Mostra de São Miguel do Gostoso premia os melhores filmes
Por Maria do Rosário, de São Miguel do Gostoso
O público da terceira edição do festival potiguar elegeu os curtas-metragens À PROCURA DO SOL, de Rozangela Modesto, e SÊO INÁCIO (OU O CINEMA IMAGINÁRIO), de Hélio Ronyvon, como os melhores da competição. O longa-metragem A FAMÍLIA DIONTI, de Alan Minas, foi o escolhido em sua categoria.
O curta de Rozângela, o mais aplaudido da noite, venceu na categoria “filme das oficinas audiovisuais do festival” (ou melhor produção gostosense). “Sêo Inácio” foi o premiado na categoria melhor curta nacional.
“A Família Dionti”, um longa-metragem de difícil identificação (é infanto-juvenil? juvenil? um mix de crônica familiar interiorana com realismo mágico?), repetiu, aqui, de forma surpreendente, o mesmo desempenho verificado no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, dois meses atrás: melhor longa segundo o júri popular. Um Prêmio Especial foi atribuído ao segundo filme mais votado – “Campo Grande”, de Sandra Kogut.
O comando da Mostra de Gostoso reprogramou, para a noite de encerramento, a exibição dos quatro curtas produzidos pelo COLETIVO NÓS DO AUDIOVISUAL. A população do município pode, então, abarrotar o Cine Praia do Maceió, imenso telão instalado na areia atlântica, para visão conjunta e orgânica da produção local. O que se viu foi a maior plateia reunida pelo festival. Metade dela permaneceu no local, depois da brevíssima entrega do troféus Luis da Câmara Cascudo, para prestigiar a sessão de PIADEIROS, road movie de anedotas (contadas por brasileiros de todas as regiões e também por lusitanos), dirigido por Gustavo Rosa de Moura.
Nas urnas, a população de Gostoso já havia consagrado À PROCURA DO SOL, o único título, entre os quatro concorrentes das Oficinas Audiovisuais, que pode ser definido como urbano e de temática contemporânea. Os outros – “O Menino e a Caixa Misteriosa”, o terror “O Pai da Noite” e o lendário “Flôzinha” (assim os gostosenses se referem à Caipora) – dialogam com lendas e ambientes ainda atados ao imaginário rural.
À PROCURA DO SOL documenta o cotidiano e os sonhos de duas adolescentes num vilarejo de belezas paradisíacas. Sofia (vivida pela diretora Rozângela Modesto) e a irmã Manu, depois de buscar o peixe para mãe, bordadeira, se aprontam para ir à escola. Como moram num local afastado, utilizam bicicletas. Sofia, muito estudiosa, tem pressa para chegar em tempo de assistir a todas as aulas. Já Manu está mais preocupada com a maquiagem.
Na cidade, jovens turistas tentam seduzir as duas jovens. Manu se entusiasma e aceita convite (contrariando Sofia) para uma balada na praia. Afinal, seu sonho é conquistar um rapaz de fora (brasileiro ou gringo) que a leve para a cidade grande. A irmã, temerosa, qualifica os sonhos de Manu como “abestados”.
“O Menino e a Caixa Misteriosa” registra, em tom de crônica de costumes, salpicada com muito humor, a chegada da TV a um pacato e esquecido vilarejo. “O Pai da Noite”, um “terror” que provoca mais risos que medo, recria fragmentos de lenda da região. Mesmo caso de “Flôzinha”, que começa como crônica do cotidiano até colocar três jovens numa mata, onde pretendem caçar um cobiçado tatu, ajudados por um cão. Mas o aparecimento da caipora vai alterar os planos dos inexperientes caçadores. Os quatro filmes apresentam resultado surpreendente, se levarmos em conta que são realizados por alguns dos 50 jovens atendidos pelas oficinas audiovisuais do festival, ao longo de apenas três anos. Nenhum deles tinha qualquer experiência com o cinema, até o lançamento da Mostra de Gostoso.
CINEFILIA, LITERATURA E SEXUALIDADE – O curta vencedor da competição nacional, que somou nove títulos, é prata da casa. Afinal, diretor, personagem, equipe, paisagens, tudo em “SÊO INÁCIO (OU O CINEMA DO IMAGINÁRIO)” é 100% potiguar. Trabalho de conclusão de curso do jovem Hélio Ronyvon na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o documentário vem tendo boa aceitação por onde passa.
A escolha do público de Gostoso poderia ser fruto único de “bairrismo”, não fosse o documentário dotado de qualidades. E havia outro (bom) curta potiguar na competição, que não foi o escolhido: “José Bezerra”, de Pedro Medeiros. Pedro, natural de Mossoró, é um dos professores das oficinas da Mostra de Gostoso. Fotógrafo como Bezerra, o cabeludo cineasta imprime, em belo preto-e-branco, relato poético composto com imagens (de grande beleza plástica e valor etnográfico) e depoimento inspirado de seu personagem, também potiguar. Bezerra fala, com paixão, de seu trabalho e de sua busca pelas imagens (áridas e tocantes) colhidas por sua câmara.
A opção do público gostosense, que preferiu SÊO INACIO, deve-se – há que se convir – ao poder narrativo aliciante do cinéfilo Inácio Magalhães de Senna, de 77 anos. Ele vive se esgueirando por minúsculos corredores, já que sua casa foi tomada por pilhas de livros, revistas e DVDs. Até sua “cama” (uma rede nordestina) impede que ele estique as pernas na hora de descansar ou dormir. Não sobra espaço para tanto.
Documentar a existência deste homem neste espaço exíguo é um dos desafios deste filme que foi selecionado para a competição de curtas do Festival de Gramado, em agosto último. O jovem Ronyvon leva Inácio para as ruas de Natal e até para o interior de uma igreja. Ele fala com muita sinceridade sobre sua solteirice (deixando no ar uma possível homossexualidade), sobre religiões que cobram dízimo e sobre seus poucos amigos. Fala também de suas paixões literárias, de alguns dos 20 mil filmes a que assistiu (e registrou em uma pilha de cadernos) e o mundo de hoje em processo de avassaladoras mudanças trazidas pelas novas tecnologias.
O Rio Grande do Norte, um Estado sem presença marcante na história do curta-metragem (sem falar no longa) brasileiro, está começando a entrar no nosso mapa do audiovisual. SÊO INACIO, JOSÉ BEZERRA e os quatro curtas do COLETIVO NÓS DO AUDIOVISUAL constituem, não há como negar, promissor cartão de visitas. Com a Mostra de Cinema de Gostoso, o Estado nordestino tem, agora, uma vistosa vitrine para expor suas imagens e histórias.