“Oeste Outra Vez”, representante de Goiás, é o grande vencedor do Festival de Gramado

Foto: Premiados 52º Festival de Cinema de Gramado © Edison Vara/Agência Pressphoto

Por Maria do Rosário Caetano, de Gramado (RS)

O cinema de Goiás conquistou, pela primeira vez, o principal prêmio do Festival de Gramado, o Kikito de melhor longa-metragem ficcional. Construído como doloroso western povoado por homens brutos e ressentidos, “Oeste Outra Vez”, de Érico Rassi, ganhou, também, o Kikito de melhor fotografia, para André Carvalheira, e melhor ator coadjuvante. Nessa categoria, o vencedor foi o músico cearense Rodger Rogério, integrante do Pessoal do Ceará que, nos anos 1970, uniu Belchior, Ednardo, Fagner e outros artistas.

Ao agradecer o reconhecimento do octogenário Rodger, Rassi fez questão de lembrar que o personagem por ele interpretado — o pistoleiro (ou capanga) Jerominho — foi o primeiro grande papel (portanto de protagonista) do músico-ator.

O melhor filme da quinquagésima-segunda edição do festival gaúcho centra sua narrativa em dois homens em fuga por paragens empoeiradas do Centro-Oeste brasileiro — Totó (Ângelo Antônio), e Jerominho, o pistoleiro crepuscular. Não há mulheres em cena. O único corpo feminino que vemos na tela, o de Luíza (Thuanny Araújo), aparece de costas e se marcará pela ausência.

Abandonado pela esposa, Totó é espancado pelo novo marido dela, Durval, interpretado por Babu Santana. Revoltado, ele decide contratar um pistoleiro para acerto de contas. O que virá dali em diante constitui vigorosa e sintética narrativa sobre homens abandonados, que recorrem à violência desabrida e se destroem uns aos outros.

Todos os sete longas concorrentes em Gramado, esse ano, receberam algum tipo de reconhecimento. Numericamente, o título mais premiado foi “Estômago 2 – O Poderoso Chef”, do paranaense Marcos Jorge (cinco Kikitos). A maioria de natureza técnica. Produções bem mais instigantes e ousadas, como “Cidade; Campo”, de Juliana Rojas, e “O Clube das Mulheres de Negócios”, de Anna Muylaert, receberam bem menos troféus do que mereciam.

O potiguar “Filhos do Mangue”, de Eliane Caffé, rendeu à cineasta o importante Kikito de melhor direção. O produtor do filme, Fernando Muniz, em seu discurso de agradecimento, admitiu que, nessa produção, rodada em comunidade de pescadores, “o processo foi mais importante que o resultado”.

A prova de que não havia um título arrebatador em Gramado é facilmente verificável pela decisão do Júri oficial (“Oeste Outra Vez”), pelo Júri da Crítica (“Cidade; Campo) e Júri Popular (“Estômago 2”). Os três colegiados tomaram caminhos totalmente opostos.

No terreno do longa documental, o vencedor foi o carioca “Clarice Niskier: Teatro dos Pés à Cabeça”, de Renata Paschoal, envolvente e inquieto retrato da atriz de origem judaica, que fez dos palcos sua razão de viver.

Na competição de curtas-metragens, o júri de Gramado repetiu o mesmo veredito do Festival de Brasília, em dezembro do ano passado: premiou o gaúcho “Pastrana”, de Melissa Brogni e Gabriel Motta, sobre jovem praticante de esporte radical (skate downhill), que morreu em seus verdes anos durante campeonato que o tinha como favorito.

Houve, por parte do júri de curtas, significativa concentração de prêmios no paulista “Maputo”, de Lucas Abrahão, e generosidade excessiva nas menções honrosas (quatro!). Inclusive uma — mais que redundante — para “Maputo”!

Dois filmes de imensos valores, o baiano “Movimentos Migratórios“, sobre imigrante peruano que tenta salvar uma andorinha de asa quebrada, e o  inquieto e desconcertante “Castanho”, do amazonense Adanilo, foram total e injustamente esquecidos.

A cerimônia de premiação resultou ágil,  simples e eficiente. Painel eletrônico, que sinalizava dois minutos para cada agradecimento, funcionou maravilhosamente bem. Ninguém abusou da paciência alheia. Nem a festa ultrapassou os 120 minutos.

Marcos Jorge recebe prêmio Júri Popular de Longas-metragens Brasileiros por “Estômago 2 – O Poderoso Chef”, que foi laureado com 5 Kikitos © Cleiton Thiele/Agência Pressphoto

Sofia Ferreira, presidente do Iecine (Instituto de Cinema do Rio Grande do Sul), leu, em nome dos participantes do festival e do Gramado Film Market, a “Carta de Gramado”. Texto sintético, bem escrito, poético e visionário, deu ênfase ao avanço da IA (Inteligência Artificial) e à necessidade de regulação do streaming.

“A Inteligencia Artificial é um fato. Decisões são tomadas a oceanos de distância. Há uma revolução em curso”. Por isso, decidiu-se pela criação de grupo de trabalho dedicado ao tema e capaz de colocar o Brasil em sintonia com o resto do mundo”.

O texto defendeu, também, a urgente regulação do streaming, já sob legislação avançada em muitos países da Europa, mas sem solução à vista no Brasil. No Congresso Nacional, em Brasília, dois projetos opostos continuam semiadormecidos nas prateleiras (ou computadores) da burocracia legislativa (ver Carta, na íntegra, no final dessa matéria)

O comando do Festival de Gramado anunciou a atriz Camila Morgado como nova integrante de seu trio curatorial, ao lado do crítico Marcus Santuário e do ator Caio Blat. Ela ocupará a vaga da atriz argentina Soledad Villamil, nome essencial na seleção de títulos latino-americanos. Como o festival optou por recorte apenas brasileiro (longas ficcionais e longas documentais), a curadoria passa a reunir só a prata-da-casa.

A quinquagésima-terceira edição do festival gaúcho acontecerá de 14 a 23 de agosto de 2025, com o Aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre, em pleno funcionamento — já que estarão superados os estragos provocados pelas enchentes de maio. Sua reativação está prometida para meados de outubro.

A edição de número 52 do mais badalado festival do país, encerrada na noite de ontem (sábado, 17 de agosto), exigiu complexa reengenharia de transporte, com o uso do Aeroporto de Florianópolis (e parte do trajeto feita por via terrestre), da Base Aérea de Canoas e do modesto Aeroporto de Caxias do Sul.

Confira os vencedores:

Longas Brasileiros

. ‘Oeste Outra Vez”, de Erico Rassi (Goiás) – melhor filme, fotografia (André Carvalheira) e ator coadjuvante (Rodger Rogério)
.  “Filhos do Mangue” (Rio Grande do Norte) – melhor direção (Eliane Caffé), melhor atriz coadjuvante (Genilda Maria)
. “Estômago 2 – O Poderoso Chef”, de Marcos Jorge (Brasil-Itália) – melhor ator (João Miguel e Nicola Siri), roteiro (Bernardo Rennó, Lusa Silvestre e Marcos Jorge), direção de arte (Fabíola Bonofiglio e Massimo Santomarco), trilha sonora (Giovani Venosta), Júri Popular
. “Cidade; Campo”, de Juliana Rojas (SP-MS) – melhor atriz (Fernanda Vianna), Prêmio da Crítica
. “O Clube das Mulheres de Negócios”, de Anna Muylaert (SP) – Prêmio Especial do Júri pelo elenco feminino
. “Barba Ensopada de Sangue” (SP-PR) – melhor montagem (Karen Ackerman)
. “Pasárgada”, de Dira Paes (RJ-PA): melhor desenho de som (Beto Ferraz)

Longa Documental

. “Clarice Niskier: Teatro dos Pés à Cabeça”, de Renata Paschoal (RJ) – melhor documentário

Curtas Brasileiros

. “Pastrana”, de Melissa Brogni e Gabriel Motta (RS) – melhor filme, fotografia (Lívia Pasquale, montagem (Bruno Carboni)
. “Maputo” (SP) – melhor direção (Lucas Abrahão), direção de arte (Coh Amaral), Prêmio Canal Brasil, Menção Honrosa
. “Ponto e Vírgula”, de Thiago Kistenmacher (RJ) – Prêmio Especial do Júri, melhor ator (Wilson Rabelo), trilha sonora (Liniker)
. “Fenda”, de Lis Pain (CE) – melhor atriz (Edvana Carvalho), Prêmio da Crítica
. “A Casa Amarela”, de Adriel Nizier (PR) – melhor roteiro (Adriel Nizier)
.  “A Menina e o Pote”, de Valentina Homem (PE) – desenho de som (Fellippe Mussel)
. “Ana Cecília”, de Julia Regis (RS) – Júri Popular
. “Ressaca”, de Pedro Estrada (MG) – Menção Honrosa
. “Via Sacra”, de João Campos (DF)-  Menção Honrosa
. “Navio”, de Alice Carvalho, Larinha R. Dantas e Vitória Real (RN) – Menção Honrosa

Mostra de Filmes Universitários

. “A Falta que me Traz”, de Laura Zimmer Helfer e Luís Alexandre, da Universidade de Santa Cruz do Sul – Prêmio Edina Fujii – Cia Rio

 

CARTA DE GRAMADO

“A Inteligência Artificial é um fato. Se rejeitamos, ficamos mais uma vez à mercê das decisões tomadas a oceanos de distância daqui. É preciso agir rápido para que não sejamos coadjuvantes em nossa própria história; temos que participar das decisões tomadas nessa revolução em curso.

Marcamos aqui, neste festival, a criação de um grupo de Inteligência Artificial no Audiovisual Brasileiro para mapear e conduzir o impacto dessa revolução no setor. É preciso proteger nossos dados que são a matéria-prima da Inteligência Artificial.

É preciso regulamentar o streaming!

Estão em risco os direitos autorais, a privacidade e a soberania do nosso país. Precisamos regular a atividade de video não linear, a internet em todos os níveis, a TV aberta e preparar a chegada da TV 3.0.

A ausência de legislação não torna justa a competição; mais de uma década de operação e seguimos sem regulamentação!

O cenário audiovisual no Brasil vive outro momento de turbulência e necessita garantir recursos e fortalecer o FSA – Fundo Setorial do Audiovisual, com aprimoramento das linhas de investimento, retomando os programas de fluxo contínuo e arranjos regionais.

Operação ágil e regulação já!”

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