As novas faces do cinema
A Revista de CINEMA selecionou 10 novos diretores de maior destaque na estreia em longa-metragem, para mostrar quem são, o que fazem, suas influências e seus projetos futuros. Uma geração pluralista e autoral. São eles, Eduardo Nunes (“Sudoeste”), Tiago Mata Machado (“Os Residentes”), Kleber Mendonça Filho (“O Som ao Redor”), André Ristum (“Meu País”), Vinícius Coimbra (“A Hora e a Vez de Augusto Matragra”), Helvécio Marins Jr. (“Girimunho”), Flávia Castro (“Diário de uma Busca”), Julia Murat (“Histórias que Só Existem Quando Lembradas”), Marco Dutra e Juliana Rojas (“Trabalhar Cansa”) e Sérgio Borges (“O Céu sobre os Ombros”).
Acompanhe, a cada semana, cada um desses diretores.
Tiago Mata Machado, o “lúdico-cinefílico”
Cinefilia. Foi o que levou Tiago Mata Machado ao cinema. E isto se vê e se ouve em seus filmes. Pois Tiago trava com a sétima arte uma relação visceral marcada por uma vontade artística para além de determinados padrões que pontuam o cinema brasileiro contemporâneo. Seus filmes fazem do processo algo primordial, insistem por caminhos tortuosos, e buscam inserir-se numa linhagem estética que remonta ao cinema moderno dos anos 60, retomando especialmente um diálogo entre Jean-Luc Godard e o Cinema Marginal de Rogério Sganzerla e Julio Bressane. Mas seu filme é radical. Um mosaico de planos em um tempo impreciso. Atrai admiradores e contestadores dessa arte que aparentemente não tem sentido.
Mineiro de Belo Horizonte, Tiago formou-se mestre em Multimeios na Unicamp com uma dissertação sobre Godard, e trabalhou por dez anos como crítico de cinema para os jornais “O Tempo” e a “Folha de São Paulo” antes de realizar o média-metragem, “Curra Urbana” (1998). Em 2002, “O Quadrado de Joana”, seu primeiro longa, ganharia o mundo contando a história de um casal: Joana, isolada num apartamento, entre livros e alguns mistérios, e Jota que vive a confrontação com o real com as ruas de Belo Horizonte. Um filme urgente, feito com muito pouco dinheiro, em que os planos construídos e a beleza plástica das imagens se conjugam com as possibilidades de autoencenação dos atores/personagens em cena.
“Os Residentes” (2011) seguiria pela mesma trilha, em um longa sobre um grupo de pessoas que se instala em uma casa abandonada e instaura uma “zona autônoma temporária”, um modo particular de viver sem seguir regras: “Nossa intenção era criar uma possibilidade de utopia ao menos durante o encontro das filmagens, envolver a equipe em um pequeno complô lunático, fazer da casa em que filmávamos uma verdadeira zona autônoma temporária, reinventando o mundo a partir da reatualização das forças de embriaguez revolucionárias do passado”, diz o realizador sobre o filme, que estreou no Festival de Berlim e ganhou prêmios em Brasília e Tiradentes.
Tiago fez um filme contra um certo estado de coisas, e diz se sentir próximo de seus personagens quando analisa a recepção de seus longas, em uma fragilidade que ele denomina como “quixotesca”. “Desde o princípio, é verdade, eu sabia que o pequeno complô lunático de meus personagens era também um complô (nosso) contra o cinema brasileiro, uma forma de afirmar a liberdade de expressão e de invenção em um momento em que imperam as cartilhas do savoir faire e regras de conduta de toda espécie, toda uma ordem simbólica (essa espécie de constituição não escrita da vida em sociedade)”, confirma em tom polêmico.
Aos 38 anos, Tiago ainda tem presença na videoarte, seja fazendo a foto (como “475 Volver” e “Cruzada” de Cinthia Marcelle) ou codirigindo vídeos (como “Plataforma”, Buraco Negro” e “Século”). Atualmente, trabalha no roteiro de seu próximo longa, uma espécie de continuação para uma trilogia iniciada pelo “Os Residentes”. “De vez em quando filmo alguma coisa e vendo no mercado de arte contemporânea (essa verdadeira amálgama do capitalismo avançado), para não perder o fôlego nem ficar no vermelho”, diz.
Por Julio Bezerra