Juliette Binoche virá ao Brasil para festa de 30 anos da Imovision

Por Maria do Rosário Caetano, de São Miguel do Gostoso (RN)

A atriz Juliette Binoche, um dos nomes mais festejadas do cinema francês, desembarcará no Brasil, no próximo dia 29, para três dias de atividades no Rio de Janeiro e Niterói. Sua primeira visita ao país faz parte do calendário de comemorações dos trinta anos da Imovision, a maior distribuidora de cinema francês no mercado brasileiro.

A temporada brasileira de Binoche foi anunciada pelo distribuidor e exibidor Jean-Thomas Bernardini, durante seminário realizado na Mostra de Cinema de São Miguel do Gostoso, no litoral potiguar. Bernardini, um dos debatedores do painel “A Produção Cinematográfica Brasileira no Cenário Internacional”, discorria sobre a participação de filmes brasileiros nos quatro mais importantes festivais do mundo — “Cannes, Veneza, Berlim e Toronto”, na opinião dele —, quando anunciou a visita de Binoche, que se fará acompanhar primeiro de mostra de seis filmes inéditos e, depois, de retrospectiva Krzysztof Kieslowski, organizada por Eugenio Puppo, diretor da Mostra de Cinema de Gostoso. Coube a Puppo a produção da mostra kieslowskiana, cujo carro-chefe será “A Liberdade é Azul”, primeira parte da Trilogia das Cores (Bleu, Blanc, Rouge), que ele realizou com produção franco-polonesa. Juliette Binoche, que protagoniza o filme azul, assistirá à sessão-homenagem na Reserva Cultural de Niterói, complexo de salas instaladas no Caminho Oscar Niemeyer, em bela edificação criada pelo maior arquiteto brasileiro.

Ao longo de uma semana, serão exibidos sete filmes inéditos, sendo cinco franceses e dois brasileiros. Diretores, entre eles Cédric Khan, e atores franceses virão ao Brasil (ao Rio e a São Paulo, só Binoche se restringirá ao estado fluminense) festejar os trinta anos da Imovision e, consequentemente, o cinema francês. A eles, se somarão duas produções brasileiras: “Aos nossos Filhos”, de Maria de Medeiros (baseado em peça da carioca Laura Castro, com elenco brasileiro e produção idem), e “Fim de Festa”, novo longa-metragem do cineasta e roteirista pernambucano Hilton Lacerda.

A Mostra de Cinema de Gostoso prossegue até a noite desta terça-feira, 12 de novembro, com mostra competitiva, informativa e o Gostoso Lab, promovido em parceria com o BR Lab. Até agora, dois filmes causaram frisson junto ao público: o cearense “Pacarrete”, de Allan Deberton, e o pernambucano “Bacurau”, de Kleber Mendonça e Juliano Dornelles. O primeiro integra a mostra competitiva e disputa o Troféu Luís da Câmara Cascudo. O segundo foi exibido em caráter hors concours e apresentado por Dornelles e pela atriz Karine Teles, intérprete de motoqueira sudestina que se integra a um grupo de matadores internacionais, cujo objetivo é dizimar a população de Bacurau.

Apresentação de "Bacurau" na mostra © Maria do Rosário Caetano

Em concorridos debates, as equipes de “Pacarrete” e “Bacurau” elogiaram o imenso “cinema a céu aberto”, montado na Praia do Maceió, pelo “tamanho da tela, qualidade da imagem e potência do som”. O público, que esperou pela sessão de “Bacurau” (não existe cinema em São Miguel do Gostoso, município de 10 mil habitantes) até perto da meia-noite de sábado (a sessão terminou às duas da manhã, no domingo, 10), não arredou pé. E o festival potiguar teve sua maior plateia histórica.

Durante o debate de “Pacarrete”, o exibidor Jean-Thomas Bernardini perguntou a Allan Deberton se ele tinha consciência de que fizera “um filme universal”. O cineasta cearense, acompanhado de Marcélia Cartaxo e de sua produtora executiva Ariadne Mazzetti, respondeu que não pensara nisto ao realizar o filme, mas que percebera sua capacidade de comunicação ao exibi-lo no Festival de Xangai, na China, e em outros festivais internacionais.

“Pacarrete” venceu o Festival de Cinema Brasileiro de Los Angeles, na Califórnia, e Deberton ficou impressionado com o interesse demonstrado por espectadores norte-americanos. “Uma senhora nos procurou para falar do filme, chorando, emocionadíssima. Ela abraçava a Marcélia e emendava elogios, um atrás do outro”.

A equipe do filme, que conquistou oito prêmios no Festival de Gramado, está se preparando para mais quinze festivais, muitos deles no exterior. “Só na China” — avisou Deberton –, “iremos apresentar o filme em seis cidades”. Ariadne Mazzetti destaca, também, convites de festivais norte-americanos. Falta a Europa, onde o filme ainda não foi apresentado.

Deberton e Mazzetti estão desenvolvendo negociações com duas distribuidoras dispostas a somar forças para lançar o filme em março de 2020. No diálogo com Bernardini, o cineasta cearense, de 37 anos, apontou fatores que, realmente, ajudam no diálogo do filme com plateias universais: a trilha sonora, que vai de clássicos da canção francesa (como “Douce France”) a hit planetário de Tina Tunner (“We Don’t Need Another Hero”), o ballet e a música erudita. E, também, o diálogo explícito com clássicos do cinema, caso de “Crepúsculo dos Deuses”, de Billy Wilder. Afinal, nos dois filmes, protagonistas femininas, ambas envelhecidas, e vivendo entre a loucura e a razão, se negam a deixar a ribalta. Uma quer continuar sendo a deusa maior do cinema e a outra uma bailarina clássica.

No debate de “Bacurau”, o que mais chamou atenção do público gostosense foram as filmagens, realizadas no Sertão do Seridó, no Rio Grande do Norte, e a defesa do homem nordestino como senhor de sua história e disposto a lutar contra forças invasoras. E, claro, “a estranha sementinha de efeitos alucinógenos consumida pelos bacurauenses”, e o diálogo com o cinema de gênero. Em especial, com o cinema de horror do cultuado John Carpenter. Um jovem da plateia pediu a Dornelles que fizesse seu “Top 3” de melhores filmes do realizador norte-americano, matriz de diálogo assumido dos dois cineastas pernambucanos (eles o homenagearam dando à escola de Bacurau, o nome de João Carpinteiro). Dornelles citou três filmes, mas avisou que o ideal seria enumerar pelo menos cinco: “ O Enigma do Outro Mundo”, “Eles Vivem” e “Fuga de Nova York”.

O primeiro longa documental da competição pelo Troféu Câmara Cascudo — “Casa”, produção pernambucana dirigida pela baiana Letícia Simões — chegou ao debate sob críticas. Parte da plateia definiu o filme como “muito incômodo”, principalmente pela relação da cineasta (e personagem) com sua mãe, Heliana, portadora de transtorno bipolar. Com respostas precisas e sinceras, Letícia reverteu as expectativas. Disse que ela jamais exploraria (“mercantilizaria”) o distúrbio da mãe em um filme e que se alguém — entre as três personagens de “Casa” (ela, sua mãe e sua avó Carmelita) — tivesse que causar rejeição no espectador, esta pessoa seria ela, a diretora do documentário. O que foi feito. “Eu jamais faria um filme para vilanizar minha mãe ou minha avó”.

Dona Carmelita morreu sem ver o filme pronto. Já Heliana se nega a assisti-lo. “Casa” já foi exibido no Olhar de Cinema, em Curitiba, no Festival de Vitória, no qual ganhou o prêmio principal, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, entre outros. “Minha mãe vive uma fase em que ela se acha feia, velha e se nega a se ver no espelho”, explicou. Mas “muitos dos meus amigos que assistiram ao filme ficaram encantados com ela e querem convidá-la para projetos deles”. Depois de lembrar que “produzir novos filmes tornou-se muito difícil neste trágico momento que estamos vivendo”, a cineasta brincou , “estou pensando em tornar-me agente de minha mãe”.

Os curtas-metragens, em especial as produções potiguares (de São Miguel do Gostoso e de Natal), têm causado debates calorosos. O público gostou muito dos filmes “Júlia Porrada” e “Labirinteiras”, ambos produções do Núcleo Nós do Audiovisual. O primeiro, dirigido por Igor Ribeiro, acompanha personagem muito conhecida nas ruas gostosenses, que adotou o nome de Júlia Porrada. Ela é uma viradora, que desempenha as mais diversas funções em feiras e ruas de São Miguel e não esconde sua paixão por panelas de pressão (mesmo sendo pobre, tem 37 delas em sua modesta casa) e por bonecas.

“Labirinteiras”, segundo curta de Renata Alves, de apenas 18 anos, mostra um grupo de artesãs de São Miguel do Gostoso, que se dedicam ao labirinto, bordado de grande beleza. Como as vendas nem sempre são compensadoras, muitas delas ajudam familiares trabalhando duro como lavradoras. O filme mostra que as novas gerações não estão interessadas em dedicar-se ao labirinto, arte popular que corre, por isto, risco de extinção.

O curta natalense “A Parteira”, de Catarina Doolan, arrancou aplausos calorosos (e motivou muitas perguntas no debate) por causa do carisma de sua protagonista, a parteira Donana, de São Gonçalo do Amarante. Dedicada, há cinco décadas, a fazer partos humanizados em residências, ela defende seu ofício com garra impressionante. E a todos cativa com suas ideias inovadoras, tanto na prática do partejamento, quanto na vida. Donana defende o direito de cada um fazer o que quiser com sua sexualidade dentro de quatro paredes e relembra, sem rancor, que é mal vista por ter sido mãe solteira e mulher de homem casado (portanto com duas famílias). Apaixonada pela pesca, que conheceu premida pela fome, ela hoje se dedica ao ofício como forma de lazer e relaxamento. E não deixa, como Júlia Porrada, de cumprir suas obrigações espirituais com os orixás.

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