Morte de Léa Garcia, no dia em que receberia o Troféu Oscarito, emociona Gramado
Foto © Cleiton Thiele/Agência Pressphoto
Por Maria do Rosário Caetano, de Gramado-RS
A morte, por infarto, da atriz Léa Garcia, aos 90 anos, emocionou o Festival de Cinema de Gramado, que entregaria a ela, nessa terça-feira, 15 de agosto, o Troféu Oscarito. Ela receberia láurea por sua rica trajetória no cinema, teatro e TV, ao lado da atriz Laura Cardoso, de 95 anos.
As duas veteranas dos palcos e telas brasileiras chegaram à Serra Gaucha no início do festival. E compareceram, juntas, à principal sede do evento, o Palácio dos Festivais, onde foram ovacionadas, no domingo, quando suas presenças foram anunciadas ao microfone. A plateia as aplaudiu de pé e calorosamente.
Ao final da sessão, Léa foi cuidadosamente transportada numa cadeira de rodas, para poupar energias para a Noite do Oscarito. Quis o destino que ela morresse no hotel gramadense, que a hospedava. E que isso acontecesse no justo dia da entrega da láurea oscaritiana, que, agora, será levada por seu filho Marcelo à cidade do Rio de Janeiro, onde ela nasceu em 1933. O troféu será acrescentado ao Kikito que ela ganhou junto com o elenco coletivo de “Filhas do Vento”, de Joel Zito Araújo.
A atriz carioca iniciou sua trajetória artística no teatro, no Grupo Experimental do Negro, comandado por Abdias Nascimento, pai de dois de seus filhos. Fez várias telenovelas (entre elas “Escrava Isaura” e “Xica da Silva”), mas foi no cinema que se destacou. Até porque integrou o elenco de “Orfeu Negro”, recriação do francês Marcel Camus para a peça “Orfeu do Conceição”, de Vinicius de Moraes. Coube a Léa o terceiro papel feminino do filme, o da espevitada Serafina. As protagonistas foram Marpessa Down (Eurídice) e Lourdes de Oliveira (Mira).
“Orfeu Negro” ganhou a Palma de Ouro, em Cannes, em 1959, e o Oscar de melhor filme estrangeiro. A pequena, mas luminosa, participação de Léa no longa camusiano abriu portas para que atuasse em outras produções internacionais, caso de “Os Bandeirantes” (Marcel Camus, 1960), “A Deusa Negra”, do nigeriano Olá Balogum (1977), e “Pacificados” (Paxton Winters, 2019).
Léa esteve em algumas dezenas de filmes brasileiros, em muitos deles, como coadjuvante, mas foi protagonista de “Um Dia com Jerusa”, tanto da versão curta quanto da longa, ambas dirigidas por Viviane Ferreira. Foi também uma das protagonistas de “Filhas do Vento”, de Joel Zito Araújo. Aliás, com o “Spike Lee brasileiro” Léa participou, também, do documentário “A Negação do Brasil – O Negro na Telenovela Brasileira” e da ficção “O Pai da Rita”.
A atriz integrou os elencos de “Ganga Zumba”, “Quilombo”, “Orfeu” e “O Maior Amor do Mundo”, de Cacá Diegues, “Ladrões de Cinema”, de Fernando Côni Campos, “O Forte”, de Olney São Paulo, “Compasso de Espera”, de Antunes Filho, “A Noiva da Cidade”, de Alex Viany, “Cruz e Souza”, de Sylvio Back, “Mulheres do Brasil”, de Malu de Martino, “Trinta”, de Paulo Machile, e “M8 – Quando a Morte Socorre a Vida”, de Jeferson De. Participou, ainda, de vários curtas e, com seu testemunho, de vários documentários.
O Festival de Gramado divulgou nota de pesar para registrar a morte de uma de suas cinco homenageadas de sua edição de número 51:
“É com pesar que a organização do Festival de Cinema de Gramado informa que a atriz Léa Garcia faleceu na madrugada de hoje (15), no hotel em que estava hospedada em Gramado. A atriz receberia o troféu Oscarito na noite de hoje, ao lado de Laura Cardoso. De acordo com o Hospital Arcanjo São Miguel, a causa da morte foi um infarto agudo do miocárdio.
Dona Léa Garcia havia chegado a Gramado no último sábado (12), acompanhada do filho Marcelo Garcia. A atriz circulava diariamente pelo evento, onde acompanhou diversas sessões no Palácio dos Festivais. Em uma de suas passagens pelo tapete vermelho, a atriz afirmou ao portal Acontece Gramado ter “um enorme prazer em estar mais uma vez em Gramado. Esse calor, essa receptividade com a qual a cidade nos recebe. Aqui tem um leve sabor de chocolate no ar. Obrigado a todos que fazem o festival, que participam e que concorrem. Aqui me sinto sempre prestigiada”.
Léa Garcia possuía uma história antiga com Gramado, conquistando troféus Kikitos com “Filhas do Vento”, “Hoje Tem Ragu” e “Acalanto”. Aos 90 anos, a veterana detinha currículo com mais de cem produções, incluindo cinema, teatro e televisão. Atuando em produções para televisão, cinema e teatro, Léa consolidou carreira de papéis marcantes em produções como Selva de Pedra, Escrava Isaura, Xica da Silva e O Clone. Foi peça fundamental na quebra da barreira dos personagens tradicionalmente destinados a atrizes negras. Tornou-se, assim, referência para jovens atores e admirada pela qualidade de suas atuações.
Dona Léa seguia ativa nas artes cênicas. Em 2022, atuou nos longas “Barba, Cabelo e Bigode”, “Pacificado” e “O Pai da Rita”. Ontem (14) havia confirmado negociações com a TV Globo para atuar no remake da novela Renascer.