Johan Grimonprez, diretor do alucinante “Trilha Sonora para um Golpe de Estado”, ministra masterclass no Encontro DOCSP
Foto: Johan Grimonprez © Felix Grünschloss
Por Maria do Rosário Caetano
O cineasta belga Johan Grimonprez, que incendiou festivais (e até a festa do Oscar) com seu libelo anticolonial “Trilha Sonora para um Golpe de Estado”, desembarca em São Paulo nessa quarta-feira, seis de agosto. Ele vem mostrar seu filme mais famoso e proferir masterclass na décima-primeira edição do DOCSP – Encontro Internacional de Documentário.
O evento, que em 2016 recebeu o cineasta e pensador francês Jean-Louis Comolli (1941-2022), documentarista que teorizou e ensinou a “filmar o inimigo”, acontece na Unibes Cultural paulistana, no bairro do Sumaré. Grimonprez, nascido em Flandres, em 1962, fará o mesmo que Comolli. Dedicará um dia inteiro a quem for ouvi-lo no Encontro Internacional de Documentários.
À noite, o belga receberá o público para sessão do mais alucinado (em termos de ritmo) dos documentários políticos do mundo (ver texto na Revista de CINEMA de 28/01/2025). Vale lembrar que, além de cineasta, Grimonprez é artista multimídia, curador de artes visuais e dono de coragem ímpar. Ele não contemporiza. Seu filme ama o jazz da era de ouro, mas não esconde que grandes jazzistas foram utilizados como “arma cultural”. Cumpriram agenda em grandes shows anestesiantes, que acobertavam atos insanos de países capitalistas como os EUA, a Grã-Bretanha, a Holanda, a França e, claro, a Bélgica natal de Grimonprez. Sob o reinado do Rei Leopoldo II, povos africanos tiveram até mãos decepadas por não produzirem látex na quantidade desejada pelo monarca.
O filme de Grimonprez dura 150 minutos e está disponível no streaming (Reserva Cultural à la Carte). Mas vê-lo na presença de seu criador será, convenhamos, oportunidade única.
“Soundtrack to a Coup d’Etat” abre espaço nobre para a luta de libertação de nações africanas, em especial, a travada por Patrice Lumumba (1925-1961), no Congo. Se não tivesse sido assassinado pelo conluio de forças imperialistas, o presidente, cujo governo foi desestabilizado desde o primeiro instante, poderia estar festejando seu centenário de nascimento.
Estrelas do jazz, como Louis Armstrong, Dizzie Gillespie, Thelonious Monk, John Coltrane, Nina Simone, Archie Sheep e Abbey Lincoln, têm espaço notável no filme. Alguns se apresentando para imensas plateias, na linha do soft power, enquanto o pau comia, em arranjos imperiais, nos bastidores. E as Terras-Raras africanas eram espoliadas (os grande países do Ocidente necessitavam de metais preciosos para fabricação de suas armas atômicas). Outros, como Abbey Lincoln, Max Roach e a escritora Maya Angelou, lideraram 60 manifestantes e invadiram a ONU (no tempo em que a instituição tinha peso) para protestar contra a intervenção do Ocidente nas nações africanas, aquelas que buscavam libertar-se do jugo colonial.
Para construir seu documentário, Grimonprez adquiriu direito de uso de imagens (e sons jazzísticos) capazes de causar inveja em ricos produtores do Terceiro Mundo. Seu maior desafio não foi conseguir as imagens e sons desejados, mas sim editar tudo em 150 minutos. Ele se transformou em espécie de ‘Dziga Vertov belga’ e condensou alucinante quantidade de material audiovisual. Seu montador (Rick Chabeut) deve ter trabalhado como remador de Ben-Hur.
Registre-se o uso vibrante do líder soviético Nikita Krushev (1894-1971), batendo sapato em sua mesinha na ONU. O velho urso entra no filme como se fosse um rebelde estudantil, não um chefe de Estado. Da então poderosa URSS, que dividia com os EUA o protagonismo na Guerra Fria (tempo histórico do filme).
O documentário de Grimonprez assume imensa atualidade nesse momento em que o presidente Donald Trump age, ao seu bel prazer, como imperador do mundo. Faz o que quer, manda e desmanda. E a maioria se dobra ao poder econômico e militar-atômico dos EUA: a União Europeia, o Japão, a ONU, a Organização Mundial do Comércio…
Nessa sexta-feira, será exibido, na parte da manhã do DOCSP, o documentário argentino “O Príncipe de Nanawa”, de Clarisa Navas. Trata-se do vencedor do Grand Prix do Festival Visions du Réel 2025. Clarisa acompanha a vida do jovem Ángel, entre a Argentina e o Paraguai, durante uma década. À tarde, a documentarista participa de palestra na qual apresentará “estudo de caso” sobre sua laureada produção.
No sábado, acontecerá o Seminário de Internacionalização de Documentários, apresentado pela Spcine e voltado a profissionais do setor. O encontro reunirá representantes de fundos, festivais e mercados internacionais, entre eles Maria Clement (Sundance Institute), Francisca Lucero (Cinélatino, FIDMarseille) e Marina Thomé (Doclisboa). Eles manterão diálogo com realizadores brasileiros contemplados por iniciativas de fomento.
Programação presencial:
- Quarta-feira, 6 de agosto – Masterclass com Johan Grimonprez + Exibição de “Trilha Sonora para um Golpe de Estado” (*)
- Quinta-feira, 7 de agosto – Pitching de Impacto Histórias que Ficam
- Sexta-feira (dia 8) – Exibição de “O Príncipe de Nanawa” + Estudo de Caso com Clarisa Navas
- Sábado (dia 9) – Seminário de Internacionalização de Documentários
(*) Para as atividades acima, há que se fazer inscrição prévia. Para os filmes, buscar ingressos (gratuitos) com antecedência. Eles devem ser reservados pelo site docsp.com ou pela plataforma Sympla.
