Larry David: reinventando a sitcom
“Segura a Onda” (“Curb your Enthusiasm”) é uma sitcom da HBO, criada, roteirizada, produzida e estrelada por Larry David, que reinventou o gênero através de várias inovações, a principal, a utilização do mockumentary que inspirou muitas séries, como “The Office” e “Louie”.
A série surgiu de um piloto especial de apenas um episódio para a HBO, “Larry David: Curb your Enthusiasm”, que fez sucesso e deu origem a série que estreou em 2000.
Larry David interpreta um personagem fictício de si mesmo, vivendo seu cotidiano em Los Angeles, muito bem de vida, “colhendo” os frutos por ter criado a série “Seinfeld”. Teimoso, mesquinho, egoísta, implicante, que sempre arruma confusão por causa do seu gênio. Em alguns momentos durante a série, ele declara que existem leis ocultas que regem o bom convívio dos seres humanos. Essa é a definição de seu personagem, ele acredita que sem essas leis a sociedade virará um caos e, por isso, ele luta para que elas sejam cumpridas.
Intencionalmente ou não, ele acabou por recriar o herói da tragédia dentro de uma comédia farsesca, ele é um ser quixotesco que não tem outra alternativa a não ser combater as “mazelas” do mundo. Seja impedindo alguém de furar a fila, questionando o valor da gorjeta ou perseguindo o metereologista da TV que ele acredita mentir que vai chover para jogar golfe sozinho, ou mesmo recuperando o roupão que ele acredita que Hugh Heffner tenha trocado, Larry não pode se calar diante das “injustiças”.
Larry David já havia atuado como showrunner e criado, em parceria com Jerry Seinfeld, a sitcom de maior prestígio da TV americana, “Seinfeld” (1990), que levou ao limite o gênero da sitcom, revolucionando a forma de se fazer comédias na TV. O programa, que se autointitulava uma série sobre o nada, trazia diversos elementos inovadores que se diferenciavam de tudo que estava sendo feito na época.
Em “Segura a Onda”, Larry David incorporou e repaginou diversos elementos que já estavam em “Seinfeld”, tanto esteticamente quanto na dramaturgia: a impressão do real que antes se dava de forma suave com Seinfeld interpretando a si mesmo, Larry repete isso em sua série indo além, trabalhando no mundo “real”, sem cenários, interagindo com diversos convidados que interpretam a si mesmo, tais como Ted Danson, Ben Stiller, Mel Brooks, os atores de “Seinfeld”. Ao mesmo tempo em que utiliza uma linguagem de documentário, com câmera na mão e elementos de linguagem de sitcom, como a música para pontuar momentos cômicos.
O clássico núcleo de personagens de “Seinfeld”, onde cada um representava um tipo de humor: Seinfeld fazia a função da comédia intelectual baseada em comentário, George, inspirado no próprio Larry David, era o neurótico, noiado, e a comédia física em Kramer; todos esses tipos de humor foram unidos em Larry, ele alterna os tipos de comédia dentro de uma mesma cena, trazendo resultados hilários; ora ele está impondo sua opinião sobre um assunto para no momento seguinte sair na mão para impedir a dona da festa de comer um doce.
A série continua com a temática do “nada”, com uma estrutura episódica muito bem definida. Os plots individuais de cada personagem que existiam em “Seinfeld”, e que convergiam num final épico, foram mantidos, a diferença é que Larry David está em todas as cenas, trabalhando com cenas “cotidianas” paralelas, quase multiplot no formato de esquetes, preparando, juntando trechos, temas e personagens dessas esquetes como ganchos para encerrar o episódio num grande final.
No roteiro, Larry escolheu trabalhar com o conceito de semi-roteiro (semi-scripted), em que ele cria uma estrutura com as cenas, os personagens e cenários, e cria um mote para a cena; durante as filmagens os atores criam os diálogos. Cheryl Hines, a atriz que interpreta a esposa de David na série, disse que eles recebiam cerca de duas linhas sobre cada cena contendo o mote principal e precisavam improvisar, reagindo diante da fala do outro ator.
Como criador e showrunner, Larry David mostra como a inovação se faz também na rigidez das regras de criação, pensando na estrutura, no estilo de direção (impressão do real), no roteiro (semi-roteiro). Ele influenciou toda uma geração com “Seinfeld” e, posteriormente, conseguiu novamente com “Segura a Onda”. O seu trabalho com a temática do “nada” virou referência a todas as séries feitas no gênero posteriormente.
Por Marcos Takeda e Newton Cannito, roteiristas
Ainda não vi essa série.
Ainda não vi a série em questão.