Deserto Particular
Por Maria do Rosário Caetano
Até as portas dos cinemas já sabem que “Deserto Particular”, sexto longa-metragem (o quinto a estrear) do cineasta baiano-paranaense Aly Muritiba – trata de história de amor homoafetivo.
Houve quem – premido pelo combate, triunfante em nosso tempo, ao spoiler – tentasse esconder a principal virada do roteiro. Mas quem lê jornais e passeia pela internet (ou seja, quase todo mundo) sabe, há meses, que o policial Daniel (o maranhense-parisiense Antônio Sabóia) deixa Curitiba, sob investigação de sua corporação, rumo ao Nordeste, para encontrar Sara, com quem mantém namoro virtual. Sara, na verdade Robson (Pedro Fasanaro), é carregador de frutas no mercado de poeirenta cidade baiana, situada próxima à represa de Sobradinho. Aquela gigantesca hidrelétrica que inundou até a Canudos de Antônio Conselheiro.
“Deserto Particular”, representante brasileiro na disputa por vaga entre os finalistas ao Oscar internacional, tornou sua temática tão explícita, que foi, até, eleito o melhor longa do Mix Brasil, festival da Diversidade. Tem, portanto, na estante, um orelhudo Coelho dourado, a principal láurea da mais famosa competição LGBTQIA+ do país. O filme estreia nessa quinta-feira, 25 de novembro, em cinemas de diversas cidades brasileiras.
As chances do longa de Aly Muritiba, premiado pelo público de mostra paralela (Giornate Degli Autore) do Festival de Veneza, chegar ao Oscar parecem reduzidas. Há quem entenda que, se chance houver para um filme brasileiro, ela se dará na categoria longa documental, com “A Última Floresta”, de Luiz Bolognesi, com passagem e boa repercussão no Festival de Berlim. Aguardemos, pois, o anúncio da primeira lista, com 15 semi-finalistas, em 21 de dezembro. Os cinco finalistas serão conhecidos no dia 8 de fevereiro.
Aly Muritiba define “Deserto Particular” como “um filme de amor, feito em um país conflagrado, dividido e pautado pelo discurso do ódio”. E atingiu plenamente seu objetivo. Afinal, trabalhou em dois ambientes que conhece muito bem: a Curitiba do mundo policial-carcerário (ele exerceu a função de carceireiro por sete anos em penitenciária do Estado) e a Bahia interiorana e poeirenta, onde nasceu e viveu infância e juventude (até mudar para São Paulo, onde foi cobrador de ônibus e estudou História na USP). Ao casar-se, mudou-se para a cidade natal de sua primeira esposa. Além de carcereiro, tornou-se estudante de Cinema. Virou cineasta produtivo e bem-sucedido.
Se Muritiba conhecesse melhor o universo homoafetivo, seu roteiro seria mais safo. Daniel, irmão de jovem lésbica, saberia que Sara, sua namorada virtual, era uma transexual. Em crise profissional e existencial, ele viajaria, sim, atrás dela, rasgando estradas poeirentas, pois o desejo não conhece fronteiras. Mas sua surpresa ao descobrir o jovem Robson atrás da mulher amada resulta por demais frágil. Só não derruba a estrutura dramática do filme, porque o realizador domina seu ofício. Filma com fúria suas paisagens humana e física, dias de sol e calor, noites de luz e rodopios cabareteiros.
E conta com equipe poderosa a ajudá-lo. Em especial um fotógrafo poderoso – Luis Armando Arteaga, do guatemalteco “Ixcanul”, de Jayro Bustamante, premiado em Berlim. Conta, ainda, com ótimos atores e nos permite ver o viril Thomas Aquino (o Pacote de “Bacarau” e o cabo eleitoral de “Curral”) em surpreendente desempenho (no papel de amigo homossexual de Sara).
Deserto Particular
Brasil, Portugal, 120 minutos, 2021
Direção: Aly Muritiba
Elenco: Antônio Saboia, Pedro Fasanaro, Laila Garrin, Luthero Almeida, Cynthia Senek, Thomas Aquino, Zezita Matos e Otávio Linhares
Fotografia: Luís Armando Arteaga
Produção: Grafo e Fado Filmes
Distribuição: Pandora
FILMOGRAFIA
Aly Muritiba (Mairí-Bahia, 20/02/1979)
Longas-metragens:
2022 – Jesus Kid (fic)
2021 – Deserto Particular (fic)
2020 – Nóis por Nóis (fic, codireção de Jandir Santin)
2018 – Ferrugem (ficção)
2015 – Para minha Amada Morta (ficção)
2013 – A Gente (documentário)
Curtas-metragens:
2011 – A Fábrica
2013 – Pátio
2014 – Brasil
2015 – Tarântula (com Marja Calafange)
2015 – Parque Pesadelo (com Francisco Gusso e Pedro Giongo)
Séries de TV:
. Cangaço Novo (em produção)
. O Caso Evandro (Globoplay)
. O Hipnotizador (HBO)
. Irmãos Freitas (Space)
. Carcereiros (Globo)
. Irmandade (Netflix)