Adeus aos atores Ilya São Paulo e B. de Paiva e ao diretor André Luís da Cunha, de “Nós, os Guarani”
Por Maria do Rosário Caetano
O meio cultural está em estado de profunda tristeza. Perdeu, num mesmo dia, essa terça-feira, 31 de janeiro, três artistas com grandes serviços prestados ao audiovisual brasileiro – o diretor de fotografia e cineasta André Luís da Cunha (foto acima), aos 53 anos, e os atores Ilya São Paulo, de 59, e B. de Paiva, de 90.
O ator Ilya Flaherty Santana São Paulo carregava o cinema até no nome. Seu pai, o cineasta baiano Olney São Paulo (1936-1978), viveu trágica experiência político-existencial. Realizou, em 1969, o filme “Manhã Cinzenta”, que causou forte impressão nos meios políticos e cinematográficos. Guerrilheiros que sequestraram avião Caravelle PP-PSX, da Cruzeiro do Sul, embarcaram com cópia (interditada pelo Governo Militar) de “Manhã Cinzenta” no voo. Presos, a cópia foi usada como prova contra o pai de Ilya, Irving, Maria Pilar e Olney Filho. Ele foi encarcerado.
Ilya São Paulo nasceu em Feira de Santana em 13 de setembro de 1963. Dedicou-se, como o irmão Irving, à carreira de ator. Fez novelas (a segunda versão de “Irmãos Coragem”, de 1995, sendo a mais recente “Amor de Mãe”, de 2020, na qual interpretou Juarez) e filmes como “A Cartomante”, de Marcos Faria, e “A Terceira Margem do Rio”, de Nelson Pereira dos Santos, que protagonizou ao lado da atriz francesa Sonjya Saurin.
Olney, o pai, diretor de “O Grito da Terra”, “O Forte” e “Ciganos do Nordeste”, morreu aos 41 anos. Irving São Paulo (1964-2006), também aos 41 anos. O ator Ilya foi casado com as atrizes Patrícia França (1995-1997) e Claudia Provedel, sua companheira até seu derradeiro momento.
O ator B. De Paiva viveu seus últimos momentos no Ceará, seu estado natal, mas passou quase três décadas em Brasília, com intensa atividade teatral e atuando em filmes, entre eles o longa “Tigipió – Uma Questão de Amor e Honra”, de Pedro Jorge de Castro. Ele foi diretor e professor da Fundação Brasileira de Teatro – Escola Dulcina de Morais, voltada à formação de atores. A instituição conta com teatro que foi palco de grandes espetáculos brasilienses e também de produções vindas de outras regiões do país.
A morte de André Luís da Cunha foi a que mais comoção causou. É que nos últimos dois anos, a capital da República assistiu à morte de quatro profissionais do audiovisual – o documentarista Bernardo Bernardes (aos 44 anos, diretor de “Viva Cassiano!”), o ator Lauro Montana, de 44 anos, o cineasta Cássio Pereira, de apenas 42, do festejado longa ficcional “Valentina”, protagonizado por jovem transsexual. Agora, advém a inesperada morte do diretor de fotografia e documentarista André Luís da Cunha. Os quatro puseram termo à própria vida.
André Luís formou-se em Cinema pela UnB (Universidade de Brasília), na mesma turma do cineasta José Eduardo Belmonte (para quem ele fotografou “Subterrâneos” e, em parceria com André Lavenère, “A Concepção”). Ele nasceu em Uberlândia-MG, em 1971, e mudou-se, com a família, para Brasília, quando contava apenas quatro anos.
Já adulto, regressou à Uberlândia natal, onde cursou Engenharia Elétrica. Mas desistiu. De volta a Brasília, formou-se em Cinema, no Departamento de Comunicação da UnB, na Turma de 1994. Ainda estudante, começou a fotografar curtas-metragens de amigos. O primeiro foi “O Último Ato”, em 1991. Seguiram-se diversos trabalhos e, em 1995, ele estreou como diretor do curta “Áporo”.
Assinou a fotografia dos médias-metragens “Ariano Suassuna – Aula Espetáculo”, de Vladimir Carvalho, e “Graciliano Ramos – Mestre Graça”, produção da Fundação Teotônio Vilella. Dois filmes muito badalados – os curtas “Cinco Filmes Estrangeiros”, de Belmonte, e “Sinistro”, de René Sampaio – chamaram atenção para as imagens do jovem André Luís. Com Jacques Cheuiche e Marcelo Coutinho, fotografou o longa “Barra 68 – Sem Perder a Ternura”, de Vladimir Carvalho. Com Aloysio Raulino, fotografaria o formidável “O Homem da Grade de Ferro”, de Paulo Sacramento, filme que vendeu mais de 20 mil ingressos, marca notável para um documentário com mais de duas horas de duração.
Sozinho, André Luís fotografou a ficção infanto-juvenil matogrossense “A Oitava Cor do Arco-Iris” (Amauri Tangará, 2004). Em 2010, o mineiro-candango deslocou-se até o Rio Grande do Sul para assinar a direção de imagens do longa ficcional “A Última Estrada da Praia”, de Fabiano Souza.
Em 2008, André Luís da Cunha apresentaria, na quadragésima-primeira edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, seu primeiro longa-metragem como diretor – “Nós, os Guarani – Ñande Guarani” (o uso de nomes de povos indígenas no singular é prática recomendada, desde os anos 1950, por Convenção de Antropólogos). O filme contou com produção do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e foi tema de animado debate no festival candango, do qual participaram, além do cineasta, representantes indígenas e equipe técnica. “Nós, os Guarani” foi premiado com o Troféu Candango de melhor som.