Ney para ver e ouvir

“Olho Nu” é um documentário sobre Ney Matogrosso. Bom, não exatamente. “Olho Nu” é um documentário de Ney Matogrosso. Também não exatamente. Ou talvez ele seja “de”, “sobre” e “para” Ney. Mais certo seria dizer que “Olho Nu” é Ney Matogrosso. O cineasta Joel Pizzini, de quem pode se esperar tudo, menos um trabalho convencional, desnuda na tela um dos mais desnudos talentos da música brasileira. Pizzini não “abre” câmera, como se diz no jargão técnico: ele a escancara. E tem a sorte e o prazer de contar diante de suas lentes com um talento cênico/musical que por sua vez também ama a exposição. O resultado é “Olho Nu”, mais que um documentário, uma experiência sensorial que assume os paradoxos de seu protagonista e evita a todo custo os depoimentos captados de forma tradicional. A ideia era evitar a hagiografia, a santificação do biografado, bem como eliminar do projeto qualquer traço “chapa-branca” que ele pudesse conter. Deu certo.

Não dá para dizer “está tudo ali, no filme”. Seria impossível. Mesmo porque o próprio Ney, informa Pizzini, é um contumaz colecionador de suas próprias imagens de arquivo. Seu sonho é editar tudo o que conseguiu juntar nestes anos numa espécie de filme sem fim sobre ele mesmo. Nem precisa dizer que Ney, nascido em 1º de agosto de 1941, é leonino. Percebe-se muito deste leão em “Olho Nu”. Desde as cenas de arquivo, onde o astro invade todos os espaços cênicos que tem a seu dispor, até as imagens produzidas especificamente para o documentário, onde Ney se interpreta e se reinterpreta, vira homem, vira bicho, vira lobisomem e demonstra sua vasta paixão pelas coisas da terra, da água e do ar.
Não deve ter sido nada fácil editar as mais de 500 horas de material bruto levantadas por Pizzini e sua equipe.

Na verdade, o filme marca também um reencontro entre o cineasta e o objeto de seu documentário, já que Ney foi protagonista de “Caramujo-Flor”, trabalho de estreia de Pizzini no cinema. E mais: um dos produtores de “Olho Nu”, Paulo Mendonça (hoje um dos diretores do Canal Brasil), foi letrista e mentor intelectual do grupo musical Secos & Molhados, o grande responsável pela esfuziante aparição de Ney na cena musical do Brasil. Certamente, tudo isso contribuiu não apenas para que Ney aceitasse o convite para o filme, como também para a maneira descontraída que ele surge na tela, em todas as suas facetas.

Sempre muito à vontade diante de câmeras e microfones, Ney fala de seus problemas familiares, das desavenças com o pai austero, posa para as lentes, não foge de nenhum assunto, exibe a solidez e a sabedoria de quem, se ainda não chegou onde queria, pelo menos sabe que está no caminho certo.

Sonoramente, o filme é outro espetáculo. Visto e ouvido numa boa sala de cinema, a experiência da voz de Ney enchendo o espaço é quase religiosa. Foi o que aconteceu comigo na exibição do filme no Teatro Amazonas, durante o Amazonas Film Festival. Ela entra pelos ouvidos e pelos poros, preenchendo todos os cantos do cinema e da alma, e se fixa fortemente no coração por tempo indeterminado.

Por estes e por vários outros motivos, “Olho Nu” é um filme para ser visto, no mínimo, duas vezes: uma de olhos abertos e outra de olhos fechados.

Assista ao trailer do filme aqui.

Olho Nu
(Brasil, 101 min., 2012)
Direção: Joel Pizzini
Distribuição: Vitrine Filmes
Estreia: 15 de maio

 

Por Celso Sabadin

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