O Bergman do agir
Diferente do que revela seus filmes, a autobiografia do cineasta sueco Ingmar Bergman, “Lanterna Mágica” (Editora CosacNaify), não revela o verdadeiro eu do autor, o seu verdadeiro sentir e sofrer que transpôs para seus filmes de natureza existencial e de profunda delicadeza no trato com as aparências. Bergman foi um mestre em mostrar que a vida só seria plena vivida no parecer, o real ser ficava sempre muito escondido no silêncio de seus personagens. Sentimos falta de saber de onde Bergman tirou maturidade existencial para criar personagens que serviram de referência para a ciência psicanalítica. Mas o livro revela, no entanto, e em detalhes, o seu agir, o seu fazer cinema no dia a dia, as mulheres com quem viveu, as viagens, os amigos, e principalmente a sua infância.
Por mais que Bergman nos revela a sua trajetória de vida, buscando os filmes como referência narrativa, é a sua infância difícil, a família desestruturada, com pais e irmãos se odiando, além de uma forte repressão religiosa, que se destaca em sua memória. Na adolescência, foi viver na Alemanha nazista, longe da família, e ganhou de presente de aniversário de 16 anos uma foto de Hitler. Mas o forte mesmo é a terrível relação de Bergman com o pai, pastor protestante, em um enfrentamento agressivo constante, só diminuído quando Bergman começa a se refugiar no mundo das descobertas cinematográficas.