São Paulo vista por Gregório Graziosi
Por Humberto Pereira da Silva, de Tiradentes
Gregório Graziosi é conhecido do público e segmento de crítica que acompanha festivais de cinema por causa de diversos curtas que realizou. E suas realizações se destacam pelo cuidado com a linguagem, rigor formal e apuro estético. Na 18ª Mostra de Cinema de Tiradentes, Graziosi apresentou seu primeiro longa-metragem, Obra, que em certo sentido cumpre a expectativa de quem esperava do longa os elementos formais de seus curtas.
Obra, realizado em preto e branco, é um filme em que se destaca, em primeiro lugar, a arquitetura, com planos abertos, oblíquos, oblongos de edifícios e lugares entremeados por construções, praças, vias da cidade São Paulo. O fio narrativo é tênue: um jovem arquiteto em seu primeiro grande projeto descobre um cemitério clandestino no terreno de seus ancestrais. A partir desse mote, Graziosi concebeu um filme cujas imagens, em consequência a evolução da trama, são principalmente alusivas, elípticas, metafóricas.
Trata-se de um filme de que é difícil o olhar escapar ao esplendor das imagens, ao rigor como os enquadramentos são concebidos, a câmera se move ou é colocada numa posição pouco usual para ressaltar um detalhe de mobília ou do rosto de um personagem. Assim, efetivamente, Obra não passa despercebido para qualquer espectador atento à maneira estilizada com que foi pensado e concebido.
O diálogo com cineastas e filmes que tomam a cidade moderna e o ser humano premido e incomunicável em seus arranha-céus é imediatamente lembrado. De sorte, que a referência a Michelangelo Antonioni e sua trilogia da incomunicabilidade pode ser evocada, mas destaco justamente as semelhanças entre a São Paulo de Graziosi e a de Luís Sergio Person, em São Paulo S.A., de 1965.
Como no filme de Person, São Paulo em Obra opera uma simbiose em que o personagem principal se amalgama com a cidade, com sua monumentalidade, seus perigos, sua incapacidade de conciliar o humano e o progresso, ou o humano e a memória (a cidade é construída sobre ruínas). Mas, se a referência a Person é cabível, por outro lado, Graziosi realizou um filme marcadamente hermético. No comportamento do arquiteto, interpretado por Irandhir Santos, a angústia, a crise existencial, se expressa menos por uma patologia mental do que no corpo. Ele sofre de hérnia de disco, portanto, sua coluna é seu ponto frágil.
Explicitamente alusivo, a coluna humana, que remente a um elemento estrutural da Arquitetura, encerra a grande metáfora com que a narrativa de Graziosi se atém. Obra aberta, no sentido dado por Umberto Eco, Obra se oferece para que se possa ver como ressoa na tela os graves problemas estruturais de São Paulo: como o personagem arquiteto, a cidade se mantém em pé, mas sofre em razão de sua combalida estrutura. Sob esse aspecto, a São Paulo de Graziosi não é a mesma de Person, pois para este o que está em pauta em primeiro lugar é o desordenado crescimento em confronto com o sentido de humanidade.
O que se vê então nos dois filmes são duas cidades que guardam semelhanças nas aparências, mas com recortes em que a presença humana tem significados distintos. Sim, o modo como a cidade é filmada de maneira estilizada é um dado importante para se pensar em Obra. Vale frisar, contudo, que na referência a Person o filme de Graziosi carece de densidade temática.
Na mesma medida em que é difícil ao espetador escapar ao esplendor das imagens, passado o impacto fica difícil ir além do visual. Se Obra é representativa de certa visão da cidade de São Paulo nesses anos do século XXI, também me parece que Graziosi não conseguiu com a narrativa que concebeu e os personagens que põe em cena dar uma densidade em que forma e conteúdo se equilibrem. Sua “obra” se ressente de excesso de estilo em uma trama claudicante, ou dispersiva e assim pouco persuasiva.
Ao optar por uma realização demasiadamente estilizada que mostra uma cidade fria, com relações humanas frias, a frieza da cidade acaba se espelhando na da trama fílmica. Nenhum problema com essas opções, pois, fazem parte do processo de criação e o artista joga com elas o tempo todo. O caso é que uma primeira aproximação de Obra deixa no ar certo sentimento de pomposidade e vazio. Se essa foi a intenção de Graziosi, talvez seja o tipo de filme que cabe ser visto e revisto, mas essa é outra história.
Filme genial, orgulho!
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