“Viúva Clicquot” é a versão anglo-saxã da história da francesa que aperfeiçoou o borbulhante champagne

Por Maria do Rosário Caetano

“A Viúva Clicquot – A Mulher que Formou um Império”, do desconhecido Thomas Napper, estreia nessa quinta-feira, 22 de agosto, nos cinemas brasileiros. Que o espectador saiba, de antemão, que assistirá a um filme sobre uma legenda francesa – a Viúva Clicquot, aperfeiçoadora do champagne –, falado em inglês, com atores anglo-saxões e pegada acadêmica.

Quem curtiu cinebiografias como “Piaf”, que consagrou Marion Cottilard com um Oscar, ou filmes sobre YSL e Coco Chanel, também protagonizados por astros de expressão francesa, terá dificuldade em aceitar que uma das maiores estrelas da indústria vinícola gaulesa, seja personagem anglo-falante de uma produção made in USA. Que, aliás, nem estreou na terra de Napoleão Bonaparte.

E por que evocar o corso, que tornou-se o mais poderoso imperador da França?

Porque a história da Viúva Clicquot tem boa parte de sua narrativa ambientada nos duros anos das Guerras Napoleônicas (1803-1815). Em especial da campanha da Rússia, quando o invencível exército francês foi derrotado (e expulso) pelas tropas e generais do Czar. Generais capazes de colocar fogo em Moscou (para deixar os soldados de Napoleão sem suprimentos) e que confiaram no poder estratégico do General Inverno.

E por que a invasão da Rússia por Napoleão complicou, temporariamente, a vida da Viúva Clicquot?

Por razões financeiras, claro: ela teria na nobreza russa a principal clientela de seus vinhos e do champagne, que aperfeiçoaria a ponto de transformar a bebida em um dos maiores símbolos da França. Ainda hoje, o país da viúva exporta moda, culinária, vinhos e champagne.

Com a guerra e o ódio aos invasores, era antipatriótico sorver o néctar produzido pela viúva Clicquot. Mas, graças a seu agente de vendas, o hábil Muller (Chris Larkin), ela pôde negociar suas garrafas borbulhantes com o vitorioso Czar Alexandre I e sua corte. Todos queriam festejar a derrota de Napoleão em solo eslavo (1812).

Barbe-Nicole Ponsardin Clicquot, interpretada pela norte-americana Haley Bennett, é uma jovem apaixonada por vinhedos, assim como seu marido, o dandy Francois Clicquot (Tom Sturridge). A morte prematura do cônjuge (febre tifóide, suicídio?) fará dela uma mulher (de apenas 27 anos) obstinada, a ponto de mandar a filha pequena para um colégio interno e enfrentar o sogro intransigente (Ben Miles). Desgostoso com o precoce desaparecimento do filho, o velho Clicquot decidirá vender os vinhedos a um concorrente, o Monsieur Moët (outra poderosa grife de nossos tempos – Moët Chandon). A nora não permitirá. E tudo fará para manter seu negócio. Até enfrentar tribunal formado por julgadores, todos homens, que não viam uma mulher como alguém capaz de comandar uma vinícola.

A Viúva Clicquot (ainda hoje, na França, mulheres se definem como “Viúva” de fulano ou sicrano, algo impensável no Brasil) nasceu em dezembro 1777 e morreu em julho de 1866, portanto já octogenária. E, teimosamente, Viúva! Quando encerrou suas atividades terrenas, ela era reconhecida como “a grande dama do champagne francês”. Ainda hoje, passados mais de 250 anos da criação do espumante, seu nome é sinômino de qualidade. Uma garrafa de seu precioso líquido custa entre R$261,00 e R$4.819,00.

E o que fez da Viúva Clicquot uma lenda?

Duas palavras francesas constituem a síntese mnemônica de seus feitos: “remuage” e “perlage”. A primeira é a base de seu método de descoberta do champagne como o conhecemos hoje. Como uma “cientista” que aperfeiçoou o líquido mais charmoso e cobiçado do mundo, ela separou partículas de dimensões diferentes, agitando ou espalhando suas matérias-primas em seu devido vasilhame. “Perlages” são as bolhas do champagne, que tanto frisson e prazer causam em seus adicto sorvedores.

Tudo em “A Viúva Clicquot” – curto demais para ser uma cinebiografia ou um épico ambientado nas Guerras Napoleônicas – é raso, passageiro, excessivamente maneirista. Tudo arrumadinho demais. Com uma jovem atriz norte-americana cercada de atores britânicos, em busca do chic, do respeitável. Um filme que, mesmo sem aporte financeiro do Grupo LVMH (novos comandantes do império Veuve Clicquot), parece nascido para agradar aos poderosos e pessoas de fino trato (e paladar). Habitantes de um mundo higienizado.

O feminismo do filme é, também, ligeiro. Como a atriz Haley Bennett está buscando espaço no disputado mercado cinematográfico, ela parece ter encontrado na francesa de Reims, principal centro urbano da região do Champagne, um personagem que, talvez, lhe pudesse render vaga no Oscar, ano que vem. Como Thomas Napper é um diretor limitado (foi assistente de Joe Wright em “Orgulho e Preconceito” e “Desejo e Reparação”), a empreitada de Haley Benett parece fadada ao fracasso. Festivais e (especialmente) críticos franceses não deram a menor bola ao filme.

Quem quiser saber mais sobre a historia de Barbe-Nicole Posardin, que casou-se com François Clicquot por arranjo dos Posardin (o pai dela fora homem rico e prefeito de Reims) e dos Clicquot (de poderosa fábrica de nobres tecidos), poderá ler o livro “A Viúva Clicquot – A História de um Império do Champagne e a Mulher que o Construiu”, de Tilar J. Mazzeo, publicado no Brasil pela Rocco.

Tilar, conhecida como “historiadora cultural e biógrafa do luxo”, divide-se entre Nova York e Paris, e é autora, também, de “O Segredo do Chanel No. 5 – A História Íntima do Perfume Mais Famoso do Mundo”. Outro produto líquido que fez a glória da França e “vestiu” Marilyn Monroe com duas de suas aromáticas e afrodisíacas gotas.

 

A Viúva Clicquot – A Mulher que Formou um Império | Widow Clicquot
EUA, 2023, 89 minutos
Direção: Thomas Q. Napper
Elenco: Haley Bennett, Tom Sturridge, Chris Larkin, Ben Miles, Anson Boon, Cecily Cleeve, Sam Riley e Natasha O’Keeffe
Roteiro: Christopher Monger e Erin Dignam (a partir do livro “A Viúva Clicquot – A História de um Império do Champagne e a Mulher que o Construiu”)
Produção: Christina W. Lurie, Haley Bennett e Joe Wright (A Fourth and Twenty Eight Films e WME Independent)
Distribuição: Paris Filmes

4 thoughts on ““Viúva Clicquot” é a versão anglo-saxã da história da francesa que aperfeiçoou o borbulhante champagne

  • 28 de agosto de 2024 em 08:05
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    Filme Raso ! Poderiam ter feito um filme incrível mas não.
    Mal explicado portanto mal dirigido !
    Superficial em todos os sentindos.
    Até a fotografia , cenografia e locação mal aproveitada ! Uma pena !!

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    • 3 de novembro de 2024 em 10:46
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      O filme não é o que eu esperava, mas passou uma boa ideia dos fatos. O final poderia ter sido mais bem trabalhado, ficou aquela sensação de “mas então…”

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  • 8 de setembro de 2024 em 22:51
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    Amei o filme, Sutil! Ótimas reflexões. Excelentes atores.

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  • 3 de novembro de 2024 em 00:09
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    Um filme ruim. Escuro, com alguns fatos duvidosos sobre a vida de François Clicquot. Um julgamento duvidoso e relacionamentos que não aparecem em nenhuma biografia de Barbe-Nicole Ponsardin Clicquot.

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