Funcines: mecanismo de financiamento do futuro

Um dos mecanismos reembolsáveis de financiamento audiovisual que mais tem crescido e chamado atenção para si é o Funcine – Fundo de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional. Criado em 2001, regulamentado em 2003 e re-regulamentado no modelo atual em 2006, os Funcines foram responsáveis pelo aporte de R$ 6,6 milhões, segundo dados da Ancine, no cinema brasileiro em 2010 – dos quais R$ 6 milhões foram para aquisição de ações da Conspiração Filmes, por parte da RB Cinema I., e R$ 600 mil, pela Lacan Downtown, foram destinados ao filme “Corações Sujos”. A expectativa é aumentar esses valores.

“A procura é crescente, mas os efeitos dos Funcines no fortalecimento da cadeia econômica do audiovisual serão percebidos em longo prazo, à medida que os fundos já existentes forem potencializados. A expectativa é que ocorra um aumento gradual desses investimentos até o montante total de R$ 100 milhões nos próximos anos, com a entrada de novos agentes no negócio do audiovisual, como corretoras, bancos e empresas que de outra forma não investiriam em cinema. Os Funcines cumprem, portanto, ao lado do Fundo Setorial do Audiovisual, um papel importante na construção de uma nova política pública para o cinema e o audiovisual no nosso país. Sabemos que ainda há muito o que avançar em termos de normatização e ganho de escala, mas eles se constituem como pilares importantíssimos para esse edifício”, afirma o diretor colegiado da Ancine Glauber Piva.

Entre as produções que usaram recursos dos Funcines estão, por exemplo, “De pernas pro ar”, de Roberto Santucci, “Divã”, de José Alvarenga Jr., “O ano em que meus pais saíram de férias”, de Cao Hamburguer, “Desenrola”, de Rosane Svartman, “Tempos de paz”, de Daniel Filho, e “Salve geral”, de Sergio Rezende, entre outros.

“Os Funcines são fundos de investimento inovadores, constituídos na forma de condomínio fechado e administrados por uma instituição financeira autorizada a operar pelo Banco Central e credenciada pela CVM – Comissão de Valores Mobiliários. Esses fundos podem investir em projetos aprovados pela Ancine e podem ser de quatro modalidades: a) desenvolvimento de projetos, produção, comercialização, distribuição e exibição de obras audiovisuais brasileiras de produção independente; b) construção, reforma e recuperação das salas de exibição; c) aquisição de ações de empresas brasileiras; e d) projetos de infra-estrutura”, explica Piva.

Ainda assim, por mais benefícios que possam ter, os Funcines só estão sendo descobertos agora. Até o momento, são poucos os que conhecem o mecanismo, ainda um tanto turvo quanto à sua funcionalidade. Uma das diferenças do Funcine para os outros mecanismos de leis de incentivo é que o Funcine pode dar, de fato, um retorno financeiro para quem investe. Para o especialista Thierry Peronne, no meio desde seu início, atualmente CEO da Investimage Adm. De Recursos, responsável pelo Funcine Investimage, e Rodrigo Guimarães, analista de investimentos do mesmo fundo, “todos ainda são muito atraídos pelo incentivo fiscal e eventualmente o retorno de marketing. O retorno financeiro potencial ainda não é critério de decisão para os investidores. Com o tempo, e maior entendimento do mecanismo, haverá uma diversificação de investidores”.

“Esse tipo de investimento em cinema ainda é muito recente no Brasil e depende principalmente da iniciativa privada para o seu desenvolvimento. É natural que a capitalização desses fundos seja demorada. Ainda assim, o histórico de recursos captados por meio desse mecanismo é positivo: só em 2008, por exemplo, foram captados R$ 8.185.000,00”, aponta Piva. “Os Funcines são mecanismos de investimento de longo prazo. O único Funcine em fase de desinvestimento é o RB Cinema I Funcine, portanto ainda temos que aguardar para quantificar o retorno dos investidores em Funcines”, explicam Thierry e Rodrigo.

Como funcionam os Funcines

Em teoria, qualquer pessoa, física ou jurídica, pode investir na indústria audiovisual através dos Funcines. O que precisam fazer é procurar um fundo que esteja captando recursos. Pessoas físicas podem alocar até 6% do Imposto de Renda no fundo e pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real até 3%, sendo que esse valor deve equivaler ao aporte mínimo exigido pelo fundo – que pode ter valores tão díspares quanto os R$ 50 mil necessários para entrar no Lacan Downtown (que já está fechado) até os R$ 1 mil para entrar atualmente no Investimage. Em certo sentido, o método é muito parecido com a Lei Rouanet e com a Lei do Audiovisual, usando a renúncia fiscal.

Porém, como os valores para entrar são muitos altos, quase não há pessoa física no meio. “Por ser um mecanismo muito específico, até o momento, apenas empresas tem utilizado este benefício fiscal e investido em Funcines. Estamos desenvolvendo mecanismos de captação de recursos com pessoas físicas e acreditamos que em breve poderão se tornar uma relevante fonte de financiamento a este mecanismo”, comentam Thierry e Rodrigo.

Quando um determinado filme está interessado em ter financiamento de um Funcine, precisa procurá-lo e fazer-se sujeito à avaliação do gestor e consultor do fundo, que o passarão para o Comitê de Investimentos, formado pelos cotistas, que determinarão o financiamento ou não e como será feito o investimento. “Uma vez selecionado o filme, este passará por uma avaliação econômica e financeira que demonstrará seu potencial de retorno. Esta avaliação determina o valor do investimento a ser realizado, assim como as condições negociais necessárias para alcançar a rentabilidade esperada”, explicam Thierry e Rodrigo.

O investimento dos Funcines nos filmes gera, como contrapartida, uma participação nos direitos a receitas sobre a obra, que varia conforme o volume de investimento realizado e é regulada pela IN 80 da Ancine. Os Funcines podem também adquirir ações de empresas do setor audiovisual. Neste caso, o retorno é proveniente dos dividendos gerados pelas empresas investidas e pela venda de suas ações quando o Funcine sai da sociedade.

Todo Funcine tem, além dos cotistas, um administrador, geralmente um banco, e um gestor, que também leva parte dos ganhos. “O gestor tem duas formas de remuneração, ambas reguladas pela CVM: uma é a Taxa de Administração, que é um pequeno percentual aplicado sobre o patrimônio líquido do fundo, por exemplo, 3% ao ano, e outra é a Taxa de Performance, que é um percentual aplicado somente quando a rentabilidade do Funcine ultrapassa a meta inicial estabelecida”, apontam Thierry e Rodrigo.

Após aprovação na Ancine e na CVM, o Funcine passa a captar recursos, por um período pré-determinado. Só nesse período que as pessoas podem se associar ao fundo. Após ele, começa o período de investimento, com uma duração também pré-determinada. Só então vem o período de desinvestimento, quando o fundo recebe as receitas dos ativos investidos, e por fim quando este período é encerrado os recursos do fundo são distribuídos entre os cotistas e é liquidado. Atualmente, só o RB Cinema I chegou a esse patamar.

Quem está no jogo

Treze Funcines já foram aprovados pela CVM e pela Ancine e outros já foram anunciados. Desses, dois já investem no mercado, o RB Cinema I, gestado e administrado pelo Rio Bravo DTVM, focado na produção, com um PL (valor captado) de R$ 18 milhões, e o Lacan Downtown, com PL de R$ 13 milhões, gerido pela Lacan Investimentos, empresa que mais aposta no modelo. “A Lacan iniciou suas atividades com Funcines em 2007 com a estruturação do Funcine Lacan Downtown Filmes. Este Funcine iniciou a captação de recursos em dezembro de 2007 e investimento em maio de 2008, quando investiu no em ‘Divã’, que foi um grande sucesso nacional”, conta Rafael Jaquery, analista financeiro da Lacan, empresa que colocou R$ 4,2 milhões no filme, segundo dados da Ancine.

Além do Downtown, voltado para o investimento em filmes distribuídos pela Downtown Filmes, outros quatro estão em diferentes etapas do processo de captação (alguns prometidos para serem lançados ainda em 2011). “Criamos o Funcine Lacan Downtown 2 justamente pelo sucesso que foi o primeiro e pelo desejo dos cotistas de investirem novamente. Como o Downtown já não pode mais receber recursos, a melhor maneira de captar novos recursos seria criar um novo fundo”, analisa Jaquery. Também em captação estão o Funcine Lacan Mixer, destinado a investir em produções ou coproduções do grupo Mixer; o Funcine Rio, que já captou mais de R$ 18 milhões, e é voltado para produções audiovisuais realizadas no estado fluminense; e talvez o mais promissor deles, o Anima SP, destinado a séries de animação para a Fundação Padre Anchieta. É esperado, inclusive, para os próximos meses o lançamento de edital da TV Cultura que financiará séries de animação para televisão, que deverão ter, obrigatoriamente, participação de um coprodutor canadense, que entrará com pelo menos 25% dos recursos da série. O coprodutor, porém, não é exigido na inscrição – pode ser buscado depois.

A Investimage já estruturou e administrou recursos de terceiros, financiando mais de 10 filmes nos últimos dez anos, como “Bruna Surfistinha” e “Família Vende Tudo” – neste caso, captaram R$ 600 mil junto ao Carrefour através a Lei Icms SP. O Funcine Investimage tem, por ora, o PL de R$ 470 mil, “mas a captação continua até o final do ano. Temos um acordo com o BNDESPar para um investimento no Investimage 1 Funcine de R$ 4,2 milhões mínimo e de R$ 9 milhões máximo, numa proporção de 70% BNDES/30% demais investidores. Começaremos a investir no primeiro trimestre de 2012”, aponta Thierry Peronne. O BNDES tem sido um dos principais investidores do meio. “O BNDES é cotista de diversos de nossos fundos, e sempre participa ativamente do comitê de investimentos destes”, diz Jaquery. Com orçamento anual de R$ 50 milhões, o BNDES, recentemente, lançou um edital para investir R$ 30 milhões em um Funcine dedicado ao investimento em empresas do setor. São quatro os que já contam com verba do BNDES: RB Cinema I (R$ 10 milhões), Lacan Downtown (R$ 7,9 milhões), Anima SP (R$ 4 milhões) e Rio (R$ 3 milhões).

Outros Funcines já estão por aí: Virtu Schurmann, Cine AA, Elo Performance, BRJ Cinema, Fator e Bradesco Cultutinvest, entre outros que tem sido anunciados, mas não constam ainda na lista de aprovados pela Ancine (dados de abril de 2011), como o BRB Brasília Funcine.

Critérios de seleção para investimento

O Funcine, como diz o nome, é um fundo de investimento à indústria cinematográfica, portanto, não é de estranhar, a preferência por projetos que possam trazer um retorno financeiro aos investidores. “É preciso considerar que os gestores dos fundos tendem a selecionar para suas carteiras de investimentos projetos audiovisuais com potencial de rentabilidade não apenas nas salas de cinema, mas também nas outras janelas, como a venda e locação de DVDs e a veiculação na televisão aberta e fechada”, aponta Glauber Piva.

“Normalmente, um parceiro técnico atuante no setor encaminha os projetos para a seleção do fundo. O gestor então faz uma análise detalhada do valor a ser investido e a perspectiva de retorno para o fundo, sempre ponderando a diversificação da carteira, o risco, o retorno esperado e a qualidade do projeto. Caso seja um bom investimento o projeto é encaminhado para a análise e aprovação do Comitê de Investimento”, complementa Rafael Jaquery.

O investimento no filme pode ocorrer de duas formas, em produção e distribuição. Em produção o investimento compõe o orçamento para sua realização e em distribuição custeando despesas de comercialização.

Glauber Piva, da Ancine, aposta no modelo como uma das principais medidas para fortalecer a indústria audiovisual brasileiro, através da criação de um mecanismo que induz o setor privado a ver as vantagens de apostar no cinema brasileiro. “A primeira vantagem para o investidor é o abatimento de 100% do valor do Imposto de Renda devido aplicado na compra de Certificados de Investimento (cotas). E, por meio da aquisição dessas cotas, que são títulos de crédito, o investidor pode obter e resgatar rendimentos, observados alguns requisitos. Como se pode ver, não se trata apenas de decidir destinar parte do Imposto de Renda devido para o setor audiovisual, como ocorre em outros mecanismos. O modelo Funcine efetivamente oferece a possibilidade de auferir rendimentos decorrentes dos projetos apoiados. Além disso, os rendimentos e ganhos líquidos e de capital auferidos pela carteira de Funcines ficam isentos de imposto. Outra vantagem para os investidores, por fim, é que os Funcines podem ser usados em conjunto com os mecanismos de incentivo previstos na Lei do Audiovisual”, conclui.

Por Gabriel Carneiro

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