A Odisseia dos Tontos

Por Maria do Rosário Caetano

Mais um “Darín movie” chega ao circuito brasileiro: “A Odisseia dos Tontos”, de Sebastián Borensztein. No papel principal, claro, brilha Ricardo Darín, de 62 anos, o mais festejado ator da Argentina contemporânea. E, além dele, Borensztein, diretor de “Um Conto Chinês”, outro bem sucedido Darín movie, escalou Chino Darín, filho do astro. Pela primeira vez, pai e filho trabalham juntos (num filme) e repetem, na ficção, os laços familiares que os unem.

O jovem ator, que destacou-se no longa uruguaio “Uma Noite de 12 Anos”, assina, com o pai, a produção de “La Odisea de los Giles”. Ricardo, Chino e um substantivo time de atores veteranos (destaque para Luis Brandoni e Rita Cortese) desempenham papéis que conquistarão, desde o início, a simpatia dos espectadores. Mesmo que eles sejam otários. Esta é a melhor definição para “giles”, palavra imortalizada por Gardel, intérprete de “Cambalache”, o memorável tango de Enrique Discépolo. Quem desconhece os versos “El que no lhora no mama/ y el que no afana es un gil”, não sabe o que está perdendo.

No filme, que passou, com sucesso, pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Fermín Perlassi (Ricardo Darín) é gerente de um posto de gasolina. Ele, a esposa e o filho são gente de bom coração. Assim como seus sete pares nesta odisseia de pessoas comuns, cumpridoras de seus deveres, pagadora de impostos. Juntos, eles tentarão juntar dinheiro para colocar de pé, em sistema cooperativo, um arruinada fábrica de processamento de grãos. Isto, num município sem importância, chamado Alsina, onde um dia, o protagonista (Darín, claro!) fôra jogador de futebol respeitado. Tem até uma estátua, com o uniforme de seu time, na entrada da cidade. Mas o tempo passou e a estátua, assim como as finanças do ex-atleta, está desbotada.

“La Odisea de los Giles” estourou no mercado exibidor argentino. Vendeu quase dois milhões de ingressos e foi indicado para representar o país nos Prêmios Goya e na busca de uma vaga entre os finalistas ao Oscar internacional. Nunca é demais lembrar que, entre os países sul-americanos, a Argentina segue campeã na conquista da cobiçada estatueta, pois já triunfou duas vezes (com “A História Oficial”, de 1995, e “O Segredo dos seus Olhos”, em 2009, este um legítimo Darín movie). O Chile ganhou uma vez, com “Uma Mulher Fantástica”. O Brasil segue à espera da balada estatueta careca e dourada.

Registre-se que “A Odisseia dos Tontos” não tem as mesmas e substantivas qualidades do oscarizado “O Segredo dos seus Olhos”. Mesmo assim, é digno de atenção, por constituir-se em cinema que busca diálogo com o espectador, sem desprezar sua inteligência. E por contar com roteiro engenhoso e preciso, bons diálogos e elenco afinado. E, claro, com o carisma do sessentão (e irresistível) Ricardo Darín.

Borensztein escreveu seu roteiro a partir do livro “La Noche de la Usina”, de Eduardo Sacheri. A trama começa no melhor estilo das grandes comédias italianas, aquelas construídas por Mario Monicceli e Dino Risi. Um casal (Fermín e sua esposa Lídia) conversa com um amigo, o borracheiro anarquista Antonio Fontana (Luis Brandoni) sobre um futuro negócio. Ou seja, eles têm que levantar US$300 mil para comprar uma empresa falida. O jeito é sair atrás de outros moradores e com eles arrecadar o que for possível. Só que a grana recolhida não é suficiente. O jeito é pedir empréstimo ao banco, onde estavam depositados, numa caixa-forte, os dólares que somavam a economia dos cooperados.

Um gerente muito do esperto sugere que Fermín converta os dólares em pesos, a moeda local, e faça depósito em conta corrente. Assim agindo, ele teria lastro para solicitar o empréstimo. O “gil” aceita, de boa fé, a sugestão.

Letreiro especificando um país e uma data (Argentina, agosto de 2001) nos mostrará que não poderia haver momento pior para tal empreendimento. Num espaço de poucos meses, a economia argentina ruiria, o país teria quatro presidentes descartáveis e o corralito (plano econômico-financeiro emergencial) confiscaria o dinheiro depositado em instituições bancárias por milhões de poupadores. Os amigos perderam tudo. Adeus cooperativa graneleira.

“La Odisea de los Giles” muda, então, de rumo, e abandona a política para transformar-se em um filme de roubo. Ou de resgate. Quem foi roubado quer reapropriar-se do que lhe foi tomado. Toda a atenção será canalizada para a busca, empreendida pelos “giles”, para recuperar suas suadas economias. Afinal, por um fortuito acaso, eles descobrirão que o dinheiro fora apropriado pelo gerente espertalhão (e seu advogado) e escondido, em verdinhas norte-americanas, numa avantajada caixa-forte construída em lugar ermo.

É a busca do resgate dos dólares que mobilizará o grupo e os espectadores. Os otários (indignados e batalhadores) mostrarão que não são tão tolos como pareciam. Afinal, dispõem, em soma coletiva, de astúcia, engenho e coragem ímpares. Para deleite dos espoliados pelo poder financeiro e por seus prepostos ambiciosos.

Pelo menos no cinema, os desfavorecidos levarão a melhor. Se não fosse assim, o filme não teria se transformado em um tanque (blockbuster) na fascinante pátria do “Cambalache”. Quem prestar atenção num dos slogans publicitários, que apregoam este novo Darín movie, entenderá uma das coordenadas centrais da narrativa: eles, os poderosos, “mexeram com os perdedores errados”.

 

A Odisseia dos Tontos / La Odisea de los Giles
Argentina/Espanha, 120 minutos, 2019
Direção: Sebastián Borensztein
Elenco: Ricardo Darín, Chino Darín, Luis Brandoni, Verónica Linás, Rita Cortese, Andrés Parra
Estreia: 31 de outubro
Distribuidora: Warner Bros. Pictures

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