Vida da “Viridiana” de Luis Buñuel vai virar série de TV
A vida de Silvia Pinal, atriz de três dos filmes de Luis Buñuel – “Viridiana”, “O Anjo Exterminador” e “Simão do Deserto” – vai transformar-se em série de TV.
Aos 85 anos, em plena atividade, a veterana estrela mexicana tem muito a contar. Afinal, além dos festejados filmes de Buñuel (1900-1983), ela trabalhou com astros como Pedro Infante (“El Inocente”), Arturo de Córdoba (“Un Extraño en la Escalera”) e com dois dos mais famosos cômicos mexicanos, Mário Moreno, o Cantinflas (em “Puerta, Jovem”), e Germán Valdés, o Tin Tan (“El Rey del Barrio”).
Ao ofício de atriz, Silvia, nascida no Estado de Sonora, em 12 de setembro de 1931, agregou muitos outros. Foi cantora, produtora, apresentadora de TV, dirigente sindical, deputada, senadora e, até, primeira dama de Tlaxcala, quando um de seus muitos maridos, Tulio Hernández, exerceu o cargo de governador (1981-1987).
Para interpretar, na série televisiva, a angelical “Viridiana” de Buñuel, a produtora Carla Estrada convocou a atriz Sharis Cid, famosa por trabalhos na TV, como “La Malquerida”, “La Tempestad”, “Ni Contigo ni Sin Ti” e “Verano de Amor”.
Silvia Pinal, entusiasmada com o projeto, vem colaborando sem descanso com a equipe de produção. Afinal, ao ser biografada, ela estará em condições de igualdade com outra mexicana, a pintora Frida Kahlo (1907-1954), cuja atormentada vida será, também, resumida em série de TV. “Frida e Diego” acompanhará os agitados relacionamentos (casaram-se duas vezes) de Frida e seu marido, o muralista Diego Rivera (1886–1957). E haverá espaço para outros relacionamentos do casal, ela com, entre outros, Leon Trotsky e algumas mulheres, e ele com Maria Félix, Paulette Godard e a cunhada Cristina Kahlo.
Outro nome da linha de frente da cultura hispano-americana a ter sua trajetória transformada em série ficcional é Gabriel García Márquez (1927-2014). Há dois anos, o colombiano foi tema de sólido documentário, “O Mágico da Realidade”, assinado pelo britânico Justin Weber).
Buñuel-Alatriste
A carreira de Silvia Pinal seria outra se Buñuel não tivesse abandonado sua Espanha natal, por causa da Guerra Civil (1936-1939), e passado boa parte de sua vida no México. Homem de três pátrias – Espanha, México e França – o bruxo aragonês se iniciara no cinema com dois curtas-metragens de vanguarda: “Un Chien Andalou” (1928) e “L’Age D’Or” ( 1930), realizados em parceria com o pintor Salvador Dalí. Depois, realizou na Espanha um documentário dos mais impressionantes, “Las Hurdes – Terra sin Pan” (1932).
Quatro anos depois de “Las Hurdes”, Buñuel participaria de projeto coletivo “Madrid 36”, sobre a capital de seu conflagrado país. Com a derrota dos republicanos pelas falanges de Franco, o jovem cineasta partiu para os EUA, mas só iria encontrar abrigo e ambiente de trabalho no México, segunda pátria de milhares de refugiados da ditadura franquista.
O aragonês necessitou de dez anos para retomar sua carreira. Só em 1947, depois de infrutífera passagem pelos EUA, estreou como diretor de longas de ficção. Seu primeiro filme mexicano – “Gran Casino” (1947) – daria início a fértil ciclo, o mais produtivo da história do rapaz educado em colégio jesuíta, que faria da religião, do desejo e da burguesia seus temas prediletos. Ali, no México, ele não pararia mais.
Buñuel realizou 15 filmes em seu país adotivo, sendo dois deles dignos da qualificação de obras-primas: “Os Esquecidos” (“Los Olvidados”, 1950) e “O Anjo Exterminador” (1962). Há quem coloque no mesmo patamar mais duas produções aztecas de Buñuel: o perturbador “El” (que, no Brasil, ganhou o complemento “O Alucinado”, 1953) e o angustiante “Ensayo de un Crímen” (1955).
Silvia Pinal nasceu 31 anos depois de Buñuel. Quando ele a conheceu, ela era uma jovem atriz, casada com um produtor influente (Gustavo Alatriste). Já havia trabalhado com Emílio “Índio” Fernandez (1904-1986), o mestre dos melodramas nativistas, em “Cita de Amor” (1958), mas não se tornaria notável se Buñuel não a tivesse convocado para protagonizar “Viridiana”.
O filme mais reconhecido do cineasta foi rodado na Espanha e deveria marcar a glória de seu regresso ao país natal. Porém, o complexo drama da noviça, objeto de desejo de dono de terras e até de mendigos que promovem uma das mais belas (e atrevidas) sequências da história do cinema – uma “Santa Ceia” de miseráveis ávidos por comida e sexo – foi parar em Cannes e causou furor (saiu de lá com a Palma de Ouro). Mas recebeu da Igreja Católica a pecha de “filme herético”. E a censura de Franco o interditou.
Alatriste ainda produziria mais dois filmes para sua mulher, sob a regência de Buñuel: “O Anjo Exterminador”, no qual um grupo de burgueses fica “preso” (sem amarras físicas) em luxuosa mansão, e “Simão do Deserto”, no qual Silvia interpreta um diabo tentador. O mestre espanhol queria filmar “O Anjo Exterminador” na Espanha (ou na França), mas não foi possível. Em suas memórias, que escreveu com o amigo e colaborador francês, Jean-Claude Carrière – “Meu Último Suspiro” – o aragonês lamentou a falta de sofisticação de ambientes, figurinos e outros requintes burgueses do filme. Mesmo assim, “O Anjo Exterminador” foi eleito um dos mil maiores filmes de todos os tempos.
Depois da Palma de Ouro em Cannes, a França, onde Buñuel estudara e onde fizera seus curtas surrealistas, passou a atrai-lo cada vez mais. De 1967 em diante, mais uma vez Paris se transformaria na casa buñuelina. Afinal, o sucesso e o escândalo causados por “A Bela da Tarde”, drama de fino erotismo protagonizado por Catherine Deneuve, fora imenso, arrebatador. Mas Buñuel manteria, na capital mexicana, sua confortável residência, plantada em calma rua sem saída, no charmoso bairro de Coyocán (hoje transformada, pelo Governo da Espanha, em centro cultural). Lá ele morreria, aos 83 anos, “ateu, graças a Deus!”.
Na terceira fase da vida cinematográfica de Buñuel – a francesa – não havia espaço para Silvia Pinal, uma menina nascida na pequena e obscura Guaymas. Em parceria com o roteirista Jean-Claude Carrière, o espanhol faria mais cinco filmes que ajudaram a sedimentar sua glória: “Via Lactea” (O Estranho Caminho de São Thiago), “Tristana”, “O Discreto Charme da Burguesia”, “O Fantasma da Liberdade” e “Este Obscuro Objeto do Desejo”.
Quando Buñel ganhou o Oscar (em 1973), Carrière preocupou-se em documentar, em foto histórica, encontro entre o espanhol e alguns dos maiores nomes do cinema norte-americano (Billy Wilder, Alfred Hitchcock, George Cukor, William Wyler, Robert Wise, George Stevens e Raoul Mamoulian).
Na série que contará a vida de Silvia Pinal, Buñuel terá, claro, espaço nobre. Mas haverá muito de mundanismo, tragédia familiar (a filha de Silvia e Alatriste, Viridiana Alatriste Pinal, morreu em acidente de carro, em 1982, aos 19 anos) e militância política no PRI, o eterno Partido Revolucionário Institucional. Hoje, Silvia é uma socialite que encapa revistas de celebridades (como a Quién, número 383, de março), mas não se esquece de quem a colocou em definitivo no mapa cinematográfico. Dos 94 filmes em que atuou, ela não se cansa de destacar um como o maior de todos, o mais notável, “Viridiana”. E tem seu trabalho em “Simão do Deserto” como o mais desafiador.
A estrela mexicana, membro da Academia de Cinema de Hollywood, fez telenovelas de grande sucesso e teatro e, durante 22 anos, apresentou na TV o programa “Mujeres, Casos de la Vida Real”. Em sua mansão mexicana, ela contempla sua beleza de outrora admirando dois quadros: um assinado por Diego Rivera e outro pelo equatoriano Oswaldo Guayasamín. E espera a série que mostrará, por muitos prismas, sua movimentada e longeva trajetória.
Por Maria do Rosário Caetano
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