Wasp Network – Rede de Espiões

Por Maria do Rosário Caetano

“Wasp Network”, por causa da epidemia do coronavírus, não chegará aos cinemas brasileiros. O filme, dirigido pelo francês Olivier Assayas, a partir do livro “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, de Fernando Morais, vai direto para o streaming. Sua estreia se dará, nesta sexta-feira, 19 de junho, em poderosa plataforma de cinema doméstico, a Netflix.

O Brasil preservou o título internacional do filme – Wasp Network (rede branca, anglo-saxã, protestante), acompanhado do subtítulo “Rede de Espiões”. Antes, anunciou-se que essa produção do brasileiro Rodrigo Teixeira, com parceiros franceses, espanhóis e belgas, chamar-se-ia “Wasp Network – Prisioneiros da Guerra Fria”. A crença de que as novas gerações mal ouviram falar no duradouro conflito, que antagonizou EUA e URSS, deu origem a título mais genérico e palatável.

Para os cubanos, o nome facilmente identificável é “Rede Vespa”, o mesmo que batizou a operação real. No começo dos anos 1990, agentes de Cuba infiltraram-se em rede de sabotadores anticastristas, baseados na Flórida. Tais sabotadores, empenhados em desestabilizar o governo de Fidel Castro, desassistido com a derrocada da União Soviética, vinham colocando bombas em hotéis de Havana e Varadero, sequestrando aviões e, até, jogando pragas biológicas em plantações agrícolas da Ilha caribenha. O ambiente era de conflagração.

Na França, o título escolhido por Assayas foi “Cuban Network”. A crítica parisiense, em maioria, aprovou o novo thriller político do realizador, respeitado desde os tempos em que era um dos críticos da revista Cahiers du Cinéma e ajudou a difundir o cinema asiático (China, Hong Kong e Taiwan à frente). A revista Positif e o jornal Libération atribuíram cinco estrelas (cada) ao filme. Le Point, Le Parisien e La Croix, quatro. Le Monde, Les Inrockuptibles e Le Nouvel Observateur, três. A Cahiers foi a mais rigorosa: duas (mesmo número do conservador Le Figaro). O público foi razoável (186 mil ingressos).

Olivier Assayas, autor do vibrante e lisérgico “Carlos”, filme e série sobre o guerrilheiro Carlos, o Chacal, era o nome dos sonhos do brasileiro Rodrigo Teixeira para comandar a adaptação do livro de Fernando Morais. Quando o francês aceitou o desafio, Teixeira e parceiros somaram esforços para que tudo desse certo. Filmagens em locações, elenco estelar (14 atores principais e coadjuvantes oriundos da América Latina, Espanha e EUA), técnicos de grande valor, aviões, barcos, enfim, tudo que exige um explosivo thriller político. No elenco, destacam-se a espanhola Penélope Cruz, o brasileiro Wagner Moura, o venezuelano Édgar “Carlos” Ramírez, o mexicano Gael García Bernal, a cubana Ana de Armas e o argentino Leonardo Sbaraglia (portanto, uma verdadeira OEA). A maior parte das filmagens foi realizada em solo cubano, embora a ação se passe, majoritariamente, na ensolarada Miami e arredores, em casas ou luxuosas mansões habitadas por grupos anticastristas, alguns de base militarista, outros não.

Como o diretor inicia seu filme sem que o espectador (aquela parte que desconhece a Operação Vespa) saiba do que se trata, tudo que for dito sobre a trama parecerá spoiler. Já os que leram o livro de Fernando Morais (ou conhecem a história contemporânea de Cuba) saberão claramente o que se passará dali a pouco, que papel desempenharão aqueles cubanos de aparência ordinária, que buscam abrigo na Flórida como se fossem dissidentes castristas.

Fernando Morais construiu, em seu nono livro (Companhia das Letras, 2011), narrativa eletrizante. E fez questão de agregar a seu título (“Os Últimos Soldados da Guerra Fria”) subtítulo mais que revelador, já na capa: “A História dos Agentes Secretos Infiltrados por Cuba em Organizações de Extrema-Direita nos Estados Unidos”. Para fúria dos que odeiam spoiler.

A operação Havana-Miami traz detalhes saborosos, embora seja totalmente diferente de clássicos da espionagem, a começar pela bem-sucedida franquia James Bond. Os espiões cubanos não têm carros envenenados, não portam armas de última geração, não desfilam por cenários paradisíacos (só um deles, graças a matrimônio com jovem da comunidade cubana de Miami, frequentará ambientes luxuosos). Os outros quatro (e seus apoiadores) se esfalfarão em empregos medíocres, limpando piscinas, cuidando de jardins, sendo atendentes de hospital ou escola de idioma. Para usar termo caro ao vocabulário socialista, não passam de proletários insignificantes. Um deles, exímio piloto, conseguirá trabalho arriscado: o de resgatar balseiros no mar do Caribe ou, o que seria bem pior, invadir o espaço aéreo cubano (sob risco de ver seu pequeno avião ser pulverizado por um míssil).

“Wasp Network” teve sua pré-estreia mundial no Festival de Veneza, no qual disputou o Leão de Ouro. Não ganhou nenhum prêmio. Parte da crítica achou a história complicada demais. Assayas resolveu, de comum acordo com seus produtores, acrescentar à narrativa mais quatro minutos capazes de tornar sua contextualização histórica mais perceptível. Esta versão é a que a Netflix acrescenta a seu catálogo. A mesma que abriu a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro do ano passado, na presença do diretor, dos atores Édgar Ramírez e Leonardo Sbaraglia, do produtor Rodrigo Teixeira e do escritor Fernando Morais.

Os cinco agentes secretos cubanos infiltrados entre os anticastristas mobilizaram o apoio de nove colaboradores, todos residentes nos EUA e pró-Cuba (sete homens e duas mulheres). São, portanto, 14 os personagens da Rede Vespa presentes no livro. Já no filme, para evitar excesso de personagens e de subtramas, Assayas condensou a narrativa em apenas três espiões a serviço de Havana: René González (Édgar Ramírez), Juan Pablo Roque (Wagner Moura) e Manuel Viramóntez (Gael García Bernal), este, o chefe da operação. Ampliou dois papeis femininos (secundários no livro): Olga Salanueva (Penélope Cruz), esposa cubana que René abandonou em Havana, e Ana Margarita, a futura e bela esposa (Ana de Armas), a quem Juan Pablo se uniria, em Miami, com direito a festa luxuosa, bancada pela máfia “gusana” de Miami.

Líderes anticastristas da Flórida ganharam de Assayas, que assina roteiro condensado e instigante, espaço razoável. José Basulto, interpretado com matiz por Leonardo Sbaraglia, foi o mais favorecido. Jorge Mas Canosa e Luis Posada Carriles não tiveram o mesmo desenvolvimento. Quem sabe uma das causas da ausência de grandes plateias nas sessões de “Wasp Netwark” seja justamente as ambiguidades do filme. Como bom francês, vindo das fileiras da Cahiers du Cinéma, Olivier Assayas fugiu do modelo mocinhos versus bandidos, bons e justos contra maus e injustos. Sua maior qualidade parece ter se transformado, para alguns, em defeito.

 

Wasp Network – Rede de Espiões
Brasil, França, Espanha, Bélgica, 127 minutos, 2020
Falado em inglês, espanhol e russo
Direção: Olivier Assayas
Baseado no livro “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, de Fernando Morais
Elenco: Wagner Moura, Édgar Ramírez, Gael García Bernal, Penélope Cruz, Ana de Armas, Leonardo Sbaraglia, Tony Plana, Harlys Becerra, Adria Arjona, Stephen W. Tenner, Steve Howard, Julian Flyn
Lançamento: Netflix

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