Marcelo Lordello: coragem para ousar
“Tô aliviado”. Com esta expressão, o cineasta Marcelo Lordello, de 32 anos, nascido em Brasília, mas vive em Recife, tirou dos ombros uma imensa preocupação com o resultado do seu primeiro filme de longa-metragem de ficção, “Eles Voltam”, ao ser anunciado como melhor filme do último Festival de Cinema de Brasília (prêmio dividido com “Era uma Vez Eu, Verônica”, de Marcelo Gomes). Pouco mais de dois anos atrás, o cineasta havia feito uma grande aposta ao transformar um roteiro e um orçamento de um curta-metragem em longa. Apostou tudo num roteiro feito às pressas e em uma garota de 12 anos (Maria Luiza Tavares) que nunca tinha atuado. E foi ela quem levou o troféu de melhor atriz em Brasília por sua intimista atuação como a adolescente Cris, que faz um percurso de autoconhecimento enquanto vaga sem direção.
“Foi uma aposta grande. Eu sabia que o curta não dava um longa, mas encarei o desafio e fiz o roteiro em um mês”, afirmou Lordello à Revista de CINEMA. Achando-se imaturo para a tarefa, apesar de ter dirigido um curta, “Nº 27”, e o longa documental “Vigias”, Lordello vinha adiando os planos de desenvolver uma história maior e com densidade. “Às vezes, tinha insegurança para ir mais longe. Em 2005, eu escrevi uma pequena história sobre dois irmãos deixados em uma estrada pelos pais como castigo. Foi a semente de ‘Eles Voltam’”, disse o diretor.
O filme relata a história da garota Cris, uma pré-adolescente de ar triste, deixada pelos pais junto ao irmão à beira de uma rodovia, em Pernambuco, próximo à Recife e ao litoral. O irmão e os pais desaparecem e Cris inicia seu percurso rumo ao nada. É acolhida em um acampamento de sem terras às margens da rodovia, mas depois continua sua jornada rumo ao litoral, conhece outras pessoas, tem novas vivências. Uma história simples, pontuada por uma tensão latente, mas leve, o tempo inteiro, apenas por se tratar de uma garota perdida, bonita, zanzando entre sem terras e desconhecidos, com seu ar sério e que nunca sorri. “Eles Voltam” é um filme de caminho, um path movie, que ao contrário do road movie, sãos as coisas e as pessoas que passam pelo personagem e não o personagem por elas. Por isso, a câmera permanece o tempo todo sob o foco da garota, aumentando o realismo e a sua atuação.
A descoberta da solidão
Lordello não esticou o roteiro do curta, que girava em torno dos dois garotos deixados na rodovia. “Usei o curta como um prólogo do novo filme, e não como argumento. Toda a viagem da Cris na rodovia e no litoral foi criada depois, acrescentei também um epílogo no hospital. Porque o filme começou a surgir com outro tom, ao inves da ideia inicial do tratamento da relação entre irmãos evoluiu para um rito de passagem de um adolescente. O filme, afinal, fala exatamente de solidão e da vontade de ficar sozinho. Meu desafio tava nessa ideia”, concluiu Lordello. Aliás, no início do roteiro, era o garoto que fazia o percurso pela estrada, seria uma iniciação de um menino e não de uma menina.
Tudo mudou quando ele conheceu a atriz Maria Luiza, que nunca tinha atuado, filha de uma sócia da esposa de Lordello, que é estilista, e foi encontrada durante um desfile de moda. “Ela chegou acanhada, envergonhada, mas pouco a pouco foi ficando à vontade. Os gestos, a idade, a expressão corporal e essa desenvoltura gradual me chamaram a atenção. E daí veio a ideia de convidá-la para o filme”, disse o diretor. O roteiro do longa foi feito em paralelo à sua descoberta. “Na verdade, a ideia de ser uma menina ainda era uma dúvida. Mas depois de conhecê-la tive certeza dessa escolha. Ela foi a responsável pela mudança do roteiro”. Com o novo roteiro em mãos, partiu para a preparação do elenco com ajuda de Amanda Gabriela, que fez ensaios individuais e coletivos em Recife, e visitas aos acampamentos dos sem terras, com os personagens reais em suas casas.
A tensão do filme fica por conta do meio onde Cris circula durante alguns dias, usando sempre o mesmo vestido, ajudando em trabalhos domésticos, e que apesar de não haver ameaças veladas, elas estão sempre presentes. No acampamento dos sem terras, uma personagem que a acolhe diz que o filho é meio errado. Apenas isso é o suficiente para gerar tensão. “É a espera. ‘Vigias’ tinha essa espera, de alguma coisa acontecer. A mídia amedronta a gente, os prédios, os carros. O filme está se valendo dessa cultura do medo”, disse.
Para Lordello, a jornada da garota foi narrada de forma natural, com longos planos, mesmo nos momentos sem grande importância, como ir ao banheiro. “O filme foi deixando mais claro que ela iria seguir um caminho, e a gente sabia que ia relativizar. Não queria que ela fizesse uma jornada edificante. Que essas transformações fossem abstratas. Não gostaria de pregar nenhum tipo de didatismo sobre a juventude. Passagem como amadurecimento sexual. A estrutura do filme é a fase da menina. Entende o que é ser mãe solteira, trabalhar duro, servir aos outros. A gente vai entender isso depois que o filme acaba”, disse o diretor.
O milagre da produção
A ousadia também ficou por conta da produção. Lordello teve de dividir um orçamento de R$ 47 mil, obtido de um edital da prefeitura de Recife, entre uma equipe de técnicos e atores, um milagre da multiplicação. “A equipe era formada por amigos que acreditaram no filme e toparam trabalhar por um valor mais barato do que o usual. Planejamos as filmagens para ocupar o menor tempo possível. Se teve milagre, foi o da amizade”. As filmagens aconteceram no início de 2010 e levaram um mês e meio.
Lordello participou de vários festivais com seus dois filmes, “Nº 27”, em 2008, e “Vigias”, em 2010, o que lhe deu coragem para ousar e partir para o longa antes mesmo de distribuir “Vigias”. “Preciso trabalhar para sustentar uma família, filho, casa”, disse rindo. Neste momento, está inscrevendo o filme em festivais internacionais e desenvolvendo dois roteiros, “Paterno” e “Edificante”, mas ainda não sabe qual dos dois vai para os editais. Desta vez, não vai mais se arriscar com tão pouco recursos.
Por Hermes Leal
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