“Antonio Bandeira – O Poeta das Cores” destaca o pioneirismo do pintor cearense

Por Mariane Morisawa

Em um país em que a preservação da memória nunca parece prioridade e um tempo de informação fragmentada em quantidade opressora, é essencial a existência de um documentário como Antonio Bandeira – O Poeta das Cores, dirigido por Joe Pimentel.

O filme, conduzido por seu sobrinho Francisco Bandeira, passeia de maneira cronológica, com o apoio de uma pesquisa cuidadosa e entrevistas sólidas, pela vida e obra do pintor, desenhista e gravurista cearense Antonio Bandeira (1922-1967), um pioneiro da arte abstrata no Brasil. O Poeta das Cores apresenta o artista àqueles que não o conhecem, explica suas influências, desenvolvimento e importância e posiciona Bandeira no contexto artístico mundial.

“Minha infância girou em torno de árvore. Era um sólido flamboyant vermelho, preto e amarelo que um dia se tornaria em quadro – ou melhor, uma sequência deles. Em pintura, talvez”, diz a narração do ator Claudio Jaborandy para um depoimento de Bandeira.

O artista era poeta não apenas no uso das tintas, formas e cores sobre as telas, mas com as palavras também. “Nunca pinto quadros. Tento fazer pintura” é outra das frases esculpidas de Bandeira que o documentário faz bem em destacar. Suas falas e escritos sofisticados dão cor e trazem sua voz para o filme, já que não há entrevistas com ele. Em compensação, o documentário traz muitas fotos, já que Bandeira muitas vezes estava acompanhado de um fotógrafo, além de imagens em movimento de filmes de que participou.

As árvores e as cores daquele primeiro flamboyant acompanharam o artista ao longo de sua carreira, em seus diversos movimentos. Foram elas, as nuvens e o mar lhe deram a liberdade, disse Bandeira. Ele escapou de seguir no negócio da família, uma fundição – que, ainda assim, sempre esteve presente em sua pintura.

Quando foi a Paris, em 1946, graças a uma bolsa de estudos, encontrou um país devastado e envergonhado por seu papel na Segunda Guerra. Para os muitos artistas que se concentraram ali naquele período não fazia mais sentido retratar a figura humana, capaz daquelas atrocidades todas. Aos poucos, Bandeira vai abandonando o figurativismo e abraçando o abstrato, que traz com ele em sua volta ao Brasil, avançando cada vez mais nesse caminho. Ele deixaria o país novamente com o golpe militar de 1964, autoexilando-se na França.

Os entrevistados trazem para o filme, didaticamente, que esse abstrato, essa pintura gestual, muitas vezes de respingos, não são acasos que chegam à tela aleatoriamente. Antonio Bandeira tinha talento, técnica e método, colocando em sua pintura aquilo que visualizava e, principalmente, sentia.

O filme só pincela a vida de Bandeira, falando brevemente da resistência de sua família à sua dedicação à arte e do seu carisma pessoal que atraía em Paris homens e mulheres. Algumas entrevistas especulam que Bandeira poderia ter abordado questões étnicas e de gênero em sua obra, tivesse vivido mais, e sugerem como a cor de sua pele negra, evidenciada em seus autorretratos e escritos, pode ter apresentado desafios em sua trajetória.

Mesmo breve, Antonio Bandeira – O Poeta das Cores é uma boa introdução ao artista e poeta, consolidando informações e abrindo caminho para que o espectador procure conhecer sua obra mais a fundo.

 

Mariane Morisawa é jornalista e colaboradora de veículos como Elle, O Estado de S. Paulo, Veja. Trabalhou na Folha de S. Paulo, na IstoÉ Gente, na Marie Claire, entre outros. Cobre festivais como Cannes e Veneza e morou oito anos em Los Angeles. É membro da Abraccine e votante do Globo de Ouro. É formada pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

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