Festival de Gramado

Por Maria do Rosário Caetano, de Gramado

“10 Segundos para Vencer”, décimo-primeiro longa-metragem de José Alvarenga Jr., mais conhecido por seu trabalho na TV Globo, foi o filme mais aplaudido da competição até agora. Se os gaúchos “A Cidade dos Piratas”, de Otto Guerra, e “O Avental Rosa”, de Jayme Monjardim, não alterarem o quadro, esta cinebiografia do pugilista Eder Jofre, deverá sair de Gramado com o Kikito do júri popular. O filme tem, também, chance na categoria melhor ator, que pode ficar com Osmar Prado (o treinador Kid Jofre) ou com Daniel Oliveira (o Eder Jofre). E mostra força, também, em categorias técnicas.

De narração clássica, sustentada em sólido roteiro, de Thomas Stavros e parceiros, e grandes interpretações (além de Prado e Daniel, destaque para Sandra Corveloni, a mãe de Eder, e Ricardo Gelli, como Zumbanão, tio pugilista e estroina), “10 Segundos para Vencer” não esconde seu desejo de dialogar com o grande público. Tanto que o boxe não é sua razão principal, mas sim a relação entre pai (o duro e ultra-disciplinador Kid Jofre) e o filho, o jovem Eder, duas vezes campeão mundial. Sem esquecer a presença feminina, seja na relação do pugilista com sua mãe compreensiva (Carveloni) e sua namorada e única esposa, Cida (Keli Freitas). Registre-se, ainda, a saborosa trilha sonora que soma, aos sons incidentais de Berna Cepas, inesquecíveis boleros, como “Sentimental Eu Sou”, música pop italiana e rockinhos balançantes.

Daniel Oliveira contou, durante o debate do filme, que estava em São Paulo, anos atrás, filmando “Boca” (sobre o bandido Hiroito de Moraes). No chuveiro, teve um insigth: “tenho de ser Eder Jofre, ele é o galo de ouro, eu sou o galo mineiro (torcedor do Atlético), temos estatura semelhante”. Saiu atrás do número telefônico do pugilista e, depois de várias tentativas, conseguiu falar com ele. Só que, avisou Eder, “já há um projeto em andamento”. Daniel foi cuidar da vida até ser convidado para interpretar o campeão brasileiro. Durante oito meses, treinou boxe, frequentou academias, levou socos reais e ganhou dois olhos roxos.

Osmar Prado, aplaudido com fervor pelos participantes do debate, contou que construiu Kid Jofre, em sua relação com o filho, a partir de “memórias afetivas” próprias. “Vivi com meu pai”, confessou, “uma relação de amor e ódio. Ele não queria que eu fosse ator, achava que eu tinha que ter uma profissão útil e segura. Teimei e agora estou completando 60 anos de carreira. Ao dar vida a Kid Jofre, duro com o filho, contive a emoção, mas sem perder a ternura, sem resvalar na caricatura do treinador que impunha a mais rígida disciplina ao filho”.

José Alvarenga comparou a carpintaria de seu longa-metragem com a de “Touro Indomável”, de Martin Scorsese. “Não há coreografia de lutas de boxe no nosso filme, pois Eder lutou como peso galo e, depois, peso pena. Já Scorsese filmou a trajetória de um campeão peso-pesado (Jake LaMotta). Nesta categoria, os pesados, são dados três golpes por segundo. Já no galo (e pena) são sete golpes por segundo. Então, o Scorsese usou suas oito semanas de filmagens para realizar sete (semanas) de luta e uma de dramaturgia. No nosso caso deu-se o inverso: sete semanas de dramaturgia (relações familiares) e uma de luta”.

Embora Eder Jofre seja paulistano, criado no bairro do Peruche, a produção de “10 Segundos para Vencer” foi totalmente rodada no Rio de Janeiro, em velhas fábricas e seu entorno, que simulam a academia de Kid Jofre, bares e ruelas da São Paulo dos anos 1950 e 1960. E em estúdios. A sequência mais espetacular do filme — Eder lutando nos EUA, num ginásio ocupado por 45 mil espectadores — foi construída com efeitos digitais pela O2, de Fernando Meirelles. “Aquela sequência”, contou Flávio Tambellini Jr., o produtor, “foi feita com apenas 100 figurantes, multiplicados digitalmente”.

Eder Jofre, hoje com 82 anos e algumas sequelas dos anos de luta, ainda não viu “10 Segundos para Vencer”. Primeiro, contou Alvarenga Jr., “nós mostramos o filme para Andrea e Marcel, filhos dele e de Cida (ela, já falecida). Eles avaliaram se o pai, fragilizado, aguentaria a emoção de ver sua vida na tela. O que viram os entusiasmou tanto, que eles concluíram que o filme fará muito bem ao pai”. Por isto, “vamos promover sessão especial para ele e para centenas de pugilistas”.

Tambellini confirmou o lançamento de “10 Segundos para Vencer”, pela Imagem Filmes, no próximo dia 27 de setembro, com quase 200 cópias. “Sabemos que o momento está péssimo para os filmes brasileiros, que só mega-produções de super-heróis estão atingindo o público. Mas não vamos adiar o lançamento, pois queremos quebrar o paradigma”. Ou seja, “queremos mostrar um filme adulto, sobre um herói brasileiro, um pugilista que deu dois títulos mundiais ao Brasil, e com ele reconquistar nossas plateias”.

A competição latino-americana do Festival de Gramado voltou a encantar com “Violeta al Fin”, da costarriquenha Hilda Hidalgo, fruto de parceria entre o país centro-americano, famoso por não ter Exército, e o México. Violeta, interpretada por uma das mais respeitadas atrizes da Costa Rica, Eugénia Chaverri, de 75 anos, é a alma deste filme que traz um quê da personagem de Sonia Braga no brasileiro “Aquarius”, e da Chela, de Ana Brum, do paraguaio “Las Herederas”. Afinal, Violeta se verá às voltas com especuladores imobiliários e com falência financeira.

O filme costarriquenho é sensível e envolvente. Violeta vive numa linda casa, cercada por imenso e frondoso jardim. Separada do marido, ela consome o tempo fazendo hidroginástica numa imensa piscina, conversando com amigas e curtindo o neto. Até que um dia, seu mundo sofre profundo abalo. O ex-marido se metera em aplicação financeira desastrada e dera a casa como garantia. O banco exige o pagamento da dívida ou a entrega da mansão. Aos 72 anos, Violeta faz de tudo para não perder seu imóvel. Viveremos, com ela, esta luta de David contra Golias (o banco é parceiro de uma incorporadora que pretende construir imenso prédio no amplo terreno). A atriz brilha com intensidade similar à das paraguaias Ana Brum (premiada em Berlin), Margarita Irún e Ana Ivanova. Aliás, Margarita e Ivanova, que continuam causando sensação em Gramado, foram abraçar a colega costarriquenha e, juntas, trocaram elogios e planos. E posaram para dezenas de fotos com fãs gramadenses.

Eugénia Chaverri contou que “Violeta al Fin” é seu primeiro grande papel no cinema, pois o audiovisual, em seu país, só agora está ganhando fôlego. No teatro, seu habitat, interpretou dezenas de grandes protagonistas. “Mostrei no Festival Mirada, do Sesc, em Santos, “Mãe Coragem”, de Brecht. Foi uma experiência maravilhosa”.

O fotógrafo de “Violeta”, Nicolás Wond Díaz, registrou — na ausência da diretora, Hilda Hidalgo (autora de “Del Amor y Otros Demónios”, baseado em García Márquez) — que “o cinema costarriquenho realizou nos últimos dez anos, mais filmes que nosso país realizara nos cem anos anteriores”. E que “metade deles tem mulheres na direção”, fato raro na América Latina e surpreendente até nos avançados países nórdicos.

E o que levou a Costa Rica, país centro-americano de menos de 4 milhões de habitantes, a entrar no mapa do audiovisual latino-americano com presença tão significativa? A produtora mexicana (nascida na Argentina) Laura Imperiale, formulou uma explicação: “a existência da Escola Internacional de Cinema de San Antonio de los Baños, em Cuba, onde, nas últimas décadas, formaram-se dezenas de diretores e técnicos, incluindo Hilda Hidalgo”.

Dois curtas-metragens completaram a programação da sétima noite do Festival de Gramado: o brasiliense “À Tona’, de Daniella Cronemberg, e o paulistano “Kairo”, de Fábio Rodrigo. A unir os filmes, seus protagonistas negros. “À Tona” nos mostra, de forma mais sensorial que informativa, um pouco da trajetória de uma mulher (a atriz Tainá Cary) que arranca do esquecimento muitas das dores vividas. Por ela e pela filha. Embora a violência doméstica (e sexual) faça parte da narrativa, ela jamais será mostrada graficamente. Só evocada pela potente voz da personagem.

“Kairo”, por sua vez, é fruto de edital de inclusão promovido pela SPCine. E foi viabilizado pela Superfilmes, de Zita Carvalhosa, diretora do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo. O cineasta black Fábio Rodrigo fez questão de lembrar que formou-se no audiovisual como aluno das Oficinas Kinoforum, destinadas a populações da periferia paulistana. Primeiro, ele realizou “Lúcida”, com orçamento próximo do zero e tecnologia precaríssima. Junto com a mulher, a montadora Caroline Neves, Fábio viu o filme ganhar vitrines em importantes festivais brasileiros, como o de Gramado. Ele volta agora com um curta que teve orçamento bancado por edital público e pôde construir trama mais complexa e com muitos personagens e locações.

O menino Kairo estuda em uma escola pública na periferia. Ele é retirado da sala de aula por uma assistente social, negra como ele. Ela deverá contar (ao pequeno) algo grave, que não sabemos o que é. Um policial, também negro, virá cumprir sua missão de braço repressivo do Estado. Mais que uma história dramático-narrativa, o que veremos são situações lacunares, banhadas em atmosfera de suspense, que instigam nossa imaginação. Parte do público, durante o debate, reclamou. Queria mais informações do que se passara com o garotinho. O diretor deixou claro que não era sua intenção realizar filme de narrativa explícita.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.