A última geração utópica

Musa absoluta da geração que foi alfabetizada nas manhas do audiovisual pela MTV, Marina Person promete surpreender seus fãs cativos da telinha com uma experiência narrativa nova: em 2015, a VJ estreia como diretora de um longa-metragem de ficção. “Califórnia” é o título do projeto, já rodado, que se encontra neste momento em seu segundo corte, sem data de estreia, mas já com distribuição assegurada pela Vitrine Filmes. Marina já havia dirigido um longa antes, mas no formato documental: “Person” (2006), sobre seu pai, o cineasta Luís Sérgio Person (1936-1976), realizador do cult “São Paulo, Sociedade Anônima” (1965). Mas agora é a vez de ela filmar nas veredas ficcionais, com uma trama na qual volta no tempo, até a década de 1980. O enredo é centrado no dia a dia de Estela (Clara Gallo), uma adolescente paulistana que sonha em se mudar para os EUA, onde mora seu tio (Caio Blat). Lá, em solo californiano, ela espera ficar livre do autoritarismo do pai.

“Toda a minha formação como uma pessoa que trabalhou com jovens na MTV, meus hábitos cinéfilos de uma vida inteira e a própria experiência de vida de ter sido uma adolescente nos anos 80 foram a minha base pra fazer este filme. Isso tudo pesou e não apenas a minha experiência de fazer um documentário (“Person”). A Califórnia do meu filme representa o sonho de uma sociedade liberta, sem preconceitos, num lugar cheio de sol, onde floresceu a contracultura, onde os hippies se sentiam em casa. A Califórnia do meu filme é uma utopia, o desejo de uma vida mais livre do que a da personagem principal”, diz Marina, hoje com 45 anos.

Geração marcada pela AIDS

A AIDS entra como um fantasma que assombra as descobertas juvenis de Estela em “Califórnia”. O fantasma da doença chega até a jovem a partir da relação com o tio (Blat), a quem ela vê como um super-herói liberto e libertário. Quando ela se vê pronta para visitá-lo nos EUA, ele retorna ao Brasil, já soropositivo, muito debilitado pela falência imunológica provocada pelo vírus.

“A trajetória de Estela é uma metáfora para o que foi a AIDS para minha geração. Foi uma surpresa desagradável, algo com o qual não sabíamos lidar. Eu vivi esta época em que a AIDS era não somente uma doença terrível, como fatal. A AIDS foi a sombra com a qual a minha geração encarou o começo da vida sexual. Sempre tive vontade de falar sobre este assunto e mostrar para as novas gerações como era e como é importante o cuidado que se deve ter. Esta família que recebe o tio doente não sabe o que fazer com isso, assim como muitas famílias não sabiam. Ao mesmo tempo, era uma doença tabu. Quem tinha não falava, não abria para os outros. O medo era muito grande. O desconhecimento também”, explica Marina, que passou cerca de 18 anos na MTV, entrevistando toda a sorte de personalidades cinéfilas.

Cena de “Califórnia”, uma revisão dos anos marcados pela liberação sexual e a AIDS

Nos embalos dos anos 80

Na vida pós-MTV, Marina, que é uma das apresentadoras do programa Metrópoles, da TV Cultura, passou pelos canais Glitz e Canal Brasil, sempre esbanjando o misto de sabedoria e sensualidade que fez dela algo mais do que uma apresentadora e entrevistadora: um símbolo de sensualidade. Agora é hora de empregar seus atributos em prol da construção de uma nova trajetória cinematográfica, na qual “Califórnia” permite a ela uma revisão crítica da década de 1980 – período essencial à sua formação.

“Os anos 80 foram os anos da minha formação intelectual. Foi quando me senti capacitada para fazer as escolhas mais acertadas e que me acompanham até hoje, que ainda fazem sentido para mim. Foi quando eu tive independência de sair sozinha de casa, ir ao cinema, frequentar museus, ir a shows. A música e o cinema sempre foram as minhas manifestações artísticas favoritas. Dividia meu tempo entre elas, majoritariamente”, diz Marina.

“Tive a sorte de encontrar uma produção musical muito rica nascendo naquela época, gostava muito do rock brasileiro daqueles anos, do som pós-punk que se fazia na Inglaterra, o pop das bandas americanas… Amava Smiths, The Cure, Echo and The Bunnymen, New Order, Talking Heads e era louca pelo David Bowie. Nos anos 80, eu também frequentava muito a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, era completamente uma rata da Mostra. Gostava também das retrospectivas. Via vários filmes de um único cineasta. Era genial. Tinha tempo pra essas coisas!”, completa.

Marina Person leva para a ficção as inquietações da sua juventude

Marina atriz e Marina dirigindo atores

Além da imersão no processo de filmar ficções, Marina embrenhou-se recentemente ainda em uma experiência de interpretação, ao lado de João Miguel, em “Voltando para Casa”, longa de Gustavo Rosa de Moura, com quem ela é casada. Seu marido é um diretor conhecido por documentários aclamados pela crítica, como “Cildo” (2009). Sua mulher já havia atuado antes em curtas e longas, entre eles o premiado “Bens Confiscados” (2004), do (saudoso) diretor Carlos Reichenbach (1945-2012) – ex-aluno e fã declarado do pai de Marina, Luís Sérgio. Mas o filme de Moura representa o primeiro trabalho dela como protagonista. Na trama, ela encarna Julia, uma mãe de família que volta para casa após uma tentativa de suicídio fracassada.

“Eu gostei muito da experiência. Sempre tive muita admiração pelo trabalho do ator e sempre gostei de atuar, mas foi uma coisa que ficou de lado na minha vida profissional. Agora, tive a chance de fazer este mergulho, e realmente levei a sério a tarefa de me preparar para interpretar a personagem Julia”, diz Marina, ressaltando a “generosa rigidez” de seu companheiro de vida com ela nos sets. “Gustavo foi um diretor generoso e bastante rigoroso comigo, bem exigente, e excelente guia. João Miguel foi uma sorte! Imagina, meu primeiro papel como protagonista e meu companheiro é o João Miguel! Bons atores puxam boas atuações de seus colegas e João foi a nossa antena, um ator muito técnico e ao mesmo tempo voltado para a emoção, de uma capacidade de entrega enorme. Não gosto de usar esse termo, que é muito ‘lugar comum’, mas trabalhar com o João foi uma escola, ótima por sinal!”.

Marina com o ator João Miguel, em cena de “Voltando para Casa”, de Gustavo Rosa; sua primeira atuação como protagonista

Desbravando cada vez mais as fronteiras da arte cinematográfica, Marina ressalta a presença afetiva de seu pai, Luís Sérgio, também como um farol estético: “Meu pai me influencia bastante, de várias maneiras. Primeiro, conheço o gosto dele pelos livros que herdei e pelo o que minha mãe me conta. Depois, pelas entrevistas que ele deu, sigo as pistas de quando ele cita algum autor ou obra. É claro que ele influencia a minha maneira de fazer ficção, assim como muitos outros diretores que admiro também me influenciam.

 

Por Rodrigo Fonseca

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