“Na Rédea Curta” tem como protagonista o “Paulo Gustavo baiano”
Por Maria do Rosário Caetano
“Na Rédea Curta”, longa-metragem dos mineiros-baianos Glenda Nicácio e Ary Rosa, chega aos cinemas nessa quinta-feira, primeiro de dezembro, depois de fazer sucesso como websérie e levar seus roteiristas-protagonistas à condição de colaboradores e “bahianizadores” de séries de humor da TV por assinatura.
A protagonista de “Na Rédea Curta”, Mainha (Sulivã Bispo), é “irmã de alma” de Dona Hermínia (Paulo Gustavo), personagem que conquistou milhões de espectadores. E Júnior (Thiago Almasy), o coprotagonista, assemelha-se ao filho da mamãe encarnada com tanta alegria (e carisma) por Paulo Gustavo (1978-2021) nos filmes da série “Minha Mãe é uma Peça”.
Os realizadores de “Na Rédea Curta” dirigiram sete longas-metragens e alcançaram notoriedade já com o primeiro deles, o sensível e cativante “Café com Canela”. Começaram suas trajetórias filmando em Cachoeira (35 mil habitantes) e São Félix (15 mil), cidades do Recôncavo Baiano, banhadas pelo Rio Paraguaçu. A dupla volta, com o novo filme, ao mesmo território. Afinal, embora nascidos em Minas Gerais (eles estão próximos dos 30 anos), formaram-se em Cinema na UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia). E fincaram raízes no município.
O sexto longa (“Na Rédea Curta”) começa com Mainha dando bronca no filho dependente e sem-rumo, que – para piorar tudo – engravidou a namorada Kylane (Bárbara Bela). Ao saber que seria pai, o rapaz entrou em parafuso. Afinal, Mainha o criara sozinha e ele não conhecia o próprio pai. Nunca o vira. Para complicar, possessiva como ela só, Mainha não nutria nenhuma simpatia pela futura nora.
Nos 15 primeiros minutos do filme, Dona Mainha não fala. Grita! O espectador se põe a pensar: terá ouvidos para aguentar tal voz, tantos decibéis acima do necessário?
Mãe e filho vivem num simpático e colorido apartamento em Salvador. Júnior descobre que o pai é morador de Cachoeira. Resolve, então, tomar um busão para procurá-lo, conhecê-lo e, quem sabe, aprender os segredos da paternidade com o próprio, embora ausente, genitor.
Mainha vai junto, pois não vai deixar o filho sair da barra de sua saia. No ônibus conhecem Dona Zezé, uma cachoeirana muito da implicante (a hilária Luciana Souza, a evangélica de “Opaió”). Em cenários (hiper-coloridos) das duas cidades, que margeiam o Paraguaçu, a trama se desenvolverá. Para alívio do espectador, Mainha domará a voz irritante.
Em ritmo de comédia rasgada, com diálogos espertíssimos, deliciosas intervenções animadas (Ary Rosa fará um Darth Vader baiano, em diálogo com o aprendiz Luke Skywalker, encarnado em Reifra) e trilha sonora vibrante e descolada (de Zé Manoel e outros), a narrativa correrá célere por enxutos 94 minutos.
O filme nasceu dos personagens Mainha e Júnior, criados pelos autores-atores Sulivã Bispo, de 29 anos, e Thiago Almasy, de 33. Depois do sucesso na internet, sentiram o desejo de levar os personagens ao cinema. Ninguém melhor para dirigi-los que Glenda e Ary. Com satisfação, a dupla cinematográfica uniu-se aos dois cômicos e, sob o lema “Rir é um ato de resistência” (do saudoso Paulo Gustavo), convocaram mais dois roteiristas (Camila Gregório e Tidi Eglantine) para a empreitada. O sexteto manda bem. Até por contar com sortido arsenal de “diálogos” depositado no Canal “Frases da Mainha”, de imenso sucesso, principalmente na Bahia.
O script do filme soma comédia internético-televisiva com as cores fortes do primeiro Almodóvar, aquele dos alucinados tempos da ‘Movida Madrileña’. E tome dendê: o filme exala a exuberância e o colorido da Bahia por todos os poros (ou fotogramas).
Depois do momento estridente (com Mainha e sua voz gutural) veremos, até, um lindo momento sentimental-jocoso. Júnior relembra os apertos vividos na escolinha infantil afro-soteropolitana num Dia dos Pais. Como ele “não tinha pai”, contava para os coleguinhas as invencionices urdidas pela fértil imaginação de sua mãe. Mas a garotada esperta o desmascarava. Por isso, adulto, o rapaz superprotegido pela mãe, queria ser um bom, um ótimo pai.
Em diálogo aberto com o pop (seria o pai de Júnior um certo Rei do Pop, que gravara um clip no Pelourinho?), recheado com discretos lances metalinguísticos (cinema mudo em preto-e-branco), a comédia paulogustaviana de Cachoeira segue em frente e vai nos cativando aos poucos.
O elenco conta com a rica contribuição de Zezé Motta (Voinha de Júnior), Cristina Pereira (a cartomante Madame Delacroix), Jackson Costa (o pai ausente), Arlete Dias (Cidão), Telma Souza (do Bando de Teatro Olodum, como Raymara), a apresentadora Rita Batista, entre muitos outros. Mas quem manda ver, no frigir dos ovos, são os dois protagonistas.
Como estamos no registro da farsa (sedimentada em diálogos atrevidos), a gente faz de conta que acredita que Sulivã Bispo, de apenas 29 anos, tem idade para ser mãe de Thiago Almasy, quatro anos mais velho (na vida real).
Ninguém sabe se o filme dará certo no circuito exibidor. Até porque, com a pandemia, o cinema brasileiro viu suas comédias (aquelas chamadas de “globochanchadas”) popularíssimas, perder até 70% de seu público. Para agravar, “Na Rédea Curta” estreia em plena Copa do Mundo, evento planetário que vem jogando as bilheterias cinematográficas (brasileiras, em particular) no chão.
Para se esboçar ideia do desempenho de nossos filmes, esse ano, vale registrar alguns dados: o espírita “Predestinado”, sobre o médium Zé Arigó, estacionou nos 300 mil ingressos. “Ninguém Sabe Quem Sou”, sobre e com Maria Bethânia, não chegou a dez mil espectadores (documentário anterior da Doce Bárbara se aproximara dos 30 mil). “Os Suburbanos”, que poderia, nos tempos de bonança, ultrapassar a casa do milhão de espectadores, ficou nos 100 mil.
Outros exemplos: “45 do Segundo Tempo”, com Tony Ramos, não chegou a 50 mil. “Bem-Vindos a Quixeramobim”, de Halder Gomes, que arrasara nos nove estados do Nordeste com “Cine Holliúde” (300 mil espectadores nordestinos), dessa vez não chegou a 100 mil. “Tô Ryca 2”, com a carismática Samantha Schmutz, ficou com 550 mil, um quarto do que conseguira com o primeiro “Tô Ryca”.
“Eike, Tudo ou Nada”, descolada cinebiografia do empresário-falido, empacou nos 20 mil ingressos. Outro filme de tema momentoso – “Assalto na Paulista”, com trama policial adrenalinada e o ator Eriberto Leão como protagonista, não chegou a 5 mil espectadores. O mesmo Eriberto protagonizou “Maior que o Mundo”, baseado em romance de Reinaldo Moraes, que também não chegou a vender 5 mil tíquetes.
Outros filmes que tentaram diálogo com o público – “Um Broto Legal”, cinebiografia de Cely Campelo, “O Pai da Rita” e “ Duetto”, por exemplo — não decolaram.
“Alemão 2”, de José Eduardo Belmonte, não chegou aos 100 mil espectadores. O filme anterior vendera quase um milhão de ingressos.
No terreno infantil, “Turma Mônica – Lições”, não chegou ao milhão. “DPA – Detetives do Prédio Azul”, que ficara em suas duas primeiras realizações cinematográficas na casa dos 2 milhões de espectadores, caiu para menos de 500 mil. “Pluft, o Fantasminha” estacionou nos 100 mil e “Tarsilinha”, nos 20 mil ingressos.
“O Clube dos Anjos”, com elenco estelar e baseado em livro de Luis Fernando Verissimo, da série “Os Sete Pecados Capitais”, tinha apelo para no mínimo 100 mil espectadores. Está lutando para chegar a 10 mil. Produções mais autorais, como “Deserto Particular”, “Paloma”, “A Mãe”, “Carvão”, “O Livro dos Prazeres”, “A Felicidade das Coisas”, “Casa de Antiguidades”, “Os Primeiros Soldados”, “Carro Rei”, entre outros “arremessados” nas telas dos cinemas, tiverem desempenhos modestíssimos.
No terreno do documentário, só um filme teve desempenho digno de registro, “Amigo Secreto”, de Maria Augusta Ramos, passou dos 15 mil ingressos, superando muitos filmes de ficção. Longas documentais de grande qualidade, como “Segredos do Putumayo”, “O Grande Irmão – O Dia que Durou 21 Anos”, “O Território” e “Kobra Auto-retrato” (este sobre um artista em seu auge criativo) ficaram aquém do esperado.
Pode-se dizer que, em tempos de pandemia, desolacão cultural bolsonariana e (agora) Copa do Mundo – apenas dois filmes brasileiros se destacaram: o carioca “Medida Provisória”, de Lázaro Ramos (quase 600 mil tíquetes), e o mineiro “Marte Um”. Este, escolhido para representar o Brasil na disputa por vaga ao Oscar internacional, mesmo sendo uma produção de baixo orçamento, com elenco 100% black, já se aproxima dos 100 mil ingressos. Está em cartaz há 15 semanas ininterruptas.
Que o bom humor e alto astral baiano de “Na Rédea Curta” quebre este ciclo de bilheterias preocupantes. Se não o fizer no centro-sul, que o faça ao menos na colorida Bahia.
Na Rédea Curta
Brasil, 94 minutos, 2022
Direção: Glenda Nicásio e Ary Rosa
Elenco: Sulivã Bispo, Thiago Almasy, Zezé Motta, Cristina Pereira, Jackson Costa, Arlete Dias, Telma Souza, Rita Batista
Produção: Rosza Filmes
Distribuição: Elo Company
Filmografia
Glenda Nicácio (1992, 30 anos) e Ary Rosa são mineiros radicados em Cachoeira, na Bahia
2022 – “Munguzá” (ficção) – inédito
2022 – “Na Rédea Curta” (ficção)
2021 – “Voltei” (ficção)
2021 – “Eu Não Ando Só” (documentário)
2020 – “Até o Fim” (ficção)
2018 – “A Ilha” (ficção)
2017 – “Café com Canela” (ficção)
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