Vitória do cinema poético no Cine Ceará

Se é que se pode fazer um balanço das escolhas do júri do 21º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema, podemos dizer que a escolha final foi para os filmes brasileiros de mais difícil comunicação com o grande público, e com forte dose de experimentalismos. Como era de se esperar, pois foi o filme mais elogiado do festival, o belo e instigante cearense “Mãe e Filha”, segundo longa de Petrus Cariry, ficou com o troféu Mucuripe de melhor filme, roteiro e som. O filme é uma poesia visual, com apenas dois personagens insólitos numa cidade em ruínas, rodeada de fantasmas e mitos do sertão. E ainda com uma estética barroca, sob a musica de Beethoven. Mesmo quem não entendeu o filme aplaudiu.

O segundo vencedor em termos de relevância foi “O Coro”, de Werner Schumann, que ficou com o prêmio de direção e fotografia, filmado em preto e branco. É o terceiro longa de Schumann, um curitibano que vive no mundo – já viveu em Nova York e Berlin, e agora está instalado em Londres –, e fala sobre um grupo de pessoas infelizes em Curitiba que tenta se encontrar através do coro de uma orquestra. O outro brasileiro na competição, o cearense “Homens com Cheiro de Flor”, de Joe Pimentel, que teve a sessão mais cheia do festival, saiu de mãos abanando.
Este ano, o festival saiu do tradicional cine São Luiz, uma das salas de cinema mais belas do país, para o Teatro José de Alencar, um lugar sem estrutura para exibição de filmes, além de desconfortável.

Filmes ibéricos – O Cine Ceara, ao invés de brigar por filmes inéditos para toda a sua programação, faz alguns anos investiu na produção latina, com filmes de produção e estéticas bem variadas. O documentário espanhol “Bicicleta, Colher, Maçã”, do muito simpático Carlos Bosch, que aprendeu o português para vir para cá, fala sobre o mal de Alzheimer, tomando o ex-prefeito de Barcelona, Pasqual Maragall, como caso, e levou os prêmios para a edição e trilha sonora. Um dos melhores filmes do festival, o colombiano “Todos Teus Mortos”, de Carlos Moreno, um longa que bebe na fonte do realismo fantástico para narrar a descoberta de 50 corpos por um camponês, foi relegado pelo júri e saiu sem prêmios.

O cubano “Bilhete para o Paraíso”, de Gerardo Chijona, sobre a AIDS na Cuba dos anos 1990, ficou com o prêmio de melhor ator, para Hector Medina. A ótima Claudia Lapacó, do simpático argentino “Língua Materna”, de Liliana Paolinelli, ficou com o de atriz. O outro espanhol na competição, “Pássaros de Papel”, de Emilio Aragon, um dramalhão sobres os tempos do general Franco, ficou com o troféu de direção de arte. O mexicano “Assalto ao Cinema”, de Iria Gómez, também não levou nada.

Curtas e sessões especiais – “O Céu no Andar de Baixo”, animação mineira de Leonardo Cata Preta, depois de circular em três dos principais festivais de cinema brasileiro – Brasília, Tiradentes e Pernambuco –, finalmente venceu, levando os troféus de melhor filme e prêmio da crítica.

O festival teve também muita programação paralela, obrigando o expectador a deixar de fora mostras como a retrospectiva Eduardo Coutinho, que ficou quase vazia. O festival ainda teve duas pré-estreias, o aguardado “Os Últimos Cangaceiros”, de Wolney Oliveira, também diretor do festival, que realizou documentário muito humorado sobre os cangaceiros remanescente do bando de Lampião e Maria Bonita. O filme levou quatro anos de produção, tempo para o diretor encontrar ainda sobreviventes do cangaço. A outra pré-estreia foi “Soldados a Caminho do Puteiro, Memórias de uma Guerra Quase Imaginária”, de Hermes Leal, que trata da Guerrilha do Araguaia. Relatada sob a ótica do próprio diretor, de ex-guerrilheiros e moradores da região, conta como 15 mil militares se juntaram para caçar 70 guerrilheiros, sendo que 40 deles nunca tiveram os seus corpos encontrados, fato que está levando o Brasil a ser julgado por violação de direitos humanos.

 

Por Gabriel Carneiro

 

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