A história e o discurso na narrativa e no roteiro

A narrativa, como já expliquei no primeiro artigo, tem regras próprias e um corpo teórico muito útil ao roteiro cinematográfico. Considero que o roteiro de ficção seja composto 50% de teorias do cinema e outros 50% de teorias da literatura de ficção, e que já foi muito bem estudada ao longo dos últimos 60 anos. Desta forma, vamos trazer mais uma parte desta teoria da narrativa para o campo do cinema, demonstrando o quanto elas são apropriadas ao roteiro. O que é o roteiro de ficção senão um conjunto de peças, formado por uma história, personagens, diálogos, tempo, cenas, sequências, ação, isotopias, sujeito, objeto, protagonista, antagonista, antissujeito, manipulações, programas narrativos, percurso gerativo do sentido, percursos de sujeitos, foco narrativo, pausas, elipses, entre outras tantas partes teóricas. A narrativa é composta essencialmente de sequências temporais, assim como o cinema. Esses tópicos teóricos estão agrupados em dois níveis, no da história e no nível do discurso. E podem ser analisados a partir de suas funções temporais na narrativa, pois o roteiro é um texto estrutural, com divisões temporais definidas.

Para exemplificar mais facilmente essa divisão de tempo entre história e discurso, tomemos como exemplo a diferença entre uma pausa e uma elipse. Esse tempo narrativo deriva da relação entre o tempo de narrar e o tempo narrado. A pausa e a elipse fazem parte do nível do discurso. Na narrativa, quando temos uma pausa, isso pressupõe que houve uma supressão do tempo da história, como um clipe musical dentro de um filme, ocorrendo uma continuação do tempo do discurso, a duração do tempo narrado. Enquanto que na elipse, ocorre ao contrário, temos uma supressão do tempo do discurso e uma continuação do tempo da história. Entre uma sequência e outra de um filme, pode aparecer, de repente, uma elipse, “um ano depois”. No primeiro caso, para o tempo do significante e prossegue o tempo do significado, e no segundo, da elipse, para o tempo do significado e prossegue o do significante.

A articulação entre o tempo do discurso e o da história é chamada de ordem temporal e serve para perceber o funcionamento dos eventos do discurso em sucessão dentro da história. O tempo do discurso pode ser entendido como uma consequência da representação narrativa do tempo da história. Autores pregam que a partir de uma concepção de raiz estruturalista, diz-se que o tempo narrativo resulta da articulação das duas dimensões que é possível se reconhecer no tempo: o tempo da história, que é múltiplo, e se processa no universo diegético, enquanto que o tempo do discurso é linear.

Neste artigo, vamos especificar apenas os itens do Nível da História, deixando os itens do Nível do Discurso para um próximo artigo. Começamos com a Ação. Componente fundamental da estrutura narrativa, a ação deve ser entendida como um processo de desenvolvimento de eventos e executada por sujeitos. Ação depende da interação de três componentes; um ou mais sujeitos empenhados na execução dessa ação; um tempo determinado para que ela se desenrole; e, por último, as transformações de certos estados a outros estados. A ação também pode ser organizada e entendida dentro de um programa narrativo e executada sob o percurso narrativo do sujeito, que se constitui pelo encadeamento lógico dos programas de competência e da performance.

O Protagonista (Herói) é um tipo de personagem que não se caracteriza na narrativa por sua natureza humana, mas pelo papel que representa no jogo de funções descobertas por ­Propp, agindo dentro da história sempre de uma mesma forma. É um sujeito que conduz a narrativa ao desenlace e ao final. Já o Antagonista (Anti-herói), o vilão, na estrutura narrativa normalmente tem aspecto desqualificante relacionado com sua configuração psicológica, moral, social e econômica. Tem papel tão fundamental quanto o do herói, e tal como o protagonista, o vilão polariza em torno das suas ações, nos espaços em que se move e no tempo em que vive, e acima de tudo no modelo de roteiro que está sendo desenvolvido. As ações do anti-herói são também mostradas dentro do antiprograma narrativo.

Outro elemento chave no plano da história é o Sujeito. Sujeito é o personagem desempenhando um papel. É um personagem agindo com outros, que tem vontades, que procura objetivos ou objetos e faz a ação acontecer e a história andar. Vamos pesquisar a função do sujeito na estrutura narrativa, onde ele tem apenas funções e é um elemento da história que provocará ações que darão o percurso gerativo do sentido e a movimentação da temporalidade. O sujeito como personagem, com características que serão externadas para além da história, que ganhará dimensões humanas mais completas, merece um estudo à parte para complementar a teoria e o desenvolvimento do texto de ficção do roteiro. O sujeito pode estar Conjuntivo ou Disjuntivo com seu objeto, ou objetivo. O Objeto, por outro lado, é o elemento de desejo e busca do sujeito e a sua recompensa final. É tudo aquilo que o sujeito quer alcançar. As conjunções e disjunções entre sujeito e objeto permitem perceber todas as nuances que formam a intriga. Incluindo a disputa de dois ou mais sujeitos por um mesmo objeto.

No próximo artigo, continuaremos exemplificando de maneira resumida mais componentes da narrativa.

 

Hermes Leal é escritor e documentarista, mestre em Cinema pela ECA/USP, doutorando em Semiótica também na USP, e autor do romance “Faca na Garganta” e da biografia “O Enigma do Cel. Fawcett”, entre outros livros.

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