se destacar no Oscar – melhor roteiro original. O trabalho de Justine, desenvolvido em parceria com seu marido, o ator e diretor Arthur Harari, é mesmo notável.
Surpresa na noite britânica foi a escolha do melhor roteiro adaptado: o de Cord Jefferson para “American Fiction”, comédia dramática dirigida pelo mesmo Jefferson. O cineasta afro-americano baseou-se, para urdir sua trama, no livro “Erasure”, de Percival Everett. Ele derrotou pesos-pesados como Jonathan Glazer (“Zona de Interesse”), Tony McNamara (“Pobres Criaturas”) e Christopher Nolan (“Oppenheimer”).
Na categoria longa de animação, venceu o favoritíssimo “O Menino e a Garça”, do mestre japonês Hayao Miyazaki, de 83 anos. No Bafta, ele enfrentou apenas três concorrentes, um deles o sucesso britânico “A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets”. Mas, na corrida ao Oscar, a produção dos Estúdios Ghibli conta com rival de razoável força – o espanhol “Robot Dreams”, de Pablo Berger.
O ucraniano “20 Dias em Mariupol”, de Mstyslav Chernov, foi escolhido como o melhor documentário.
O Goya, da Espanha, o César francês e o Donatello italiano priorizam, em suas premiações anuais, a produção prata-da-casa. Já o Bafta integra, em tal medida, a produção estadunidense à britânica, que seu prêmio principal – o de melhor filme – se aproxima, quando não repete, a mesma lista do Oscar (com maioria de filmes produzidos nos EUA e, claro, na Grã-Bretanha. E alguns internacionais, caso do francês “Anatomia de uma Queda”).
Para a produção made in England, são reservadas três categorias – melhor filme britânico, melhor estreia de roteirista-diretor-produtor britânico e “astro em ascensão”.
Além de “Zona de Interesse”, que derrotou nove produções inglesas (incluindo “The Old Oak”, de Ken Loach, o badalado-escandaloso “Saltburn”, de Emerald Fennel, e o fascinante “Todos Nós Desconhecidos”, de Andrew Haigh), conquistaram seus troféus a encantadora protagonista (a pós-adolescente Mia Mckenna-Bruce), de “How to Have Sex” (“Como Fazer Sexo”, de Molly Manning Walker), e os produtores Savanah Ieaf, Shirley O’Connor e Medb Riordan, do documentário “Earth Mama”. Esta categoria prospecta talentos surgidos na direção, na escrita de roteiros e na produção de longas-metragens realizados no Reino Unido.
Confira os vencedores:
. “Oppenheimer”, de Christopher Nolan (EUA) – melhor filme, direção, ator (Cillian Murphy), coadjuvante (Robert Downey Jr), fotografia (Hoyte van Hoytema), montagem (Jennifer Lame), trilha sonora (Ludwig Göran)
. “Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer (Inglaterra) – melhor filme britânico, melhor longa em língua não-inglesa, melhor som
. “Pobres Criaturas”, de Yorgos Lanthimos (Inglaterra) – melhor atriz (Emma Stone), figurino (Holly Waddington), design de produção (Shona Heath, James Price, Zsusa Mihalek; cabelo e maquiagem; efeitos visuais
. “Os Rejeitados” – melhor atriz coadjuvante (Da’vine Joy Randolph), melhor elenco
. “Anatomia de Uma Queda”, de Justine Trier (França) – melhor roteiro original (Justine Triet e Arthur Harari)
. “American Ficction”, de Cord Jefferson (EUA) – melhor roteiro adaptado (Cord Jefferson)
. “O Menino e a Garça”, de Hayao Miyazaki (Japão) – melhor longa de animação
. “20 Dias em Mariupol”, de Mstyslav Chernov (Ucrânia) – melhor documentário
. “Earth Mama” – melhor estreia de roteirista, diretor ou produtor britânico – para Savanah Ieaf, Shirley O’Connor e Medb Riordan
. “How to Have Sex” (“Como Fazer Sexo” – Inglaterra) – Astro em ascenção, para a atriz Mia Mckenna-Bruce
. “Jellyfish and Lobster” – melhor curta-metragem
. “Crab Day” – melhor curta de animação