Mundo melhor, filme pior
“Em um Mundo Melhor” é, possivelmente, o filme de maior comunicação com o público da dinamarquesa Susanne Bier, que vem ganhando reconhecimento com seus melodramas nos últimos anos. Ao se voltar para temas sociais complexos, que repercutem em motivos tão em voga como a violência e a globalização, Bier recebeu outro prestígio: o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro este ano, desbancando o favorito “Biutiful”, de Alejandro González Iñárritu, além de ter sido indicado ao Oscar na mesma categoria.
A diretora já havia sido indicada à premiação pelo ótimo e superior “Depois do Casamento” (2006) – perdendo para “A Vida dos Outros” –, filme que representa muito melhor a cineasta dentro de sua carreira. Em “Depois do Casamento”, ela faz um sensível melodrama, muito intenso e catártico, sobre uma questão extremamente pessoal e íntima: um homem que descobre ser pai 20 anos depois do nascimento da filha, na festa de casamento dela. É um melodrama que segue o melhor da escola Douglas Sirk de filmes.
Em “Depois do Casamento”, como nos outros filmes da diretora, a questão social se faz presente, porém como tema secundário, como forma de levantar a bola da questão e, a partir delas, ir para o âmago das relações humanas. No filme, o protagonista é o responsável por um orfanato na Índia, tirando as crianças da rua, porém, a falta de dinheiro levará o lugar a ser fechado. Por isso, ele volta à Dinamarca para conversar com um potencial investidor – e esse é o ponto de partida para descobrir a filha.
Já em “Brothers” (2004), refilmado nos EUA como “Entre Irmãos” (2009), vemos um dos dois irmãos, que é enviado do exército no Afeganistão, sofrer um acidente, a ponto de todos acharem que está morto, enquanto, na verdade, está preso sob tutela inimiga – e partir daí o outro irmão tentar assumir as pendências da figura paterna com os sobrinhos.
No longa “Em um Mundo Melhor”, a questão social deixa de ser secundária e assume o protagonismo, nas duas frentes. Anton (Mikael Persbrandt) é um médico que se divide entre sua residência e família na Dinamarca e um campo de refugiados na África. Aí, as maiores barbaridades ocorrem com a população, a ponto de o chefão local do crime estuprar moças e depois esfaqueá-las quando estão para ter a criança, fruto da violência. Na Dinamarca, onde há um maior controle da lei, a violência é exposta de outra maneira: o bullying. Elias (Markus Rygaard), filho de Anton, um garoto de dez anos, sofre nas mãos dos valentões do colégio, que sempre o espancam. Acuado, não faz nada a respeito. Até o dia em que conhece Chrstian (William Jøhnk Juelz Nielsen), um menino que não se deixa abalar, e responde com extrema violência aos ataques. Chrstian inclusive presenteia Elias com uma faca e o ensina a fazer pequenas bombas explosivas.
Se o mundo de Elias e Christian é perturbado por problemas de outra ordem (lar destruído, pais ausentes, morte de pessoas próximas) – não aprofundados talvez por serem clichês demais –, a crescente violência na sociedade assume o viés central. Não só na Dinamarca, como na África. A ideia da diretora parece ser a de compreender esse mundo e tentar melhorá-lo, buscar soluções, como aponta o título do filme em português – muito diferente do original, “Hævnen”, algo como “vingança”.
Esse aspecto, que parece estar rendendo louros à diretora, é, no entanto, o que o transforma no pior filme de Susanne Bier, que havia vindo de uma experiência fílmica muito positiva, mesmo que fracasso comercial, com o norte-americano “Coisas que Perdemos pelo Caminho” (2007). Ao deixar de lado o melodrama dos indivíduos, o filme ganha um ar de prepotência e uma importância que não tem. O gênero só funcionava bem enquanto na seara existencial, no cotidiano, em algo que é particular. Em novas dimensões, só repete clichês e parece querer ser filme-tese.
O forte no cinema de Bier sempre foi a brutalidade dos encontros, embates e confrontos, deveras catárticos, que exigiam de seus personagens uma força sobre-humana de entendimento, expondo os sentimentos à flor da pele, como se entranhas estivessem sendo vomitadas. Tanto que o principal recurso era a fotografia, que abusava de primeiros planos e de planos detalhes, além de desfoques, que ajudavam a construir uma experiência sensorial ao espectador. Tudo isso foi deixado de lado em “Em um Mundo Melhor”. A única característica mantida foi a trilha musical comedida, que se faz ausente de todos os conflitos e embates, pontuando a cena de maneira crua e pungente, sem tentar provocar uma catarse emocional em quem está vendo – dramatizando a cena ainda mais.
Susanne Bier é ainda eficiente em criar seus melodramas em “Em um Mundo Melhor”, mas está longe de criar a mesma atmosfera marcante de seus trabalhos anteriores. É uma pena – e uma pena maior ainda que o reconhecimento em premiações esteja vindo justamente desse trabalho.
Dinamarca/Suécia, 119 min, 2010
Direção: Susanne Bier
Distribuição: Califórnia
Estreia: 11 de março
Por Gabriel Carneiro