Festival do Cinema Italiano festeja Elio Germano, Toni Servillo e dois clássicos da dupla Fellini-Mastroianni
Foto: Elio Germano em cena de “O Último Chefão”
Por Maria do Rosário Caetano
O ator da hora, na Itália, se chama Elio Germano. Ele tem 44 anos, 48 filmes no currículo e está longe de ser um galã. Mas todos querem trabalhar com ele. É festejado pela Península inteira, reconhecido pelos críticos e seu prêmio Nastro d’Argento (três vitórias), pela Academia Italiana de Cinema (seis David di Donatello, o “Oscar italiano”). Ganhou uma Palma de Ouro, em Cannes, por “Leopardi” (coube a ele interpretar o protagonista, o poeta Giacomo Leopardi). E dedica-se, ainda e sem descanso, ao teatro e à TV.
Nos últimos dois anos, Elio Germano brilhou em três filmes. Dois, imperdíveis, foram selecionados para o Festival 8½, que se espalhará por várias cidades brasileiras, de 26 desse mês até dois de julho (“A Grande Ambicão” e “O Último Chefão”). O terceiro (“Segredos”, de Daniele Luchetti) estreia em nossos cinemas nessa quinta-feira, 12 de junho. Anotem seu título original, “Confidenza”. Afinal, trata-se de recriação de romance de Domenico Starnone, suposto marido da enigmática escritora Elena Ferrante (“A Amiga Genial”).
Nesse longa-metragem, Germano interpreta Pietro, um professor que se envolve com Teresa (Federica Rosellini), ex-aluna, dotada de rara aptidão para a matemática. Num de seus encontros amorosos, ela o desafia (e fará o mesmo) a confessar o segredo mais íntimo. Tal confissão irá mudar, profundamente, a dinâmica da vida do professor, um homem notável e já casado com outra mulher.
Na presente edição do Festival 8½, Elio Germano irá, pois, reinar soberano. Em “A Grande Ambição”, ele é o protagonista absoluto. O diretor Andrea Segre o escalou para o papel de Enrico Berlinger (1922-1984), o estimado secretário-geral do Partido Comunista Italiano. Aquele que sonhou com o Socialismo Democrático e fez do PCI a mais forte das agremiações comunistas da Europa. Em “O Último Chefão”, Elio Germano divide o protagonismo com outro astro italiano de primeira grandeza, Toni Servillo.
A Festa peninsular, que se orgulha de ser “o maior festival de cinema italiano realizado no mundo lusófono”, não contará com a presença de Elio Germano. Seus compromissos são muitos. O convidado da décima-segunda edição da 8½ é Jacopo Quadri. Ele acaba de ganhar o David di Donattelo pela montagem do épico “A Grande Ambição”, o impactante filme que rendeu a Germano o prêmio de melhor ator no Festival de Roma (e, também, o cobiçado Donatello). Foi Quadri, portanto, quem editou as imagens do Berliner verdadeiro e de seu dedicado intéprete.
Com perícia e talento, o montador sintetizou, em 123 minutos, momentos cruciais da história contemporânea da Itália. E o fez somando ficção e imagens buscadas em arquivos pensinsulares e europeus. Quadri, um milanês de 60 anos, vai dividir seus conhecimentos (e talento) com paulistanos e cariocas em duas masterclasses programadas pela Festa Italiana. O fará como atividade do projeto “Fare Cinema”.

Elio Germano brilha, também, como coprotagonista de “O Último Chefão” (“Iddu”, “L’Ultimo Padrino” ou “Cartas Sicilianas”). “Iddu”, em dialeto siciliano, significa “Ele”. Mas, nessa saga sobre a Máfia, ele divide a narrativa com Toni “Il Divo” Servillo, 65 anos, o ator fetiche de Paolo Sorrentino (inclusive no oscarizado “A Grande Beleza”).
Fabio Grassadonia e Antonio Piazza dirigem “Iddu”, ambientado no início dos anos 2000. O filme disputou o Leão de Ouro no Festival de Veneza, ano passado, e fecha Trilogia sobre a Máfia, engendrada por Grassadonia e Piazza. Dessa vez, a dupla recria, com as devidas liberdades, a história de Matteo Messina Denaro, famoso chefão siciliano, foragido por três décadas.
Toni Servillo interpreta Catello, um ex-político, que, após cumprir pena de seis anos, será cooptado pelo Serviço de Inteligência da Polícia italiana. Ele terá que colaborar com a captura de Matteo (Elio Germano), seu amigo de infância. E aí entrarão em cena as “Cartas Sicilianas” que ambos (Catello e Matteo) trocaram nos anos em que o mafioso era um foragido. O filme é banhado por atmosfera intimista e impresso em cores fortes.
Além de exibir dez filmes contemporâneos, o Festival 8½ vai render tributo ao cineasta que lhe emprestou o nome – Federico Fellini (1920-1993). Dele serão exibidos, em cópias restauradas, “8½” e “La Dolce Vita”. Ambos protagonizados por Marcello Mastroianni, cujo centenário de nascimento foi lembrado, no mundo inteiro, ano passado.
Em “8½” (1963), Mastroianni representa Guido Anselmi, o alter-ego de Fellini, de ternos modernos arrematados por inseparável par de óculos, de finíssima grife, que seduziu plateias de todo o planeta. Guido era, como só poderia ser, um cineasta atormentado por perturbadora crise criativa. Pelo menos na ficção, já que o resultado impresso no celuloide (por aliciantes 138 minutos) tornou-se hit planetário.
Três anos antes, o realizador nascido em Rimini, já sacudira o mundo com “La Dolce Vita”, divisor de águas em sua carreira. O filme triunfou no Festival de Cannes, criou moda, estabeleceu o vocábulo “paparazzo” e fez da Via Venetto território-símbolo da mudanidade. Se se pedir a um cinéfilo (pelos menos aos mais-vividos) que cite uma das dez sequências mais famosas da história do cinema, dificilmente aquela que uniu Mastroianni e a sueca Anita Ekberg nas cobiçadas águas da Fontana de Trevi será esquecida.
Depois de evocar tantos nomes de atores e diretores do sexo masculino, há que se lembrar que a Festa Italiana vai apresentar quatro filmes dirigidos por mulheres. O mais famoso deles é “Vermiglio”, de Maura Delpero, que participou da seleção do Festival de Veneza, ficou entre os cinco finalistas ao Globo de Ouro internacional, figurou entre os 15 semifinalistas ao Oscar (na mesma categoria) e foi o grande vencedor dos David di Donatello (converteu sete das 14 indicações recebidas: melhor filme, direção, roteiro original – da própria realizadora –, fotografia, casting, produtores e som). E quebrou um tabu: Delpero, de 49 anos, foi a primeira mulher a receber o Donatello de “melhor diretora” em longos 70 anos de história do prêmio da Academia Italiana.
“Vermiglio”, que se passa em 1944, é um drama de guerra intimista, ambientado nos Alpes gelados. A Segunda Guerra Mundial se aproxima do fim, mas o solo europeu continua banhado em sangue. A Itália, que aliou-se ao Eixo (ao lado da Alemanha e Japão), vive momento aterrador.
No pequeno vilarejo alpino, porém, reina certa tranquilidade. Pelo menos até a chegada de Pietro (Giuseppe De Domenico), jovem soldado siciliano em busca refúgio, após carregar companheiro ferido por longa jornada. Ele será acolhido pela comunidade e pela família do respeitado professor do vilarejo. Lucia (Martina Scrinzi), a filha mais velha do mestre, logo se apaixonará pelo refugiado. Será correspondida. O romance, porém, desencadeará uma série de eventos que provocarão significativas alterações na vida comunitária. Pietro e Lucia decidem casar-se. Aí, então, preconceitos enraizados ganharão relevo, desestabilizando o isolado e pacato vilarejo.
Completam a representação feminina do Festival 8½, a fábula feminista “Glória! Acordes para a Liberdade”, de Margherita Vicario, a comédia “Felicità”, de Micaela Ramazotti, e o drama “Dieci Minuti”, de Maria Sole Tognazzi.
“Glória!” alcançou boa repercussão no “Oscar italiano”. Ganhou três Donatello (melhor direção de estreante, melhor trilha sonora e melhor canção). Detalhe importante: a cineasta, que é cantora e compositora, encabeçou as três premiações. Ela assina a trilha (em parceria com Davide Pavanello), compôs “Ária!”, a canção premiada (com Pavanello, Roberts, Bonomo e Fazio), e foi sua intérprete.
O drama “Dieci Minuti”, de Maria Sole Tognazzi, tem no elenco duas atrizes de grande reconhecimento na Itália – Barbara Rochi e Margarita Buy. A diretora Maria Sole, de 54 anos, é filha do ator Ugo Tonazzi (1922-1990), um dos maiores nomes da comédia italiana.
Bianca (Barbara Ronchi), que vive momento de crise existencial, é a protagonista de “Dez Minutos”. Sua terapeuta tentará ajudá-la, propondo a Bianca, que, em seu processo de autodescoberta, assuma um desafio – dedicar dez minutos diários a algo novo.
A comédia dramática “Felicità” (2023) marca a estreia da atriz Micaela Ramazotti, de 46 anos, na direção. Ela resolveu assumir novos desafios. Quem não se lembra dela em “A Primeira Coisa Bela”, lançado (inclusive no Brasil), em 2010? Quando protagonizou o filme, ela tinha 29 anos e foi vista como “um torpedo hormonal”. Sua personagem, Anna, mãe de duas crianças (Bruno e Valeria), desfruta com eles as delícias do verão de 1971. Linda, frívola, cheia de energia e sensualidade, Anna resolve disputar o concurso de beleza promovido, anualmente, pelo balneário de Livorno, na costa oeste da Toscana. O marido, um suboficial dos Carabinieri, ciumento e possessivo, vai ficar indignado com a decisão da mãe de seus filhos.
“A Primeira Coisa Bela”, além de sucesso comercial, serviu para unir o diretor Paolo Virzì à sua protagonista. Estão casados até hoje. E, agora, ela adotou a profissão do companheiro. Sua estreia na direção lhe rendeu indicação, pela Itália, ao Oscar internacional. Mas o filme não foi selecionado.
Em “Felicità”, sua protagonista, Desirè Mazzoni (a própria Micaela Ramazotti) se impõe uma difícil missão — romper o ciclo de violência e abusos familiares e proteger seu irmão. No elenco, dois nomes veteranos, Ana Galiena (“O Marido da Cabeleireira”) e Sérgio Rubini (“A Estrada 47”). A diretora se propôs a realizar um filme capaz de somar “leveza, humor e seriedade”.
Dois nomes de prestígio no cinema peninsular compõem a programação da Festa Italiana no Brasil – Mario Martone, de 65 anos, com “Fuori”, que disputou a Palma de Ouro em Cannes, mês passado, e Marco Tullio Giordana, de 74, com “La Vita Accanto” (“A Vida à Parte”).
Martone chamou atenção, no começo dos anos 1990, com “Morte de um Matemático Napolitano”, filme que despertou grande interesse no cineasta Carlos Reichembach, que o assistiu na Mostra SP e o recomendou a dezenas de amigos. Mas a carreira de Martone entrou em compasso de espera, pelo menos no Brasil. Seu último filme aqui lançado, “Nostalgia”, protagonizado por Pierfrancesco Favino, mobilizou público reduzido. Mas na Itália, e na Europa, ele segue muito respeitado. Tanto que cravou vaga na principal competição de Cannes. Sua protagonista, em “Fuori”, é a escritora Goliarda Sapienza, que dedica dez anos de sua vida à escrita de um livro, para o qual não conseguirá um editor. Em estado de desespero, ela resolve praticar um roubo de joias. Acabará presa. E o crime acabará com sua reputação. Na prisão, conviverá com prostitutas e dependentes químicas.
Marco Tullio Giordana esteve em São Paulo, em 2019, para participar da Festa Italiana e relançar cópia restaurada de “A Melhor Juventude”, seu filme mais festejado, junto com “Os Cem Passos”. Na gênese de seu novo longa, “La Vita Accanto”, está o maior cineasta italiano dos tempos presentes, Marco Bellocchio. O diretor de “Vincere” atua como corroteirista e coprodutor. A soma das assinaturas Bellocchio-Giordana não deve, nesse caso, gerar grande expectativa.
A trama “de La Vita Accanto” veio de acontecimento real, recriado pelos roteiristas a partir de romance de Mariapia Veladiano. Na alta burguesia de Vicenza, no Vêneto, Maria (Valentina Bellè) vive com o marido, o médico Oswaldo Macola (Paolo Pierbon, ator de muitos filmes de Bellocchio). Ao descobrir-se grávida do primeiro filho, Maria irradia alegria pela bela e sofisticada mansão da família. Além de Oswaldo e da jovem esposa, mora com eles a pianista Erminia Macola (Sonia Bergamasco), irmã do médico. Quando a criança nasce, advém o inesperado. Ela virá marcada por imensa mancha vermelha no rosto.
A mãe entrará em profunda depressão. A ponto de negar-se a levar a recém-nascida ao sacramento do batismo. Rebecca Marcola, que veremos criança, adolescente e jovem adulta, sofrerá discriminação e bullying. E sua complexa relação com a mãe acabará resultando em fatos inesperados. O filme dialoga com o cinema de horror. Mas a beleza da comuna de Vicenza, fotografada com excesso de fotogenia, e a contenção de Giordana, que não se decide entre o drama familiar e a fantasmagoria, acabará deixando o filme sem o vigor dos melhores trabalhos do cineasta.
Valerio Ferrara, com “Il Complottista”, e Domenico de Feudis, com “La Coda del Diavolo”, completam a programação.
“Il Complottista” é uma comédia, que se propõe “contemporânea e surreal”. A trama, de sintéticos 85 ninutos, se ambienta em bairro popular de Roma. O barbeiro Franco, o protagonista, é conhecido por difundir teorias absurdas, que vão de manipulações de resultados eleitorais até candeeiros capazes de transmitir mensagens em Código Morse. Ninguém o leva a sério. Mas, quando a polícia o encarcera, ele se transforma em símbolo para os conspiracionistas (incluindo um político decadente e oportunista). Ferrara busca, com seu filme, retratar a Itália dos rancorosos, ressentidos e em busca de inimigos invisíveis.
“La Coda del Diavolo” (“A Cauda do Diabo”) é um thriller baseado em romance homônimo de Maurizio Maggi. Seu protagonista se chama Sante Moras (Luca Argentero), ex-policial que assume função de carcereiro. Ele será acusado de matar um preso. Em fuga, tentará ganhar tempo e provar sua inocência. Descobrirá, então, e com ajuda de uma jornalista, uma rede de tráfico humano.
OS FILMES:
Produções Contemporâneas
. “Vermiglio”, de Maura Delpero
. “Berlinger – A Grande Ambição”, de Andrea Segre
. “O Último Chefão” (“Iddu”), de Fabio Grassadonia e Antonio Piazza
. “Glória! Acordes para a Liberdade”, de Margherita Vicario
. “Dieci Minuti”, de Maria Sole Tognazzi
. “Felicità”, de Micaela Ramazotti
. “Fuori”, de Mario Martone
. “La Vita Accanto”, de Marco Tullio Giordana
. “Il Complottista”, de Valerio Ferrara
. “La Coda del Diavolo”, de Domenico de Feudis
Clássicos Italianos
. “La Dolce Vita”, de Federico Fellini
. “8 ½”, de Federico Fellini
8½ Festa do Cinema Italiano
Data: 26 de junho a 2 de julho
Locais: São Paulo, Rio de Janeiro, BH, Brasília, Salvador, Fortaleza, Recife, Porto Alegre, Curitiba, Caxias do Sul, entre outras cidades
Produção: Associação Il Sorpasso e Risi Film Brasil
Pingback: news-1749690616261-18197 – News Conect Inteligencia Digital