Gabriela Amaral: pegando leve no pesado

O curta-metragem “A Mão que Afaga” chamou atenção nos festivais de cinema em 2012 com uma história bem narrada, um roteiro bem escrito, atores acertados, enfim, uma direção madura, que resultou em uma comédia de humor negro, mas em um estilo muito particular de abordar o absurdo e a estranhesa. A autora do feito é a cineasta baiana, radicada em São Paulo, Gabriela Amaral, que vem treinando no curta o que promete fazer no longa-metragem “Sementes”, em fase de roteirizarão. Aliás, roteiro é uma área em que Gabriela vem se especializando, estã roteirizando “De Repente, nas Profundezas do Bosque”, com Cao Hamburger, baseado em um famoso livro do escritor israelense Amos Oz.

Com 19 minutos de duração, “A Mão que Afaga” já foi exibido em 20 festivais, como o de Nova York e o último Festival de Cinema de Brasília, onde ganhou sete prêmios, incluindo o de melhor atriz para Luciana Paes, e melhor filme pelo júri popular e da crítica. O curta narra a melancólica história de Estela, de 31 anos, mãe de Lucas, garoto tímido e introspectivo de oito anos. Apesar de ganhar a vida falando com centenas de pessoas ao telefone todos os dias, Estela vive sozinha e não tem amigos. Lucas tampouco é dos mais sociáveis: na escola, é sempre excluído das brincadeiras. Mãe e filho seguem suas rotinas solitárias até o dia em que Estela resolve dar uma festa de aniversário para Lucas, mas as coisas não saem como planejadas, o que acaba por reforçar a solidão da qual os personagens são reféns.

“O humor nos meus filmes flerta com a farsa. Temos sempre uma situação absurda, quase inverossímil, na qual os personagens estão inseridos. Estes personagens vivem tais situações (vou chamá-las de “farsescas”) com o mesmo nível de espanto que nós, espectadores. Não são personagens cômicos de comédia, mas personagens dramáticos inseridos em situações insólitas, que beiram o ridículo”, afirma Gabriela. A diretora parte da situação singular para abordar temas de impacto universal, tais como o isolamento em grandes centros urbanos e a incomunicabilidade. “Na história, todas as relações interpessoais se dão por intermédio de dispositivos telefônicos. Estela se relaciona com o mundo literalmente através do telefone. Do trabalho às conversas pessoais, ela nunca está cara a cara com o seu interlocutor”, conclui Gabriela.

A atriz Lucina Paes é o grande destaque do filme. Foi escalada para o papel quando Gabriela assistiu à peça infantil “A Criança Mais Velha do Mundo”, onde ela interpretava, ao mesmo tempo, uma velha e a criança que essa velha foi. “Fiquei impressionada com o total domínio que a Luciana tinha do corpo e da voz, e a facilidade que tinha de alternar – às vezes numa única cena – personalidades tão opostas (uma velha e uma criança)”, diz Gabriela.

Luciana Paes, em cena de “A Mão que Afaga”, um curta-metragem que explora o universo absurdo da solidão

O trabalho com o roteiro

O roteiro do filme levou mais ou menos quatro meses entre a primeira versão e a versão definitiva. “Costumo trabalhar muito no roteiro antes de alçá-lo à categoria de projeto de filme. É no processo de reescrita que o roteiro floresce e o drama alcança a sua potência máxima. Escrever é reescrever. Não tem atalho para isso”, afirma a diretora, que dirigiu outros dois curtas, e há algum tempo vem trabalhando roteiros de longas-metragens com cineastas conhecidos. Sua formação inclui um curso de especialização em roteiro, em Cuba, por dois anos, na Escuela Internacional de Cine y Televisión (EICTV).

Com a cineasta Márcia Faria, Gabriela desenvolve o roteiro de longa-metragem “A Procura de Martina”, agraciado pelo Fundo Setorial do Audiovisual, em 2011. Com o cineasta Marco Dutra, escreveu o roteiro do longa-metragem “Quando Eu Era Vivo”, baseado no romance “A Arte de Produzir Efeito sem Causa”, do escritor brasileiro Lourenço Mutarelli. Atualmente, Gabriela escreve o roteiro do novo projeto de longa-metragem do cineasta brasileiro Cao Hamburger, adaptado do romance “De Repente, nas Profundezas do Bosque”, do escritor israelense Amos Oz. Ela também desenvolve o seu primeiro projeto de longa-metragem, “Semente”, que pretende filmar em 2014.

Ao escrever o roteiro de “A Mão que Afaga”, Gabriela diz que se interessou em abordar personagens deslocados e com dificuldade para se encaixar nos “papéis” que lhes cabem no mundo. “Nas minhas histórias, a jornada, sobretudo interna, dos inadaptados é o motor principal do drama. ‘A Mão que Afaga’ parte do desejo do toque, da carência do afeto, para contar a saga silenciosa de Estela em busca de que as coisas deem certo. Nem que para isso ela tenha que construir todo um mundo com as próprias mãos. No caso, um mundo de papel crepom”, afirma Gabriela.

Produção e elenco

O filme foi realizado com recursos de um edital de copatrocínio de curtas-metragens, promovido pela Prefeitura de São Paulo, e produzido pela Acere F.C., produtora dos outros dois curtas de Gabriela, “Náufragos” (2009), codirigido com Matheus Rocha e exibido em mais de 20 festivais nacionais e internacionais, e “Uma Primavera” (2010), exibido em mais de 30 festivais e ganhador do prêmio de melhor direção no Festival de Cinema de Paulínia, em 2011.

A diretora também prepara as filmagens de mais um curta, “Estátua!”, para o primeiro semestre de 2013, um projeto contemplado por um edital do Governo de São Paulo. “Filmo este projeto no primeiro semestre do ano que vem (2013). Vou aproveitar e me enveredar abertamente pelo horror, gênero que me fascina por seu grande potencial alegórico, e que venho pesquisando há anos”. A diretora ainda está com um curta-metragem inédito para estrear no início do ano que vem, “Terno”, dirigido em parceria com Luana Demange, cineasta e diretora de arte de todos os projetos de Gabriela. Foi filmado em 2012 e conta a história do acerto de contas entre um pai e um filho, nas vésperas do seu casamento. “O filme aborda os mesmos temas que venho trazendo nos meus curtas: a existência dessa parede invisível de silêncio entre as pessoas; e de como os dramas (quaisquer que sejam) se agigantam quando se está isolado. Isso me interessa muito”, conclui a diretora.

 

Por Hermes Leal

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